Entrevista: Poluição no Ar

Agosto/2001

Henrique de Melo Lisboa, engenheiro civil, professor doutor em Poluição Atmosférica do Departamento de Engenharia Sanitária (UFSC)

Os assuntos principais são poluição atmosférica e hidrologia

Desde quando o Sr. trabalha com poluição atmosférica?
Desde que terminei o mestrado, em 1986. Eu trabalho também com análise e tratamento de odores e compostos organicos-volatéis, os chamados COVs. Trabalho também com análise de material particulado, processos de tratamento e modelos de dispersão de poluentes atmosféricos. Em síntese, eu trabalho em todas as áreas de controle da poluição atmosférica. Agora, eu estou montando, com a Petrobrás, um laboratório de gestão da poluição atmosférica que está dividido em três segmentos. O laboratório de hidrometereologia, onde eu também trabalho também com questões hidrológicas, o que faz a ponte entre atmosfera e o ser humano. Os fenômenos hidrometereológicos são importantes na qualidade do ar assim como também na hidrologia. Depois, tem o laboratório de olftatometria para estudos de odores. Estamos montando também o laboratório para análise físico-química de compostos orgânicos-voláteis. Essa vai ser a minha estrutura analítica, a partir do segundo semestre de 2001.

Quais são os principais poluentes atmosféricos?
Noventa por cento da poluição é causado por material particulado, monóxido de carbono, óxidos de enxofre, os óxidos de nitrogênio e os hidrocarbonetos, que são os compostos orgânicos-voláteis. São os principais poluentes. Os demais são poluentes menores. 

Que resultados o Sr. tem de pesquisas anteriores? 
Eu já fiz alguns trabalhos de análises de chuvas ácidas, já orientei análises de dióxido de enxofre aqui em Florianópolis e de material particulado em vários lugares. O trabalho das chuvas ácidas foi desenvolvido há dez anos. Era uma pesquisa em Tubarão, na área da usina Jorge Lacerda, considerando a qualidade da água de chuva. A gente constatou a presença de acidez muito elevada. Dentro do parâmetro chuva ácida, há chuvas notoriamente ácidas na região próxima a Tubarão. Só, que nestes dez anos, o que aconteceu? Eu fiz um projeto para o Funcitec, ele foi aprovado há oito anos e nunca foi financiado. A Fatma nunca teve interesse nesse assunto. Na verdade, eu acho que a Fatma não sabe que eu existo. Nessa área, a Fatma não tem desenvolvido muita coisa, nos ignora e a gente nunca trabalhou em conjunto. No estado de Santa Catarina o que acontece é que o órgão que deveria monitorar, não monitora. Eu acho que muita coisa pode ser feita entre a Universidade e o órgão ambiental, mas a universidade não é procurada. Talvez falte também que nós os procuremos. O órgão ambiental parece que não precisa da nossa ajuda também. A gente tem feito pesquisas para empresas privadas. A Petrobrás será, a partir do próximo semestre, a principal empresa para a qual trabalharemos em associação. Ela me financia pesquisa, me financia bolsa, me financia laboratório, me financia equipamento.Me financia absolutamente tudo que não consigo em outros meios. Não consigo junto ao Funcitec, não consigo junto ao CNPq, não consigo junto à Agência Nacional de Petróleo, já submeti vários projetos. Eu tenho recebido notoriamente respostas negativas. É uma coisa engraçada porque a gente termina o doutorado, não tem competitividade por ter pouca produção, por isso não consegue verbas. Isto vira um ciclo vicioso. A área da poluição atmosférica é também pouco procurada. Quer dizer, as empresas fogem desse negócio, os órgãos ambientais não se interessam. A oportunidade que aparece é uma empresa privada, que tem interesse no assunto, vem e banca um projeto de R$ 500 mil. 

E no que a Petrobrás está interessada?
Eles estão interessados na parte de odores e na parte de emissão dos chamados compostos orgânicos-voláteis na atmosfera, ligados à refinaria de petróleo. A emissão de sub-produtos de petróleo na atmosfera são vapores orgânicos. Estes tem seus problemas, maiores ou menores, em relação à saúde e à qualidade de vida. As metodologias de análise dos COVs são muito específicas, muito difíceis de serem aplicadas e muito caras. Não é qualquer empresa que se interessa por isso. Tem que ser uma grande empresa para fazer isso tipo de proposta. Em contrapartida, devo me submeto a certas condições. Por exemplo, não posso prestar serviço ou realizar pesquisas para qualquer empresa, especialmente concorrentes, o que eu acho natural porque eles estão financiando a pesquisa. Entretanto, terei muitos graus de liberdade sobre o que vou fazer. 

