|
Herivelto
de Souza Bronzeado, engenheiro eletricista, com mestrado
em Sistemas de Potência pela University of Aberdeen
(Escócia), trabalha na Divisão de Estudos da
Operação Elétrica da Companhia Hidro
Elétrica do São Francisco (Chesf), em Recife.
É coordenador do Comitê de Estudos 36 (Compatibilidade
Eletromagnética e Qualidade da Energia Elétrica
em Sistemas de Potência) da Cigré-Brasil,
membro do SC 36 (Electromagnetic Compatibility) e do Working
Group WG 36.07 (Power Quality Indices and Objectives) da CIGRÉ
Internacional (instituição não governamental,
com sede na França). Também é associado
ao IEEE - Institute of Electrical and Electornics Engineers
na seção Power Engineering e Industrial Aplications
Societies.
O
assunto principal é indicadores de qualidade da energia
elétrica
|
O
que é energia de boa qualidade? Normalmente, o consumidor
final associa a falta de qualidade à falta de energia…
Para o consumidor residencial, o que ele tem em mente como baixa
qualidade da energia elétrica é realmente a falta
de energia. Desde que essa falta não seja muito demorada,
não haverá grandes aborrecimentos ou mesmo perdas
econômicas por parte do consumidor. Se faltar tensão
em sua casa durante três minutos, em princípio, não
tem problema nenhum. Se faltar durante três horas, passa a
ser diferente. Para o consumidor industrial, no entanto, se faltar
energia durante meio segundo, a fábrica pára e o processo
industrial tem que ser reiniciado, o que causa grandes prejuízos
financeiros. Suponha que o processo seja a fabricação
de tecido: a interrupção momentânea de tensão
pode partir os fios do tecido. Para reiniciar o processo, será
preciso emendar todos os fios que se partiram, e isso leva um certo
tempo, com perda de produção. Se fosse um processo
de estamparia, por exemplo, o tecido seria refugado uma vez que
a estampa ficaria fora dos padrões. Nos processos de laminação
de aço, quando as máquinas param, os operários
têm que "desentupir" o laminador, cortando o varões
de aço com maçaricos, além de manipulá-los
sob altas temperaturas, etc. Existe uma perda econômica enorme
com isso. Nós poderíamos genericamente dizer que a
energia de boa qualidade é aquela que é capaz de manter
os processos operando normalmente. É o uso adequado e seguro
da energia, sem afetar o meio ambiente e o bem estar das pessoas.
Imagine se faltar tensão durante dez minutos em um banco,
onde grandes transações financeiras estão sendo
feitas… É um prejuízo enorme!
Esses
todos são custos associados à má qualidade
da energia…
De certa forma sim, embora não se tenha ainda um consenso
do que seja realmente a qualidade da energia elétrica. Tecnicamente,
não se pode dizer se a qualidade da energia elétrica
é boa ou má…
Mas
quando ela é ruim, a gente sabe…
Sim. De uma forma geral, a qualidade da energia elétrica
seria ruim quando se começa a ter problemas na operação
dos equipamentos elétricos e/ou dos processos, o que normalmente
não deveria acontecer. Por exemplo, você tem um equipamento
projetado para operar com uma certa velocidade, mas, devido ao valor
ou à forma de onda da tensão fornecida, ele não
consegue atingir a velocidade desejável, então nós
dizemos que a energia fornecida é de má qualidade.
Observe também que o aparelho pode não funcionar por
ele não ser adequado para aquele sistema elétrico,
como no caso de equipamentos importados, cuja tensão e freqüência
são normalmente diferentes da nossa.
Quais
são os problemas mais freqüentes ou mais graves? O Sr.
falou sobre o problema da falta de aterramento…
A falta de aterramento, embora possa afetar de várias maneiras
a qualidade da energia elétrica fornecida, é um problema
de segurança. Pela norma brasileira, que foi revista há
pouco tempo, toda a residência deveria ter um bom sistema
de aterramento e um equipamento que detecta se há "vazamentos"
de corrente. Todos os aparelhos eletro-domésticos de uma
residência, tais como computadores, chuveiros elétricos,
geladeiras, etc., devem ter aterramento. Só assim o usuário
ficará protegido de uma possível falha no isolamento
desses aparelhos. Toda instalação elétrica
deve ter o seu aterramento, no mínimo tem que ter os três
fios: um fase, um neutro e um terra. Muitas vezes, o que vemos é
a inutilização terceiro pino (terra) em alguns "plugs"
porque não encaixa na tomada, que tem somente dois buracos.
