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C.
Celso Brasil Camargo, engenheiro eletricista, professor
doutor do Laboratório de Planejamento de Sistemas de
Energia - Labplan - do Departamento de Engenharia Elétrica
(UFSC).
O
assunto principal é conservação de energia.
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Conservar
energia significa necessariamente economizar energia?
O uso racional da energia, aquele que pressupõe usufruir
da energia sem perder conforto ou sacrificar a produção,
implica na economia de energia. Por outro lado, o ato de "apenas"
economizar energia pode redundar em perda de conforto, lazer e mesmo
de sacrifícios na produção, principalmente
quando esta economia for compulsória.
Como
funcionam os programas de conservação de energia?
Estes programas, normalmente conhecidos como "gerenciamento
pelo lado da demanda (GLD), são induzidos e estimulados pelos
órgãos reguladores. Eles buscam reduzir a demanda
em períodos de carência de recursos, incluindo a água,
fortes alterações climáticas, dificuldades
de investimentos e outros. Neles a concessionária estabelece
um controle obrigatório sobre os equipamentos dos consumidores
ou então taxa a energia com valores mais altos em certos
períodos, por exemplo na hora de ponta, induzindo o consumidor
a reduzir o uso da energia nestas ocasiões.
Em
que esses programas de conservação favorecem as concessionárias,
já que o objetivo delas é justamente vender energia?
Na realidade, um dos objetivos das concessionárias é
vender energia, mas não é o único objetivo.
Porque se olhar o papel delas na sociedade vai ver que elas têm
outros objetivos. Um deles, inclusive, é proporcionar o bem
estar social e ainda não agredir o meio ambiente… Todas
essas coisas, às vezes, são camufladas pelo objetivo
direto de vender a energia. A conservação vem nesse
sentido de que você pode atender ao consumidor ou ao cliente
e também pode auferir benefícios para a sociedade
e para o meio ambiente. Esses programas de GLD vêm nessa direção.
Se o programa for bem planejado e bem montado, você pode ter
benefícios para todos: para a sociedade, para o consumidor
e para a concessionária de um modo geral. O fato de a empresa
não estar vendendo não significa que ela está
tendo prejuízo. Ela também está economizando
por não gerar ou deixar de importar energia. O que importa
é o balanço custo-benefício.
Como
funcionam as empresas conhecidas como ESCO?
O termo vem do inglês "Energy Service Company" (ESCO)
ou, em português, Companhias de Serviços de Energia.
Essas empresas são especializadas em fazer auditorias energéticas
nas instalações de consumidores e indústrias
para propor planos de eficiência energética. A ESCO
é uma empresa de capital de risco, não é uma
consultora. A consultora chega na empresa, faz um estudo, é
reembolsada pelo serviço e vai embora. A ESCO, não.
Ela assume o estudo que ela fez e se o cliente concorda, a partir
do estudo, faz o projeto, busca o financiamento, faz a compra dos
equipamentos e opera o sistema durante algum tempo. A partir daí,
os lucros advindos da conservação ou da eficiência
energética são repartidos entre a empresa e a ESCO.
Quer dizer, se não der certo, ela não recebe nada.
Se o projeto der certo, a ESCO passa a receber, durante algum tempo,
dividendos pelo êxito do programa.
Com
a crise, tende a crescer o mercado para esse tipo de empresa?
Aqui, no Brasil, nós esbarramos com o problema que, para
formar uma empresa, é preciso ter financiamento. Os financiamentos
para esse tipo de empresa, no Brasil, não são muito
fáceis. Então, teria que haver linhas de créditos
especiais para que esse tipo de empresas pudessem ser estabelecidas.
Corre-se o risco de ter grandes empresas de fora entrando no mercado
e alijando "os pequenos" nacionais que querem entrar na
área.
Mas
não existem determinados projetos que estão sendo
financiados pelo BNDES?
Em tese, a gente tem tudo. É como o Sebrae… mas na hora
que você vai tentar obter um financiamento, o negócio
é mais complicado. Então, faltam fontes de financiamento
e facilidades… Menos burocracia para que a gente possa fazer
isso… Por exemplo, se eu quiser sair da universidade e montar
uma empresa dessas com colegas, eu deveria ter facilidade para fazer
isso. No momento, isso não é verdadeiro.
O
horário de verão é eficiente para economizar
energia?
Não. A economia obtida não é significativa
e poderia ser maior se obtida por métodos mais eficientes.