Liberdade vigiada, professor?
É, acaba sendo, mas eu acho que eles tem razão, eles estão me dando R$ 500 mil para montar três laboratórios. Efetivamente, eles poderiam montar esse laboratório no Rio de Janeiro. Estão montando aqui porque aqui tem gente que sabe efetivamente fazer as coisas. Não estão montando em nenhuma outra área do Brasil porque essa proposta quem fez fomos nós. Mais difícil que o equipamento é o conhecimento técnico nessa área. Se eles estão fazendo aqui é porque confiam no nosso conhecimento técnico. (.) No caso da Petrobrás, quando você faz o refino do petróleo, você tem emissões na atmosfera. É disso que vou tratar. Só que quando você queima o combustível, você também tem emissão na atmosfera. Esse é um outro aspecto que eu também pretendo abordar. A medição de certos poluentes na atmosfera é bastante complexa, tanto é complexa que quase não se faz. Medições de produtos provenientes da má combustão do petróleo ou da gasolina, não são feitas de maneira trivial.

Os poluentes surgem da combustão incompleta. E se ela fosse completa?
Na verdade, da combustão completa, por exemplo, de um hidrocarboneto, você teria como resultado, além da liberação de energia, a liberação de dióxido de carbono (CO2), um gás que é componente da atmosfera, e água. Se ela fosse completa, todo carbono seria transformado em CO2 e todos os hidrogênios pertencentes às cadeias orgânicas seriam oxidados em água. Como isso, de fato, não ocorre, você tem emissões de outros produtos mal queimados ou não queimados: vários monóxidos de carbono, vários óxidos de nitrogênio, você tem muitos vapores não queimados, que são exatamente os vapores da gasolina ou combustível. Então, você tem vários componentes que ficam vagando na atmosfera. Eles são fotoativos, ou seja, eles reagem com o sol e causam outros subprodutos. No final das contas, você tem atmosferas carregadas, por exemplo, em tolueno, atmosferas carregadas em benzeno, e uma série de produtos que são tóxicos, cancerígenos, e que se encontram em concentrações muito pequenas, mas estão presentes nas atmosferas urbanas. Qual é a estimativa? No Brasil, não se sabe. Porque não se mede. Eu estou montando um laboratório para isso. Eu vou poder medir isso.

O Sr. pretende fazer pesquisa de campo? Medindo a concentração em diferentes lugares para fazer análise comparativa: no centro, próximo da praia, por exemplo?
Posso fazer. Você tá tomando banho de sol na praia de Canasvieiras, por exemplo, e é notório o cheiro de óleo Diesel. Por quê? Porque tem vinte caras andando na tua frente de jet sky. Inclusive, na praia, você tá sentindo o cheiro de combustível. Você está percebendo os tais compostos orgânicos que estão volatilizados no ar. Medir isso é possível? É possível. É fácil? Não, não é. Não é trivial. No momento quem está se interessando nisso é a Petrobrás. Eles tem interesse em conhecer as emissões, no mínimo, das refinarias. Em Santa Catarina se queima carvão mineral para produção energética. Você me pergunta: se faz amostragem? Fazem. São as amostragem ideais? Eu diria que não são. Quem faz? A própria empresa. Quer dizer, a própria empresa se fiscaliza, o que é muito bom. Mas onde fica o órgão ambiental?