Daí a necessidade de se utilizar erroneamente um adaptador
para "casar" o "plug" com a tomada. Esse adaptador
desconecta o terceiro pino (terra), retirando o aterramento do aparelho.
Isso é um absurdo, não deveria ser feito de jeito
nenhum. Eu diria que a pessoa que faz uma instalação
dessa forma, sem o aterramento, deve ser responsabilizada no caso
de acontecer algum acidente. A falta de aterramento pode fazer também
com que alguns aparelhos não possam operar adequadamente.
Neste contexto, pode afetar a qualidade. A falta de qualidade é
a incapacidade de fazer com os equipamentos e os processos industriais
façam a sua função.
O
Sr. também falou das lâmpadas fluorescentes compactas,
dizendo que elas são "um mal necessário"…
Atualmente estamos numa crise de energia e precisamos economizar.
Como a lâmpada incandescente produz cerca de 80% de calor
e 20% de iluminação, você vê que a eficiência
luminosa dela não é boa. A não ser que ela
seja utilizada para chocar ovos... o que precisa de um ambiente
aquecido. (risos) A lâmpada fluorescente compacta, que é
uma lâmpada fria, ilumina mas não aquece muito, embora
a iluminação seja de boa qualidade. No entanto, a
melhor iluminação é a luz do sol. Quem se aproxima
mais da luz do sol? A lâmpada incandescente.
Por
isso é mais recomendada para ambientes de saúde…
É, e também para ambientes onde você quer realçar
a cor real das coisas.… Entenda-se por cor real a cor vista
à luz do sol. Então você usa lâmpadas
de cores mais quentes. A questão de a lâmpada fluorescente
compacta ser um mal necessário… Primeiro, é necessário
por causa da economia de energia, que precisamos fazer. Porque eu
sou contra a aplicação dessas lâmpadas em larga
escala? Não hoje, por causa do racionamento… Porque
ela distorce a tensão do sistema. Ela é um elemento
"poluente" para o sistema elétrico. Imagine o sistema
como se fosse um rio, essa lâmpada seria comparada ao esgoto
que joga dejetos no rio. Ela polui o sistema elétrico porque
a forma de onda de sua corrente não é senoidal. A
proliferação do uso dessa lâmpada faz com que
a forma de onda da tensão fique distorcida, deixando de ser
senoidal. E como os equipamentos são normalmente feitos para
operar com uma onda de tensão senoidal, neste caso eles passam
a operar com uma tensão para a qual não foram projetados.
Isso pode gerar certos problemas, pode aquecer mais o equipamento,
e portanto gerar perdas, que é o não queremos, os
motores podem ficar vibrando, etc.… Tecnicamente dizemos que
essas lâmpadas são fontes de correntes harmônicas.
Essa
interferência acontece mais em nível local, próxima
às áreas de uso dessas lâmpadas?
Os problemas podem ocorrer local ou remotamente. Depende dos parâmetros
do sistema elétrico. Podemos explicar da seguinte forma:
a corrente dessa lâmpada é fornecida pelo gerador,
que geralmente está muito distante da lâmpada. Quando
você liga a lâmpada, a corrente flui do gerador até
a lâmpada através do sistema elétrico. Como
essa corrente é distorcida, durante a sua "viagem"
ela causa uma queda de tensão que distorce a forma de onda
de tensão por onde passa. Dessa forma, o consumidor que ligar
seus aparelhos nessa tensão poderá ter problemas,
se a tensão tiver muito distorcida.
Isso
tem a ver com o fator de potência dessas lâmpadas, principalmente
as compactas, que alguns técnicos dizem que é melhor
escolher lâmpadas com fator de potência igual a um?
Não. O fator de potência indica a relação
entre a energia que não realiza trabalho e energia disponível
para ser utilizada. Para visualizar melhor o que é o fator
de potência, imaginemos a espuma nem um copo de chope. A espuma
não é "consumida", embora você pague
por ela. Se tiver muita espuma você sai perdendo. O melhor
seria se o seu copo só tivesse o líquido (cerveja).