O horário de verão pode ter outros benefícios,
ou malefícios, mas para economizar energia existem meios
melhores e mais eficientes.
Que
meios são esses?
Um exemplo é a tarifa diferenciada como o telefone.
Com
o novo sistema, essas tarifas continuam valendo?
Na realidade continua valendo. Nas horas de maior consumo, você
pode estabelecer tarifa diferenciada.
O
Sr. está falando das tarifas azul e verde?
Essas são para as grandes indústrias. Para os consumidores
residenciais, que somam 30 a 40% do consumo, ainda não tem
nada. A tarifa é constante. Teria que ter um mecanismo de
tarifa diferenciada também para os consumidores residenciais.
Existem projetos piloto. A CEMIG já fez, a COPEL já
fez… É a chamada "tarifa amarela". Você
teria a hora da ponta diferenciada do resto. Isso levaria a uma
economia de energia muito mais eficiente do que o horário
de verão. Tem muita gente que não se adapta ao horário
de verão. Inclusive, eu estou orientando uma pesquisa de
um psicóloga que vai examinar exatamente isso. Qual é
a influência do horário de verão no comportamento
das pessoas. Têm muitos que não se adaptam. Os trabalhadores
que levantam de madrugada… Os motoristas têm reclamado
que não se adaptam a essa mudança… Num país
tropical como esse, eu não sei se tem muita vantagem fazer
o horário de verão. Tem prós e contras. Para
o lazer, é uma beleza. Chegar mais cedo em casa, aproveitar
a praia no fim de tarde… Agora, do ponto de vista da eficiência
energética, eu acho que os resultados são muito tímidos.
Quais
são as tecnologias mais eficientes para reduzir o uso de
energia?
Tecnologias intensivas no uso de equipamentos mais modernos e eficientes,
no que tange ao consumo de energia, como as LFC (lâmpadas
fluorescentes compactas) e os equipamentos com o selo Procel. Tem
que partir para equipamentos com tecnologias mais modernas. Motores
mais eficientes, que a gente já tem hoje… Muita gente
não compra esses motores pois eles são mais caros,
mas não sabem que eles se pagam mais rapidamente por economizar
energia. Essas lâmpadas compactas fluorescentes… A gente
vai pagar um pouco mais caro, quinze a vinte reais, em relação
à incandescente que custa um real, mas em compensação,
no médio e longo prazo, têm uma economia substancial.
Elas duram muito mais e economizam muito mais também. Uma
lâmpada compacta fluorescente de 15 a 20 Watts corresponde
à uma lâmpada incandescente de 75 Watts. A dificuldade
é a aquisição ou o chamado capital inicial.
As pessoas vêem que uma fluorescente custa quinze ou vinte
reais e vão optam por uma incandescente de um real…
Só que esta gasta muito mais porque a lâmpada incandescente
produz não só a luz, mas muito calor também.
Tem outros equipamentos que são mais eficientes: ar condicionado,
geladeira com selo Procel… Só que essas tecnologias
são mais caras. A população não adquire
por isso. A população quer saber se cabe no orçamento.
Se não couber, ela não compra, prefere comprar uma
mais barata.
Talvez
se houvesse subsídios…
É. São os chamados "prêmios". As próprias
concessionárias poderiam financiar isso. As concessionárias
têm que colocar na cabeça que, às vezes, não
vender é um bom negócio. Elas estão muito atreladas
a vender, vender, vender… Às vezes, não vender
é uma boa estratégia… Você deixa de fazer
investimentos. Algumas vezes, para vender alguns megawatts, você
precisa fazer nova linha de transmissão, fazer nova subestação,
uma nova usina… Isso tudo custa dinheiro…
Essas
tecnologia são nacionais? Como tem sido o desenvolvimento
nacional dessas tecnologias?
O mercado nacional já tem alguma coisa, principalmente motores.
Temos aqui a WEG e a Eberle que fazem motores de alta eficiência.