Tem diferença na poluição produzida pelo carvão mineral em relação àquela do carvão vegetal?
Tem. O carvão mineral joga muito mais óxido de enxofre, que produz chuva ácida. Isso é certo. Tanto é que na região Sul se nota isso e, em parte, eu atribuo ao carvão que joga, com certeza, metais pesados, como mercúrio e cromo na atmosfera. Metais que estão presentes no carvão e que, ao serem vaporizados, passam pelos equipamentos de controle da empresa e saem junto com as cinzas ou em forma de pequenas partículas que são jogadas no ambiente. Estão medindo? Pergunta prá Fatma, não pergunta prá mim! A empresa que faz o controle é a própria empresa que emite. Isso tá errado? Eu digo que é obrigação da empresa monitorar, mas seria obrigação de uma outra empresa, idônea. eu não diria que a Gerasul não é idônea, só que falta uma outra empresa que fizesse essa auditoria independente, não confiasse cegamente nas medições daquela que gera. Fazer isso é aquela velha idéia de pôr o bode para cuidar da horta. Você vai ter que confiar muito no bode prá ele não comer a tua alface. Acho que não convém, mesmo que o bode seja sério. Hoje, no estado de Santa Catarina, o órgão que deveria fiscalizar a qualidade do ar, não fiscaliza. O órgão que deveria financiar a pesquisa, não financia. A população não é informada sobre a qualidade do ar porque todo mundo acha que poluição atmosférica só existe em São Paulo ou em cidades maiores, o que não é verdade. A população tá mal informada, então ela não reclama. Se ela reclamar, vai reclamar prá quem? Na verdade, existe um círculo vicioso de falta de informação, pesquisa e trabalhos na área de qualidade do ar que faz com que a pessoa leiga acabe se desmotivando e até mesmo não reclamando. Hoje, é muito mais fácil obter recursos para pesquisa sobre lixo, água ou gestão, ou qualquer outra parte ambiental, do que pesquisas ligadas à qualidade do ar. As empresas tem até medo que se fale no assunto porque se ninguém cobra delas hoje. se chega alguém com equipamento prá medir, elas vão ter receio.

Mas existe tecnologia para conter a poluição. Por que tanto medo?
Porque essa tecnologia é cara e elas tem receio do desconhecido. São relativamente conhecidas as técnicas de tratamento de água e de resíduos outros. Agora, técnicas de controle de poluição atmosférica são mais desconhecidas. É mais difícil encontrar pessoas especializadas no assunto. Por outro lado, os investimentos são muito grandes, a manutenção é enorme. se puder fugir, você foge. Você vai a empresas, até empresas muito sérias, que tem até as tais ISO 9.000, ISO 14.000, mas se você for rigoroso nas análises, você vai verificar que o ponto fraco continua sendo a parte de emissões atmosféricas. Já que ninguém controla, já que ninguém mede, já que ninguém fiscaliza, por que eu vou me incomodar com isso? Então, eu só ponho no papel. O papel é branco e aceita tudo. A quem tá analisando, compete aceitar ou não.

Nas suas pesquisas sobre chuvas ácida em Tubarão, o Sr. chegou a medir a degradação do ambiente?
Eu fiz só a medição da chuva, não cheguei a fazer um projeto amplo, mas os efeitos já são mundialmente conhecidos. A acidificação da água, do solo e, como conseqüência disso, a destruição do equilíbrio ecológico, a morte de plantas, a diminuição da produtividade na lavoura e da qualidade das águas que ficam inadequadas para o consumo humano. 

Dá prá dizer como está a qualidade do ar em Florianópolis?
Eu não sei responder porque ninguém mediu. Eu já analisei qualidade da água de chuva aqui, no Campus, há dez anos atrás. Já medi dióxido de enxofre no Terminal Rita Maria e os resultados foram interessantes. Agora, fora disso, eu não medi porque não tenho equipamentos, não tenho equipe e também não tem ninguém que esteja interessado nisso. 

Mas, na época, que o Sr. coletou informação sobre a chuva no Campus. Tinha indicação de acidez?
Tinha. Levemente ácida. 

E a medição lá no Terminal Rita Maria?
Teve presença boa de óxido de enxofre. Agora, a nível geral, já que não se mede, não se pode responder. Qualquer um que diga que Florianópolis não tem poluição do ar, está mentindo. Se disser o contrário, também está mentindo. Como ninguém mede, eu me calo, não afirmo nada. Agora, podemos fazer conjecturas. Como é uma ilha, como é um local que não tem muita indústria, há um certo nível de ventilação. a princípio, pode-se inferir que a qualidade seja boa. É diferente de Jonville, que é um vale, de Blumenau, que não tem a brisa do mar influenciando a toda hora, não tem o oceano como fator de equilíbrio climático. Lá, a coisa pode estar mais complicada. Tem muito mais indústria poluidora do que aqui. É uma conjectura porque não há medição efetiva. Eu acho que Santa Catarina deveria ter rede de postos de medição da qualidade do ar, pelo menos, em Blumenau, Joinville, Criciúma e Tubarão e, talvez como ponto de referência, Florianópolis. Pelo menos, um conjunto de estações monitoradas pelo Estado e pelo órgão ambiental do Estado, que tivesse pessoal e equipamento prá isso, que pudessem dizer que a qualidade do ar está boa ou está pior. O local onde se mede é o Morro da Fumaça, que tem uma estação de medição. Eu já vi alguns resultados e os resultados que eu vi me deixaram alarmado.