No caso do sistema elétrico, a "espuma" é
a energia que não produz trabalho, mas que produz perdas.
O fator de potência mede a quantidade de "espuma"
existente no sistema. O melhor seria que ela não existisse.
É importante ressaltar que o fator de potência foi
definido para sistemas elétricos com formas de onda senoidais.
Hoje as formas de onda são deformadas devido às cargas
que demandam correntes distorcidas, como é o caso das lâmpadas
fluorescente compactas. Os aparelhos de televisão, computadores,
impressoras, etc, também "puxam" correntes distorcidas.
Dessa forma, em princípio, o fator de potência não
deveria ser utilizado nos sistemas elétricos com formas de
onda distorcidas. No entanto, continuamos aplicando o conceito do
fator de potência mesmo nos sistemas "distorcidos".
Atualmente existe muita gente pesquisando no sentido de conceituar
um novo fator de potência.
O
Sr. falou que a qualidade da energia é muito importante para
o consumidor industrial. No entanto, temos várias indústrias
que também são muito intensivas no uso da energia,
como as siderúrgicas, que puxam uma carga muito grande do
sistema…
As grandes indústrias eletro-intensivas, tais como aquelas
utilizam grandes retificadores de potência para produzir cloro-soda,
as indústrias siderúrgicas que derretem sucatas para
fazer o aço, etc., demandam correntes altamente distorcidas
e variáveis que, quando fluem pelas linhas de transmissão,
podem causar certos distúrbios no sistema elétrico.
É preciso controlar esses distúrbios para que os outros
consumidores possam usar seus equipamentos sem problemas. Geralmente,
as concessionárias realizam estudos e medições
dos níveis desses distúrbios. Podemos até comparar
com a poluição. Caso o nível da "poluição"
(distúrbios) no sistema elétrico esteja acima de determinado
limite, torna-se necessário instalar equipamentos para "filtrar"
essa "poluição". A lâmpada fluorescente
compacta, por exemplo, é um elemento "poluente".
A operação do forno a arco da indústria siderúrgica
faz a tensão do sistema variar intermitentemente, causando
cintilação nas lâmpadas elétricas. Veja,
não é uma "piscada", ela fica cintilando
permanentemente, como uma estrela.
No
Brasil, ainda não existem indicadores de qualidade. O Sr.
disse que as coisas estão sendo feitas e que é preciso
um "freio de arrumação". O que se pode falar
da qualidade atual do sistema elétrico? Com a implantação
do modelo desverticalizado, com mercado aberto de energia, a qualidade
vai melhorar?
O termo "freio de arrumação" significa dizer
que temos que começar a aplicar certos critérios e
indicadores de qualidade da energia elétrica, mesmo que eles
sejam provisórios, de forma a dar uma "arrumação"
no setor. Isso faz com que o setor comece a se preparar para o futuro.
Temos que investir muito em medições e preparar pessoal
técnico para fazer as análises, pois só assim
podemos discutir os fenômenos associados à qualidade
da energia elétrica que ocorrem no sistema elétrico.
Quanto ao mercado, em princípio, ele independe da qualidade
da energia.
O
mercado de energia não tenderia a aguçar a competitividade
e melhorar a qualidade dos serviços?
Pelo modelo atual, não, embora eu ache que sim, deveria melhorar.
Se você está vendendo um produto, em princípio
você deve ser responsável pela qualidade dele. Se a
energia for uma "mercadoria", o que eu tenho dúvidas…
Eu ainda não "incorporei" a idéia de que
a energia elétrica é um "produto". É
importante deixar claro o que é se chama de "qualidade"
dos serviços. Hoje temos fundamentalmente os Indicadores
de Continuidade definidos pela Resolução 24/2001 da
ANEEL, que medem a "qualidade" do serviço com respeito
às interrupções do fornecimento de energia.