Já fazemos geladeiras… Temos tecnologia para isso. As
lâmpadas, que são importadas, já começamos
a fazer. Agora, para ter um mercado ativo, com preço bom,
é preciso ter escala. Fica aquele dilema: "não
vou fabricar porque não tem escala", "não
vou comprar porque está caro"… Tem que mudar isso
aí. Essas práticas de conservação tem
que ter o dedo do governo. Não tem outro jeito. O governo
tem que legislar… Essas agências reguladoras existem
para isso: para incentivar o consumo eficiente, para dar subsídios…
Não tem país no mundo, por mais liberal que seja,
em que o governo não meteu o dedo nisso. O governo tem que
ser o agente motivador da eficiência energética. Há
três anos, eu escrevi um artigo no Diário Catarinense,
alertando sobre esse problema. Um país como o Brasil, um
país em formação ainda, não pode deixar
essas questões de energia ao sabor do mercado. Não
funciona. Em lugar nenhum do mundo funciona. A gente está
vendo isso agora nos Estados Unidos. Eles levaram a questão
de mercado muito a sério. A segurança de aeroportos
era toda privatizada. Muitas falhas aconteceram. Agora, eles estão
querendo que essa segurança volte a ser feita pelo Estado.
A gente tem que tomar cuidado com isso… Nem tudo pode ser deixado
ao sabor do mercado. Tem coisas que o mercado não aceita:
as externalidades, os preços sombra… O governo tem que
entrar para dar a guia, o rumo… Isso não significa interferência
estatal, significa uma função do Estado. Um país
como o Brasil tem que ter isso. Há três anos, nesse
artigo, eu disse claramente que o governo não deveria privatizar
suas empresas. Porquê? As empresas do governo deveriam continuar
sendo do governo para regular o mercado e ajudar o governo no problemas
de tarifas e coisas do gênero. Hoje, eles estão vendo
que isso é verdadeiro. O novo sistema brasileiro foi feito
com algumas premissas equivocadas. A comunidade universitária
alertou para isso. O governo não deu bola, contratou uma
empresa estrangeira, ela fez o processo todo e o resultado está
aí. Se fosse usado o modelo que eu chamo de "híbrido",
como é na Noruega… o Estado continua com suas empresas,
sem problema nenhum. Para construir novas usinas, a iniciativa privada
é bem-vinda. Ninguém têm nada contra a iniciativa
privada. Mas eu não sou a favor de privatizar usinas hidréletricas,
por exemplo. A água é um bem comum… Ela tem outros
fatores de interesse social, além de gerar energia elétrica.
Nos Estados Unidos, as usinas de energia elétrica com base
hidráulica pertencem ao governo. Então, porquê
privatizar Furnas ou a CHESF? O governo tem que ficar com essas
empresas e administrá-las de forma competente. O erro está
em colocar políticos na direção dessas empresas
e não técnicos. A privatização não
é nenhuma panacéia. Você pode ter empresas estatais
tão boas quanto empresas privadas. Basta ter uma gerência
técnica e não política.
Quais
são as principais barreiras contra a cultura de conservação?
São várias. Primeiro, as culturais, como a indústria
do desperdício. Isso vem lá do tempo dos poetas, do
Bilac… que o Brasil era o maior país do mundo, que aquilo
tudo é bom, em se plantando tudo dá… Essa cultura
é enganosa. Países que passaram por guerra, como na
Europa, têm uma cultura de conservação muito
grande. Aqui, não. (…) Na parte econômico-financeira,
os poucos recursos para adquirir equipamentos mais eficientes. Existem
até empecilhos legais, como a própria ausência
de legislação, normas e regulamentos de incentivo
à conservação. Cabe ao governo legislar no
sentido de facilitar a conscientização. Não
é vir com essa história de multa, de penalização…
Não tem sentido nenhum. As pessoas não estão
deixando de fazer a economia, mas o grande culpado do estado atual
é o governo que não gerenciou adequadamente os reservatórios.
Então, fica uma história meio esquisita. O governo
não gerenciou, a empresa não pode vender e o consumidor,
que deveria por contrato receber um serviço, não recebe
e ainda tem que pagar multa. Isso é um absurdo.
E
falta informação também?
Lógico. Informação é a base. Se não
tem uma boa formação… A televisão, por
exemplo, não é usada para informar ninguém…
Ela é usada para programas de qualidade discutível…
Um
programa agressivo de conservação de energia poderia
ter nos poupado dessa crise?
Sem dúvida. Os responsáveis pelo setor elétrico
foram ineficientes e incompetentes. A crise já estava anunciada
há alguns anos. Infelizmente, no Brasil, o crime compensa
e nada vai acontecer aos culpados. Não temos uma sociedade
civil organizada para responsabilizar os dirigentes públicos
e nem uma justiça moderna, ágil e eficiente. Aí
está a raiz de nossas mazelas.
