Desenvolvimento e Meio Ambiente
Na
análise de Hector Leis, pesquisador da área ambiental,
a desordem global do ambiente e suas conseqüências, expressas
nos relatos científicos e nas avaliações das
perspectivas futuras, manifesta a dupla realidade na qual vive a
humanidade: uma mais permanente, a realidade do próprio planeta,
formada pela síntese complexa de sistemas interativos (orgânicos
e inorgânicos), e outra mais transitória, a realidade
do mundo, que deriva da ocupação do planeta pela espécie
humana. Enquanto a Terra é uma unidade de sistemas equilibrados
e estáveis, o mundo é o conjunto de obras e valores
humanos com características diversas e contraditórias
entre si e com a natureza.
Na visão de Paulo Fernando Lago, outro pesquisador da UFSC,
isso supõe uma questão, senão trágica,
ao menos patética: o homem ficou muito tempo afastado do
contato com a realidade ecológica. Para Lago, essa constatação
é tanto desconcertante quanto ambivalente, pois a motivação
principal, especialmente a partir de 1950, com a reconstrução
das economias danificadas e a ativação dos processos
industriais em países eminentemente agrícolas, foi
justamente a busca de desenvolvimento econômico de forma alheia
aos próprios limites de exaustão dos recursos ambientais.
Essa mentalidade economicista, na qual se fundamentaram teóricos
e planejadores do crescimento, sofreu seu primeiro grande revés
com o relatório preparado por um grupo interdisciplinar do
Massachussets Institute Technology (MIT) para o Clube de Roma, e
que deu origem à realização da Conferência
das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, na
cidade de Estocolmo (Suécia), em 1972. O relatório
- Limites do Crescimento - continha dados estruturais e tendências
do sistema econômico mundial e concluía que os limites
seriam alcançados em cem anos, caso se mantivessem os mesmos
níveis de aumento populacional, industrialização,
produção de alimentos, poluição e consumo
de recursos.
De acordo com o economista Celso Furtado, ainda que pesem alguns
aspectos metodológicos polêmicos e a precariedade de
algumas projeções, a relevância do relatório
fundamentou-se na demonstração de que o sistema, no
que concerne aos recursos naturais, é fechado em escala planetária,
colocando em xeque a idéia economicista de desenvolvimento.
Surgia à tona a evidência de que, em nossa civilização,
não se cria valor econômico sem haver, como contrapartida,
degradação do ambiente.
A Conferência de Estocolmo e as reuniões preparatórias
que a antecederam firmaram as bases para um novo entendimento das
relações existentes entre o ambiente e o desenvolvimento
e introduziram um novo conceito, apresentado por Maurice Strong,
secretário da Conferência, e largamente difundido,
a partir de 1974, por Ignacy Sachs: o ecodesenvolvimento.
Na definição de Sachs, o conceito representa a capacidade
humana de realizar um desenvolvimento endógeno e dependente
de suas próprias forças, capaz de responder à
problemática de harmonização de objetivos sociais
e econômicos com uma gestão ecologicamente prudente
dos recursos e do ambiente. A base da nova proposta situou-se na
proposição ética de que o desenvolvimento deveria
estar voltado para as necessidades sociais mais abrangentes, a melhoria
de qualidade de vida, e para o cuidado com o ambiente como atos
de responsabilidade com as gerações futuras.
O termo ecodesenvolvimento foi substituído por desenvolvimento
sustentável, a partir de 1980, quando surge no documento
sobre Estratégias Mundiais de Conservação,
produzido pela União Internacional para a Conservação
da Natureza (IUCN) e pelo WWF, a pedido da ONU. A expressão
torna-se mundialmente conhecida, em 1987, com o encerramento dos
trabalhos da Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento,
conhecida como Comissão Brundtland, com a publicação
do relatório Nosso Futuro Comum, onde o critério de
sustentabilidade aparece como argumento central para a formulação
de novas políticas de desenvolvimento.