Existem também alguns indicadores para caracterizar o desempenho
de sistema que fazem parte dos módulos dos Procedimentos
de Rede, mas que ainda não foram homologados pela ANEEL,
estando os mesmos para serem disponibilizados para audiência
pública em breve. É bom lembrar que esses indicadores
ainda estão em fase de discussão, e precisam ser melhor
definidos. Tenho participado ativamente das discussões sobre
o assunto nos grupos de trabalho, tanto no Brasil como no exterior.
Atualmente estão sendo realizadas campanhas de medição
no sistema elétrico no sentido de se obter subsídios
para definir esses indicadores.
Aqueles
indicadores de continuidade que vêm na fatura de luz - DIC,
FIC - são parâmetros de qualidade?
Sim, você disse certo: são "parâmetros"
indicadores da qualidade da energia fornecida. De fato são
"Indicadores de Continuidade", definidos pela ANEEL na
Resolução 24. A definição desse indicador
tem uma história que me deixa lisonjeado e mostra que a ANEEL
têm trabalhado de uma forma democrática e com seriedade.
Pude constatar isto quando fiz uma sugestão, a qual foi aceita
por aquele órgão, que mudasse o nome do "Indicador
de Qualidade" para "Indicador de Continuidade" na
Resolução 24, a qual estava em audiência pública.
A minha solicitação foi no sentido de deixar "reservado"
o termo indicador de qualidade para ser usado no futuro como
um indicador que pudesse incluir todos os parâmetros possíveis
para caracterizar a "qualidade" da energia elétrica.
Ou seja, poderíamos associar o indicador de continuidade
a um determinado peso, a satisfação do consumidor
a outro peso e assim por diante. Cada parâmetro/indicador
teria um peso proporcional ao seu valor agregado. Desta forma, comporíamos
um indicador geral único que definisse convenientemente a
"qualidade" da energia suprida.
No
seu conceito de qualidade, o Sr. inclui também alguma coisa
de meio ambiente…
O conceito "importado" de qualidade da energia elétrica
leva em conta somente os problemas com os equipamentos elétricos
ou com a produção. No entanto, é extremamente
importante levarmos em conta o homem e ambiente onde ele trabalha,
bem como os possíveis efeitos dos campos elétricos
e magnéticos nos seres vivos. Por exemplo, quando você
sente variações intermitentes no sistema de iluminação
de uma sala de escritório, ou seja, sente cintilações
nas lâmpadas, as pessoas que ali trabalham estão sendo
afetadas com desconforto visual, chegando a sentirem dor de cabeça
ou se irritarem. Quanto aos efeitos dos campos eletromagnéticos
na saúde dos seres vivos, ainda não se tem comprovação
da existência deles. No entanto, muita gente só vê
o lado do efeito maléfico, pois dá mais "ibope"…
E tem gente utilizando isto para se promover! Na última Bienal
da CIGRÉ, em Paris, perguntei ao médico que estava
fazendo uma apresentação sobre o assunto: um paciente
"morre" momentaneamente em uma mesa de operação
tenta-se ressuscitá-lo através de um choque elétrico.
Poderíamos, portanto, dizer que o choque elétrico
é benéfico para a saúde? (risos) Existe muita
pesquisa sobre o assunto sem, contudo, ser conclusiva. Aqui na UFSC,
o Prof. Adroaldo Raizer tem estudado esse assunto. No exterior muito
dinheiro tem sido investido em investigações há
mais de vinte anos. O que a gente precisa fazer aqui no Brasil é
"pegar uma carona" com os países que estão
investindo nisso, acompanhar de perto, participar como ouvinte,
se possível, de forma que possamos concluir alguma coisa.
Falando
sobre pesquisa: o Sr. disse que nós não podemos ser
"diodo" e deixar as coisas acontecerem num só sentido…
Essa afirmação diz respeito à globalização…
De uma maneira geral, a globalização mostra-se em
um só sentido, funcionando como um diodo, que é um
componente elétrico que conduz corrente num só sentido:
os países ricos e desenvolvidos fazem as coisas e os países
pobres, como o nosso, compram. Temos que criar uma mão dupla
no processo. Como fazer isto? Na minha opinião, só
sairemos do "buraco" se nós investirmos em pesquisas
e desenvolvimento de produtos, os quais seriam aplicados na melhoria
da qualidade de vida do nosso povo. A lei que criou a obrigação
das empresas concessionárias de energia investirem 1% do
seu faturamento anual em pesquisa e desenvolvimento (P&D) veio
em boa hora. Foi essencial e extremamente importante para o Brasil.
