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Meio Ambiente e Energia

Todos os processos da cadeia energética (produção, transformação, transporte, distribuição, armazenagem e uso final) envolvem uma série de perdas que reduzem a quantidade de energia efetivamente útil à sociedade a apenas a uma fração do total de energia captada da natureza. Por contingência das próprias leis físicas, um certo nível de perdas é inevitável ao longo da cadeia de transformações energéticas, haja vista o segundo princípio da termodinâmica.

A luta contra a "desordem", descrita neste princípio, exige a dissipação de uma quantidade de energia que extrapola do sistema, não podendo ser restituída. Assim, como contrapartida à toda incorporação de um aporte de fontes energéticas, existe a perda da energia degradada que é rejeitada para o ambiente externo na forma de calor ou de resíduos (gases, material particulado).

Além disso, o uso de energia também origina impactos sociais e econômicos decorrentes do próprio aproveitamento de recursos naturais Alguns deles podem ser significativos, mesmo no caso de fontes renováveis (hidreletricidade, biomassa plantada, energia solar e eólica), em virtude das áreas extensas que são necessárias para a produção em grande escala. A própria tecnologia usada, mesmo sob condições normais de operação, cujo exemplo mais temido ainda é o do funcionamento das centrais nucleares, pode comportar riscos consideráveis para a vida humana e o ambiente. Também podem ser incluídas nesse rol, com escala e características diversas, as atividades extrativas do carvão e gás natural, e a infra-estrutura do petróleo (poços, refinarias, oleodutos, navios e veículos de transporte).

Durante muito tempo, utilizando as forças disponíveis da natureza e adequando-as a sua localização, o homem pode gerar, transmitir e consumir energia sem alterar significativamente o ambiente global, o uso do espaço e os modos de produzir ou distribuir bens de acordo com os modelos sociais, políticos e culturais prevalecentes. Apesar de ter se confrontado com vários episódios de escassez provocados pela apropriação intensa das fontes disponíveis, como foi o caso da lenha durante a Idade Média, até a Revolução Industrial a humanidade evoluiu com um consumo de energia relativamente moderado. A inserção de uma nova tecnologia -a máquina a vpor - no modo de produção provocou uma ruptura no sistema, exigindo uma nova ordem de grandeza no uso da energia.

Além do carvão, como substituto da lenha a partir do século XIX, o uso generalizado do petróleo, junto com a eletricidade, viria assentar, no século XX, as bases da moderna civilização industrial, fundamentando grande parte da economia no uso de recursos fósseis que a natureza levou milhões de anos para produzir. Depois da 2ª Guerra Mundial, como recurso adicional para atender à expansão crescente do consumo de energia, foi desenvolvido o aproveitamento tecnológico da energia nuclear como fonte geradora de eletricidade.

Desse período em diante, a velocidade e a amplitude impressa às atividades econômicas demonstrariam a chegada a um nível tão crescente de consumo dos recursos naturais que, pela primeira vez na história, o equilíbrio ecológico essencial para a vida humana poderia ser seriamente comprometido.

Em 1950, ao mesmo tempo em que dispara o número de hospitalizações em áreas com níveis concentrados de poluição, como Londres, são retomados os estudos iniciados por Svente Arrhenius, no final do século anterior, sobre o carbono e sua potencial ação sobre as mudanças climáticas e condições atmosféricas.
Na década seguinte, os relatos científicos revelam a perturbação dos ciclos biológicos nos estoques pesqueiros e nas áreas agrícolas da Escandinávia, em decorrência da formação de chuvas ácidas provocadas pela queima de carvão no parque industrial da Inglaterra.

Durante as décadas seguintes, enquanto principia e se intensifica o debate internacional sobre desenvolvimento e ambiente, a questão energética aparece no cenário mundial através de crises econômicas e políticas (embargo temporário do petróleo e aumento dos preços no mercado internacional) e de acidentes ambientais (vazamento de petróleo na área de concessão da Exxon no Alaska, falha no sistema de segurança da usina nuclear de Three Mile Island e emissão radiativa do reator de Chernobyl), com fortes repercussões na opinião pública, mobilizando setores públicos e acadêmicos na busca de tecnologias mais eficientes e seguras.

Dos vários acordos ambientais negociados, ao longo das décadas de 1980 e 1990, apenas um deles, o Tratado de Montreal (1987), obteve êxito relativo na substituição industrial dos gases clorofluorcarbonos (CFC) por outros compostos com menor potencial destrutivo sobre a camada de ozônio. A maioria das negociações ambientais relacionadas à energia ainda está a meio termo. A padronização dos critérios de segurança no transporte de petróleo e as diretrizes internacionais para construção de grandes hidrelétricas estão em debate e a Convenção sobre Segurança Nuclear, assim como o Protocolo de Kyoto, ainda aguarda a ratificação dos países signatários.

No âmbito brasileiro, o contexto de discussão abrange algumas características:

  • a forte preponderância da geração hidráulica no suprimento de eletricidade, cuja maior parte do potencial remanescente localiza-se na região de ecossistemas de elevada biodiversidade (região Amazônica) e sobre o qual ainda se detém pouco conhecimento científico;
  • a existência de um importante segmento industrial ergointensivo (siderurgia, metalurgia, papel, celulose), baseada no consumo de carvão vegetal;
  • consumo maçico de fontes combustíveis derivadas do petróleo;
  • declínio do programa institucional de aproveitamento do álcool combustível;
  • a má qualidade do carvão mineral brasileiro, com alto teor de enxofre e cinzas;
  • estímulo à diversificação da matriz com base na instalação de 49 termétricas, 42 delas movidas a gás natural e o restante a carvão vegetal.