O
Sr. acha, então, que falta priorizar a conservação
no planejamento do governo?
Falta. Na realidade, a estrutura de planejamento do setor elétrico
brasileiro, até a década de 1990, era feita basicamente
no lado da oferta. O planejamento era feito para ofertar novas usinas,
novas linhas, novas subestações. Ninguém pensava
na possibilidade de, ao invés de aumentar a oferta, conter
a demanda. É outra possibilidade também. A idéia
da conservação começou recentemente. Após
o vislumbre dessa crise, começou a se pensar em conservação
de energia, mas ainda se faz muito pouco.
E
a atuação do Procel, o programa estatal de conservação
de energia?
Hoje, ninguém sabe onde ele está. Aparentemente, ele
está meio perdido. O Procel deveria ser mais atuante. De
vez em quando, fazia uma propaganda usando o pessoal do Casseta
& Planeta… Eu até acho errado porque energia não
é uma coisa para brincadeira. É uma coisa séria.
Então, eu acho que o papel do Procel tem que ser discutido.
Com
a abertura do mercado de energia, a conservação pode
ser uma "hedging" (proteção) para o consumidor
tentar evitar o risco de preços?
Acredito que sim. O consumidor tem que ser conscientizado que a
energia para ser gerada custa caro. Agora, tem que tomar cuidado
também porque eu acho a nossa energia muito cara, principalmente,
no setor residencial. O povo brasileiro não pode continuar
pagando tarifa dolarizada.
Porquê
cara?
É cara em relação ao salário que a gente
ganha. A tarifa brasileira é equivalente à tarifa
americana.
Quanto
é isso?
A tarifa americana, hoje, está na base de oito centavos de
dólar por quilowatt hora. Nós estamos pagando, hoje,
vinte dois ou vinte três centavos, no setor residencial…
Então, eu acho caro para o nosso padrão de salários.
E o governo está dolarizando os preços públicos.
O gás está dolarizado, a água está dolarizada,
a energia elétrica está dolarizada e nós não
recebemos em dólar! Isso é uma brincadeira! Eu estou
subindo pela escada com o salário e o preço está
indo pelo elevador… Tem que ter um limite para esse tipo de
tarifa. Não pode ficar com essa de "tenho que colocar
uma tarifa alta porque senão ninguém vai investir
aqui no Brasil"… Tem outro aspecto também. Você
pode criar um grande país, alavancando o mercado interno.
Um país com 180 milhões de habitantes… É
um grande mercado!
Então,
a perspectiva para o futuro da conservação é
boa?
Acho que sim. Acho que não tem saída para o nosso
planetinha. Ou a gente faz a conservação ou vamos
ter problemas sérios de água, de energia, de aquecimento
da atmosfera, de poluição… Tratar a energia e
a água como commodity é um grande erro. Eu encaro
a energia elétrica e a água como bem comum. Todo mundo
tem direito a ter. A gente paga por esse bem, mas não pode
deixar isso ao sabor do mercado, não. São bens essenciais.
São estratégicos para um país.
Os
Estados Unidos sempre são citados como modelo, inclusive
para esses programas de GLD, mas essa crise de energia na Califórnia?
Essa crise na Califórnia deixou muita gente que era adepta
de carteirinha da privatização de orelha em pé.
Ali, houve de tudo… Segundo pessoas que acompanharam a crise,
houve quebras de máquinas para poder aumentar a tarifa, houve
problema de regulação… Aconteceram coisas horríveis,
a ponto de empresas terem ficado à beira da falência
devido à crise. Elas eram obrigadas a comprar energia com
um preço muito grande, chegou a multiplicar por dez o valor
da energia, e não podiam repassar o custo para o consumidor
final. Ficaram com o mico na mão. É claro que houve
também um aumento do consumo por causa do verão muito
quente, mas isso tem que ser previsto no planejamento. Quando eu
trabalhava no planejamento, a gente previa exatamente essas condições.
Tem que ter uma margem de segurança. Só que essa margem
foi sendo "comida" pelo governo. Antigamente, a margem
era de 15 a 20%. Hoje, não tem mais.
Quais
são os dados de perdas e desperdícios de energia elétrica
no País?
Pelos dados observados na atual crise energética, cerca de
30% do consumo poderiam ser evitados com programas de gerenciamento
pelo lado da demanda.
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