Acho que isso vai melhorar rapidamente o desenvolvimento do nosso
país. A Chesf, empresa onde trabalho, está começando
o seu primeiro programa de P&D este ano. Espera-se resultados
bastante promissores. No futuro próximo, quando o processo
estiver "azeitado", com as universidades e centros de
pesquisa interagindo muito mais com as empresas do setor, acontecerá
uma verdadeira "revolução industrial".
Quem
vai cobrir os custos com melhorias da qualidade?
No fim, quem paga a conta sempre é o consumidor ou o contribuinte.
O preço final do produto de qualquer indústria que
queira sobreviver deve cobrir os custos. Ou ela cobre os custos
ou tem que bater na porta do governo para ser subsidiada. É
bom ter em mente, no entanto, que o investimento que se aplica para
melhorar a qualidade pode ser revertido em aumento e/ou redução
de custo de produção, com ganhos para os consumidores.
O mesmo acontece no que se diz respeito a projetos de pesquisa e
desenvolvimento. Ou seja, se os custos de processos forem reduzidos
devido às pesquisas, este ganho deve ser repassado para os
consumidores. Do mesmo jeito que o consumidor paga quando se gasta,
as empresas devem retornar os ganhos para seus consumidores quando
estes ocorrem. Nos países desenvolvidos, isso já é
feito. É preciso que isso ocorra também no Brasil.
Existem
estimativas das perdas causadas pela má qualidade da energia?
No passado, a Eletrobrás fez alguns trabalhos sobre custos
sociais de interrupção. Estes custos são muito
difíceis de mensurar. Depende da metodologia utilizada. Já
os custos industriais tornam-se menos difícil de apurar uma
vez que se pode dispor do custo associado à produção,
materiais, mão-de-obra, horas-extras, etc… No Brasil,
isso já foi pesquisado em São Paulo e já tem
alguns números. Chegou-se a um custo médio de US$0,9,
US$1,7 e US$5,3 por kW-hora interrompido para consumidores residencial,
comercial e industrial, respectivamente (In: C. N. H. Magalhães
e outros, "Custo da Interrupção do Fornecimento
de Energia Elétrica", IV SBQEE, Porto Alegre, agosto
de 2001). É claro que para ter esses valores foram assumidas
certas premissas. Nos Estados Unidos, a maior economia do mundo,
estima-se um custo entre U$ 120 e 160 bilhões por ano só
com interrupções do fornecimento de energia. Com relação
à "power quality", o que corresponde a "conformidade
da tensão" aqui no Brasil, o custo é de U$ 15
a 24 bilhões anuais. Na África do Sul, os custos são
de U$ 500 milhões anuais. No Brasil, talvez a gente pudesse
estimar um custo na faixa de U$3 bilhões anuais. Para ter
uma avaliação melhor precisamos pesquisar ou levantar
esse custo. O Comitê de Estudos 36 da CIGRÉ-Brasil,
que coordeno, tem interesse em enfrentar esse desafio. Não
será uma tarefa fácil!
Quais
são os custos para as empresas concessionárias quando
ocorrem interrupções do fornecimento de energia elétrica?
Um dos custos envolvidos é fundamentalmente o custo da energia
não fornecida. É importante ressaltar que, na recomposição
do sistema elétrico, ou mesmo durante os curtos-circuitos
causadores da interrupção, pode ocorrer sobrecarga
nos aparelhos elétricos dos consumidores que, em geral, não
estão protegidos para tal. Esta sobrecarga pode danificar
esses aparelhos e as concessionárias de energia elétrica,
principalmente as distribuidoras, são geralmente responsabilizadas
pelos danos. Isto acarreta custos adicionais. Com a consciência
cada vez maior da cidadania e dos direitos dos consumidores, estes
custos tendem a crescer. É importante mencionar, no entanto,
que as empresas distribuidoras de energia, por não terem
um sistema de medição de grandezas elétricas
adequado, têm sido responsabilizadas por fenômenos e
indenizações que poderiam não ser de sua responsabilidade.