O conceito tradicional de sustentabilidade, com origem nas Ciências
Biológicas, aplica-se à exploração de
recursos renováveis, em especial daqueles que podem ser exauridos
pelo uso desordenado, e baseia-se no método de manejo como
estratégia de compensação entre as espécies
e preservação da vitalidade dos ecossistemas.
Em 1992, como extensão dos encontros e trabalhos realizados
desde Estocolmo, organizou-se, no Rio de Janeiro, o maior evento
de caráter intergovernamental do gênero, a Conferência
das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento
(CNUMAD) ou ECO'92, que reuniu entidades de 178 países e
contou com a participação de 100 chefes de Estado.
O encontro originou diversos documentos, entre eles a Agenda 21.
Considerada como o resultado mais importante da Conferência,
a Agenda 21 apresenta um plano de ação para alcançar
os objetivos do desenvolvimento sustentável, com base nos
documentos elaborados pelos diversos participantes do processo de
discussão durante todo o período anterior (UICN, WWF,
Comissão Brundtland, PNUMA, IPCC).
Apesar da relevância do seu conteúdo, que atualmente
serve como base do Programa 21 da ONU, a Agenda também reflete,
em vários aspectos, um consenso entre países desiguais
ao tratar de maneira reticente questões como a dívida
externa dos países em desenvolvimento e a propriedade intelectual
na área de biotecnologia, ou mesmo ao deixar de contemplar
a problemática da produção e teste de armas
nucleares.
Uma boa parte dos acordos firmados ficou comprometida porque as
assinaturas de importantes chefes de governo, principalmente os
Estados Unidos, não foram ratificadas ou porque os protocolos
de ações simplesmente não saíram do
papel. A prática não correspondeu à retórica
contida em documentos e discursos públicos. Poucos países
desenvolvidos (Escandinávia, Holanda e Alemanha) têm
tomado medidas para incorporar tanto as restrições
quanto as oportunidades ambientais nas políticas econômicas
internas.
Esse cenário contrasta com o crescimento do interesse público
em políticas de conservação do ambiente. A
Environics International, empresa canadaense, realiza anualmente
uma pesquisa em 34 países para conhecer a opinião
pública sobre os benefícios econômicos de políticas
ambientais. Na pesquisa realizada em 2000, a Rússia e o Japão
lideraram a lista de países com maior número de céticos
(40%) sobre os benefícios resultantes de políticas
de conservação. A seguir, vieram Alemanha, França,
Argentina e Brasil, com 30%, e os Estados Unidos, com 20%. Não
houve diferenças significativas entre opiniões de
grupos sociais distintos, os mais incrédulos ou reticentes
estão entre aqueles com maior poder aquisitivo e mais idade.
Nos Estados Unidos, onde a grande maioria dos entrevistados (80%)
é favorável à integração entre
política econômica e ambiental, o senado protela há
anos a ratificação do Protocolo de Kyoto, que prevê
cortes nas emissões de carbono para conter a potencialização
do efeito estufa sobre o planeta e as potenciais mudanças
climáticas decorrentes. O grande argumento parlamentar ainda
é a redução do crescimento econômico,
baseado principalmente em carvão e petróleo, principais
fontes de carbono.
O Brasil, que organizou o maior evento para debate internacional
da questão do ambiente e desenvolvimento, ainda enfrenta
toda sorte de obstáculos para cumprir efetivamente a sua
legislação ambiental, considerada uma das mais avançadas
do mundo. Somente em setembro de 1999 foi regulamentada a Lei de
Crimes Ambientais, que consolidou diversos dispositivos legais para
enquadramento de delitos e punição dos infratores.