Por quê?
Porque, aparentemente, deve ser um dos locais mais poluídos do mundo. Só olhando um parâmetro: material particulado, ou seja, poeira jogada na atmosfera. Analisando esse caso: são 80 olarias queimando madeira, carvão e outros combustíveis, prováveis, para produzir tijolos dentro da zona urbana. Você tem 200 olarias no município! Em síntese, lá se mediu porque houve um certo alarmismo na população. Agora, eu acho que falta prá Santa Catarina, um órgão ambiental equipado, com pessoas, que haja o interesse político da sociedade e do Estado para fortalecer o órgão ambiental nessa área, contratando e formando profissionais de boa qualidade e medindo. Isso tudo custa dinheiro, é uma decisão política. Talvez, politicamente, seja interessante ter um órgão ambiental que sirva de fachada.

O Sr. estava falando sobre a alternativa das termoelétricas.
Então, toda vez que se tem uma fonte energética, se pode ter uma poluição atmosférica. Em Santa Catarina, está se falando em termoelétrica a carvão e termoelétrica a gás. Eu não conheço os projetos, mas eu acho muito estranho no mundo de hoje, nas condições que a gente tem de fornecimento de gás, querer propor uma termoelétrica a carvão mineral. Em outros países do mundo, como a França, já se chegou à conclusão que o impacto ambiental é tão grande que não compensa usar essas reservas. Está se deixando para as gerações futuras ver se será realmente rentável utilizar. No momento atual até um país como a França, que tem poucos recursos energéticos, está deixando os recursos de carvão mineral enterrados. 

O problema ainda é a falta de tecnologia para lidar com isso.
Exato. Em Santa Catarina, se fala da questão social. Eu me pergunto: será que realmente, em nível ambiental, se justifica manter 15.000 empregos e sacrificar 4 milhões de habitantes do Estado, fora os estados vizinhos? Eu me pergunto se tem alternativa. e tem.

O Sr. vê, como alternativa, o gás. Mas ele emite metano.
Exato, mas se for bem queimado, os resíduos são menores. Bem queimado, o gás vai gerar monóxido de carbono e água. Por outro lado, o gás natural não é puro. Essas impurezas vão gerar resíduos, isso é verdade. Mas tudo isso pode ser resolvido. É mais fácil resolver isso do que resolver a poluição gerada pela queima do carvão mineral ou do óleo. Então, dá prá ter fontes energéticas menos poluidoras do ar. A energia hidrelétrica, nesse sentido, é bem interessante porque ela não polui o ar.

Qual é a proposta que o Sr. está pesquisando sobre o aproveitamento da água de chuva?
É um procedimento para reter temporiamente essa água e evitar que ela vá para o rio. É a chamada medida compensatória no controle de enchentes. Você evita a sobrecarga nos rios. A proposta é aproveitar a área impermeável para reservar, ou seja, coletar essa água e utilizar para outros fins, inclusive, sem necessidade de usar nenhum bombeamento, usando só a gravidade. Você lava calçada, irriga jardim com uma qualidade maior do que a água tratada porque jardim não gosta de cloro. A água que você recebe na torneira é tratada, clorada e vem de longe. É um absurdo você pegar uma água dessa qualidade prá jogar, por exemplo, numa descarga, prá lavar uma calçada ou mesmo molhar o jardim. Essa água tem que ter um destino mais nobre. Claro, isso é um assunto interessante porque o Brasil está se ressentindo da falta de água. Nós jogamos fora uma quantidade absurda de água, por mês. Como cálculo, bem vagabundo, cada residência de Florianópolis poderia aproveitar, pelo menos, 10 metros cúbicos de água por mês só pegando a água de chuva que escorre pelos telhados. Claro, eu não estou falando que a gente vai ter um reservatório de dez mil litros em casa, mas é possível usar até 10 mil. Você poderia nem pagar a taxa mínima da Casan, usando só a água da chuva, com dispositivos baratos.

 

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