O
Sr. fala que a questão é a participação,
o esforço conjunto entre os participantes do sistema para
montar essa estrutura de qualidade de energia. Qual seria o papel
de cada um desses participantes?
Bem, o sistema geração-transmissão-distribuição-consumo
de energia elétrica é um sistema completamente interligado,
onde um distúrbio em um ponto qualquer do sistema pode repercutir
em outros pontos. Ou seja, estamos todos no mesmo barco. Um curto-circuito
no sistema elétrico do seu vizinho lhe perturba e pode até
causar uma interrupção de energia em uma grande área.
Daí a necessidade de cada consumidor ter o seu sistema dentro
de certos requisitos compatíveis com o sistema da concessionária
e participar conjuntamente das ações para melhoria
da qualidade da energia elétrica. A responsabilidade pela
qualidade da energia elétrica é compartilhada por
todos. No condomínio "sistema elétrico",
se um dos "condôminos" não cumprir com o
seu dever, o resultado na "qualidade" da energia elétrica
será sentida por todos. É importante ressaltar que
a qualidade da energia elétrica depende essencialmente da
sensibilidade da carga do consumidor. Há necessidade urgente
de definir novos indicadores de qualidade da energia elétrica,
de forma que as concessionárias e consumidores possam aplicá-los
nos seus contratos. E isto já começou, com o Indicador
de Continuidade, cuja responsabilidade é da empresa de distribuição,
que está lá junto do consumidor final. O Operador
Nacional do Sistema Elétrico (ONS), pelas normas atuais,
tem a responsabilidade da qualidade da tensão no sistema
de transmissão com tensão maior ou igual a 230kV (Rede
Básica). No modelo atual, as empresas transmissoras têm
o papel de disponibilizar os equipamentos para que o ONS possa operar.
Como
estão esses estudos dos indicadores de qualidade? Vai sair
alguma proposta formal?
O ONS coordena um grupo de estudos que vem discutindo este assunto
desde 1999. Os indicadores propostos pelo grupo estão nos
Procedimentos de Rede, documento que constitui a "bíblia"
do setor elétrico brasileiro. Os Procedimentos de Rede são,
conforme se diz, um "documento vivo" e podem sofrer revisões
temporárias, desde que justificadas. O documento será
disponibilizado em breve para o público, que também
poderá fazer as sugestões que achar necessário.
A
atual crise de energia é um problema grave de qualidade?
Não, mas pode comprometer os níveis de qualidade da
energia elétrica desejados. Para se operar um sistema com
pouca água, é preciso tirar geradores de operação
de forma a equilibrar a geração com o consumo de energia.
No entanto, no momento que se retira geradores o sistema fica mais
fraco. É como se voltasse no tempo. Não é fácil
operar um sistema que cresceu e agora tem geração
e carga reduzidas. É como se um adulto tivesse que usar as
suas roupas de adolescente. É bom lembrar que esta crise
não é só nossa. Nos Estados Unidos, a Califórnia,
um dos estados mais rico dos USA, também está em crise
de energia. Se é que isso nos consola! É sinal de
que nós precisamos repensar o modelo… É preciso
discutir mais.
Repensar
o quê, em que sentido?
Como engenheiro, quando eu faço um modelo, eu estudo o fenômeno,
desenvolvo um modelo que possa simular o fenômeno, faço
as simulações, valido o modelo, ou seja, verifico
se os resultados estão condizentes ou razoavelmente próximos
com o que eu acho que deva ser, e só depois disso é
que eu começo a aplicar o modelo em larga escala. O que está
acontecendo com o setor elétrico é que estamos aplicando
e testando o modelo ao mesmo tempo. Ainda não se tem uma
compreensão clara do papel que cada um dos agentes deve ter
nesse novo modelo. Ou seja, o modelo ainda não está
incorporado pelos diversos agentes. Muita coisa precisa ser ainda
discutida ou definida. As discussões que ocorreram não
foram suficientes. Por outro lado, não se pode passar a vida
toda discutindo. Tem que existir um momento onde se deve parar e
começar a "fazer acontecer". O difícil é
saber qual é esse momento!
Informações relacionadas à entrevista neste
site:
Para
navegar:
|