Até a década de 1970, as grandes barragens e centrais hidrelétricas eram consideradas como ícone do desenvolvimento energético e desfrutavam da convicção de serem projetos de baixo impacto com possibilidade de agregar usos múltiplos (atenuação de cheias e abastecimento de água na região circunvizinha, habilitação de áreas para lazer e aquicultura), sem oferecer riscos ambientais como a emissão de poluentes.

As mudanças produzidas no ambiente construído se encarregariam de demonstrar conseqüências mais drásticas do que se poderia mensurar. O elevado nível de eutroficação (aumento de nutrientes na água resultante da decomposição orgânica submersa) associado ao descontrole do grau de assoreamento de rios represados favoreceram, em grande parte dos casos, a proliferação de determinadas espécies vegetais e animais (algas, mosquitos, parasitas), comprometendo o equilíbrio ecológico e a qualidade de vida no seu entorno.

É o caso de Tucuruí, a primeira grande barragem construída em floresta tropical, a 300 km ao sul de Belém do Pará. Idealizada para suprir energia ao Programa Grande Carajás de mineração e a projetos industriais (produção de alumínio), a barragem forçou o deslocamento de 40 mil pessoas e alterou o modo de vida da população, indígenas em sua maioria, que sofre com a má qualidade da água, o aumento de mosquitos transmissores de doenças e a redução dos cardumes de peixes, a base protéica da alimentação local.

Na maioria dos casos, a prioridade dada à geração de energia relegou ao esquecimento as ações complementares do projeto, como a criação de parques de recreação e áreas de aquicultura. A redução da qualidade de vida da população ribeirinha, os baixos valores de indenização paga aos moradores desapropriados ou o deslocamento compulsório para terras menos produtivas acarretaram um nível crescente de empobrecimento e êxodo rural.

Segundo dados do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), mais de um milhão de brasileiros foram deslocados devido à construção de barragens, sem haver um programa adequado de acompanhamento. Nesse total estão incluídas cerca de 30 mil famílias com processos de indenização ou realojamento ainda pendentes. A Comissão Mundial de Barragens (CMB) trabalha desde sua criação, em 1988, na revisão das vantagens técnicas e na elaboração de diretrizes internacionais para instalação de projetos na área hidrelétrica . Resultados de pesquisas recentes apontam um problema a ser considerado: a decomposição orgânica da biomassa submersa nos lagos das represas produzem dióxido de carbono (CO2) e metano (CH4) em quantidades similares às termelétricas, quando considerados períodos históricos relativamente pequenos (menos que 100 anos).

A crítica ambientalista ao plano de instalação de um parque termelétrico movido a gás natural, uma fonte considerada mais limpa que o petróleo, reside justamente no aumento da emissão nacional de óxidos de nitrogênio (NOx), resultantes do processo de queima, e de ozônio de baixa altitude (O3), formado pela reação fotoquímica do Nox à radiação solar. Além dos resíduos produzidas no processo de queima, a alta porcentagem de metano (CH4) contido no gás natural (90%) transforma as perdas potenciais (estimadas em 1% do total) na rede de transporte e distribuição em fontes com contribuição significativa para o aumento do efeito estufa, conforme veremos adiante.

Segundo Emílio La Rovere, pesquisador da UFRJ, a questão da energia e suas implicações ambientais e econômicas abarcam algumas conseqüências particularmente importantes:

  • desafio de conservar o ambiente exige uma tomada de consciência mundial, que torna-se extremamente complexa em vista da necessidade de uma ação coordenada em nível internacional;
  • planejamento energético não pode mais deixar de incorporar a dimensão ambiental, que tende a condicionar crescentemente as decisões sobre produção e uso de energia;
  • A contenção do consumo de energia deve principiar nos países industrializados, responsáveis por 84% do consumo global, com ampla política de conservação que promova o uso mais eficiente;

Caberá aos países em desenvolvimento, buscar um estilo de desenvolvimento menos intensivo em energia que, ao mesmo tempo, minimize os impactos ambientais e propicie condições de erradicar os males do subdesenvolvimento.

 

Fonte:

Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, Nosso Futuro Comum, 2. Ed., Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1991.

Emílio Lèvre La Rovere, A questão energética e o desenvolvimento sustentável, in: O Ambiente Inteiro, Tânia Maciel (org.), Rio de Janeiro, Editora UFRJ: 1991, pp: 197-227.

Gerardo Honty, Impactos Ambientales del Sector Energético en el Mercosur, CEUTA,

H. Cruz Castro & N. L. P. Fabrizy, Impactos ambientais de reservatórios e perspectivas de usos múltiplos, Revista Brasileira de Energia, v. 4, n. 1, 1995.

José Goldemberg, Relato, 1º Seminário do Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas

Liana John & Maura Campanili, Brasil pode "sujar" imagem de país limpo, Estado.com.br.

Maura Campanili, Comissão mundial analisa impactos das barragens, Socioambiental, Seção Parabólicas

P. P. Lima e Silva, Petróleo, Energia, Meio Ambiente


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