Sustentabilidade
Energética
Um
aspecto particularmente importante na economia mundial, a partir
da década de 1980, foi a re-introdução da filosofia
de livre comércio e auto-regulação da produção
pelo próprio mercado como eixo do processo de desenvolvimento,
em flagrante contraste com o que havia se verificado, na primeira
metade do século, quando a crença de que a simples
competição entre empresas estava desestruturando as
economias internas, dando origem a diversos planos centralizados
(Plano New Deal americano, estatização dos setores
brasileiros de petróleo e eletricidade) como meio de racionalizar
as atividades econômicas.
Na esteira da liberalização do mercado, o País
começou a experimentar, desde a década passada, um
processo abrangente de reformas na atuação do Estado
na economia, sob a égide de garantir competitividade e eficiência
do sistema produtivo com a inserção de recursos da
iniciativa privada. Os serviços de eletricidade, englobados
nesse processo, têm passado por transformações
na sua estrutura de organização (desverticalização
e privatização de segmentos, em particular na área
de distribuição) e nos seus mecanismos de regulação
e controle (criação da Agência Nacional de Energia
Elétrica, do Operador Nacional do Sistema e de um mercado
de ações de energia).
Como costuma acontecer nos grandes projetos reformistas, mudanças
de ordenamento e controle dentro de uma determinada área,
especialmente numa área fundamental como a da energia, tendem
a afetar, em maior ou maior grau, os interesses e as motivações
de todos diretamente envolvidos e de setores (políticos,
econômicos e institucionais) interrelacionados. Os desdobramentos
resultantes tanto podem ser a própria transformação
do projeto, com a emergência de interesses que dificultem
o processo ou induzam a alterações, como o desencadeamento
de outras mudanças, produzidas pelos novos interesses e novos
atores.
A transformação do setor, atualmente, abrange toda
a América Latina, que está imersa em um modelo de
desenvolvimento energético comum, baseado na integração
regional e na extensão do uso do gás natural, além
da inserção de companhias privadas em todas as áreas
da energia. A origem do fenômeno, nesse particular, está
vinculada às novas condições estabelecidas
pelos bancos mundiais de desenvolvimento, cujas bases, lançadas
pelo Banco Mundial em 1992, formaram a nova ordem mundial para a
energia: fomento ao investimento privado, orientação
comercial para as empresas, novos marcos regulatórios e integração
regional.
Contudo, as soluções dos problemas energéticos
dos países em desenvolvimento não podem ser buscadas
isoladamente ou entendidas fora do contexto econômico e social,
tendo em vista que muitas causas desses problemas estão ligadas
à própria natureza do subdesenvolvimento que não
se expressa unicamente por um Produto Interno Bruto (PIB) per capita
menor, mas por desequilíbrios estruturais de natureza distinta,
que não desaparecem automaticamente quando esse índice
aumenta.
Entre as características comuns dessas economias menos desenvolvidas,
talvez a mais importante e fundamental seja justamente a relação
de dependência com o exterior, através das áreas
financeira, tecnológica e cultural. De maneira geral, o próprio
modelo de industrialização adotado manifesta a dependência,
no qual as empresas multinacionais desempenham um papel preponderante
no mercado e nas próprias escolhas tecnológicas. Os
efeitos gerais são a limitação ou o próprio
esvaziamento de recursos econômicos nos setores produtivos
nacionais, através da transferência financeiras diretas
ou do consumo maciço de produtos importados.
Outro traço comum nesses países é a desarticulação
interna entre os diversos setores da economia (agricultura, indústria,
energia) e, dentro desses, entre as unidades com padrão produtivo
diferente. Nos casos extremos, o sistema produtivo está tão
imerso numa rede desorganizada de segmentos justapostos, que os
laços com o exterior são muito mais fortes do que
com as próprias unidades produtivas internas. Freqüentemente,
a ausência de interrelações econômicas
e tecnológicas conduz à formação de
vulnerabilidades, em particular, na agricultura e no nível
de urbanização que acaba aprofundando o distanciamento
entre o meio rural e as cidades e, internamente, entre os setores
mais e menos desenvolvidos. Bastante comuns também são
as desigualdades entre grupos sociais e regiões geográficas,
que compõem, mesmo dentro de áreas mais desenvolvidas,
circunstâncias persistentes de miséria, analfabetismo,
crescimento desordenado e níveis de consumo muito distintos.
Na maioria dos países em desenvolvimento, a má administração
dos ecossistemas ameaça a disponibilidade dos recursos naturais
(água, florestas, solos, jazidas), afetando a qualidade de
vida, algumas vezes de maneira irreversível.
Atualmente, as características do subdesenvolvimento estão
muito mais aparentes assim como está acentuada a diferença
em relação aos países industrializados. Há
dificuldades em estabelecer claramente os efeitos disso entre países
com estágios diferentes de subdesenvolvimento, mas a crise
afeta tanto países com status comercial privilegiado (detentores
de grandes reservas de petróleo, p. ex.) quanto nações
recém industrializadas ou menos avançadas. Em certa
medida, os países menos atingidos pela crise foram aqueles
que investiram um processo de desenvolvimento relativamente independente
do mercado mundial (caso da China, só recentemente aceita
na Organização Mundial do Comércio, em vista
das restrições impostas pelo país nas relações
de troca com o exterior). Em outros países, a forte influência
neoliberal da economia conduziu a severas perdas internas com rupturas
e depressões de setores inteiros do sistema produtivo.
A reversão do tipo de desenvolvimento adotado, mimetizado
das nações industrializadas e refletido nos padrões
de produção e consumo, nas escolhas tecnológicas
e nos modos de financiamento, envolve a busca de estratégias
autônomas e a tomada de decisões que não transponham
simplesmente para o futuro o mesmo conjunto de relações
existentes. Diminuir a relação de dependência,
basear a retomada do mercado na satisfação das necessidades
internas e criar condições de integração
entre os diversos setores são temas que ganham ênfase
particular na atualidade, quando emerge a discussão do critério
de sustentabilidade no processo de desenvolvimento.
Fonte:
Gerardo
Honty, Impactos
Ambientales del Sector Energético en el Mercosur, CEUTA
José Goldemberg, O
futuro energético desejado para o Brasil, Boletim Unicamp
- Artigos
Maria Teresa Indiani de Oliveira (trad.), A energia e o desenvolvimento.
Que desafios? Quais Métodos? Síntese e Conclusões.
Rio de Janeiro: Ed. Marco Zero, 1986
Ricardo Carneiro, A
atual crise energética brasileira: lições
não aprendidas ou incompetência governamental?
Centro Virtual de Estudos Políticos, Universidade Federal
de Minas Gerais
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