Na área de energia, o País já possui uma agenda
ambiental para o setor de petróleo, que estabelece diretrizes
de atuação para o Ministério de Meio Ambiente
(MMA) e para a Agência Nacional do Petróleo (ANP),
mas somente durante a crise de eletricidade em 2001, para acelerar
o licenciamento para geradores de pequeno porte, foi levantada a
necessidade de discutir uma agenda específica também
para o setor elétrico. A implementação da Agenda
21 nacional deverá envolver tantos debates quantos aqueles
que cercaram o vasto complexo de questões pertinentes à
sustentabilidade no País, e ainda muito mais tempo para internalizar
o tema dentro do plano de governo, haja vista o número de
projetos iniciados sem levantamento dos custos ambientais e sociais,
como o "Avança, Brasil", que prevê a instalação
de uma grande frente de iniciativas agropecuárias na região
norte, apesar de os dados científicos apontarem que 83% dos
solos amazônicos são inadequados para esse fim.
Em que pese a importância da discussão sobre o futuro,
a situação atual do mundo já apresenta cenários
muito críticos, com altas taxas de concentração
urbana e condições de vida extremamente precárias.
Em 76% dos 42 países menos desenvolvidos, a população
não tem rede de esgoto e 49% não recebe água
tratada. Embora as taxas relativas de acesso à instrução
tenham aumentado nos últimos dez anos, o número absoluto
de analfabetos é alarmante (300 milhões de crianças
e 800 milhões de adultos), segundo os dados da ONU e da UNESCO.
O documento "Planeta Vivo", emitido pela World Wide Fund
for Nature (WWF) e pelo Programa das Nações Unidas
para o Meio Ambiente (Pnuma) em fevereiro de 2001, alerta que vivemos
numa situação insustentável, considerando que
já foram consumidos 42,5% dos recursos do planeta - alimentos,
materiais e energia - e que esse consumo aumenta, em média,
2,5% ao ano nos países desenvolvidos. Para sustentar um padrão
de vida global semelhante ao dos países industrializados
teríamos de dispor de outros três planetas, com as
mesmas condições de recursos que tínhamos originalmente.
Fontes:
Celso
Furtado, O Mito do Desenvolvimento Econômico, 5 ed, Rio
de Janeiro: Paz e Terra, 1981.
Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento,
Nosso Futuro Comum, 2. Ed., Rio de Janeiro: Fundação
Getúlio Vargas, 1991
Gilberto Montibeller Filho, Ecodesenvolvimento e desenvolvimento
sustentável - Conceitos e princípios, in: Textos
de Economia, Florianópolis, UFSC, 1993, v. 4, n. 1, p:132-142.
Governo reavalia efeitos do Avança Brasil, Folha Ciência,
p. A-18, 15 novembro de 2000.
Hector Ricardo Leis, Ambientalismo: um projeto realista-utópico
para a política mundial in: Meio Ambiente, Desenvolvimento
e Cidadania: Desafios para as Ciências Sociais, 2 ed., São
Paulo: Cortez, Florianópolis: Ufsc, 1998.
John Glassie, O futuro da vida. Entrevista com Edward Wilson.
Folha de São Paulo, Caderno Mais!, pp:26-28, 17 fevereiro
de 2002.
José Carlos Barbieri - Desenvolvimento e Meio Ambiente:
As Estratégias de Mudanças da Agenda 21, Petrópolis:
Vozes, 1997.
José Eli da Veiga, Meio
Ambiente, Uma bem intencionada ilusão, http://www.estadao.com.br
JoséEli da Veiga, Integração
entre economia e meio ambiente, http://www.estadao.com.br
José Sarney Filho, Três
anos no Ministério do Meio Ambiente - Uma avaliação,
http://www.estadao.com.br
Paulo Fernando Lago, A Consciência Ecológica - A
Luta pelo Futuro, Florianópolis: UFSC, 1991.
Paulo Fernando Lago, Gente da Terra Catarinense, Desenvolvimento
e Educação Ambiental, Florianópolis: UFSC,
FCC Edições, Lunardelli/Udesc, 1988.
Veja
também:
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