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Gilberto
Montibeller Filho, economista, professor doutor em Ciência
Política, coordenador do NUDER (Núcleo de Economia
Ambiental e Desenvolvimento Regional) e chefe do Departamento
de Economia da UFSC.
Os assuntos principais são economia e desenvolvimento
sustentável.
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Dá
para medir desenvolvimento pelo crescimento econômico, ou
seja, pelo PIB (Produto Interno Bruto)?
O que é que o PIB representa? Isoladamente, ele representa
o crescimento econômico, mas isso é diferente do conceito
de desenvolvimento. Então, na verdade, nós trabalhamos
com dois conceitos de desenvolvimento hoje: o conceito de desenvolvimento
econômico e o conceito de desenvolvimento sustentável.
O conceito de sustentável surgiu para se contrapor mesmo
à idéia de desenvolvimento econômico. O desenvolvimento
econômico é o crescimento do PIB, pressupondo que hajam
mudanças na estrutura da economia, porque senão seria
apenas crescimento econômico. O simples crescimento do PIB
é o crescimento econômico, mas também associado
à transformações da economia e da sociedade,
principalmente na estrutura da distribuição de renda.
Pressupõe-se que isso seja o desenvolvimento econômico.
E
qual seria a economia do desenvolvimento sustentável?
Bom, o desenvolvimento sustentável se contrapõe à
idéia de desenvolvimento econômico porque, justamente,
ele agrega a idéia do ambiental, que não está
presente no desenvolvimento econômico. Então, a gente
poderia exemplificar assim: o desenvolvimento sustentável
busca a eficiência econômica, mas, ao mesmo tempo, a
eficiência social e ecológica; um tripé de coisas
que devem caminhar juntas. A diferença básica, nesse
caso, é que o desenvolvimento sustentável considera
o aspecto ambiental, que antes não estava presente na idéia
de desenvolvimento econômico. Então, você pode
até perguntar: "bom, mas antes existia desenvolvimento
econômico?". Também não. Se a gente for
avaliar o que aconteceu com muitos países, como por exemplo
o Brasil, vai ver o que? Aconteceu um crescimento econômico,
durante boa parte do tempo, e não um desenvolvimento econômico.
Apesar de o desenvolvimento econômico ser quase uma utopia,
vamos chamar assim, ele foi muito usado como bandeira da política
econômica, mas na verdade nunca foi atingido, porque houve
um crescimento da economia, com transformações na
economia, mas com um resultado social muito pouco abrangente.
Então,
qualquer conceito de desenvolvimento tem que incluir a distribuição
de renda.
O conceito de desenvolvimento tem a ver com a distribuição
de renda. Inclusive nós aqui, trabalhamos com a seguinte
idéia: "para que haja desenvolvimento econômico,
tem que ter crescimento do PIB e mais a melhoria da distribuição
de renda; e, para que haja desenvolvimento sustentável, tem
que ter crescimento do PIB, mais a melhoria da distribuição
de renda e mais a melhoria ambiental. A idéia do desenvolvimento
sustentável tem essas três dimensões.
Isso
envolve uma mudança radical porque, atualmente, a economia
é toda voltada para o mercado.
E é um mercado de consumo de massa. Na verdade, é
um mercado de consumo de massa e consumista porque o consumo é
bastante estimulado. Muitos que trabalham para a idéia de
desenvolvimento sustentável partem do seguinte premissa:
tem que haver a mudança no padrão de consumo porque
sustentar o padrão de consumo e expandir esse padrão
é uma idéia utópica. O consumo americano, por
exemplo, se alastrar pelo mundo inteiro… isso é uma
idéia que não tem sustentação nem empírica...
Não
há recursos...
É, é uma idéia que não faz sentido porque
um é rico à custa do outro também. Se um País
tem aquele grau de padrão de vida, muito disso se deve porque
ele explora recursos dos outros. O economista Celso Furtado trabalhou
muito essa idéia e sustentou a tese de que é impossível
pensar que esse padrão de consumo possa ser estendido a todas
as sociedades, ou seja, o desenvolvimento econômico é
um mito, mesmo o desenvolvimento econômico, não o sustentável,
se for equivalente à melhoria do padrão de consumo
até os níveis do padrão europeu, por exemplo.
Como
é que está o desenvolvimento sustentável no
País? Na prática, a organização da Agenda
21 ainda está muito confusa…
É, é isso. Eu vejo assim: a experiência mostra
que, em algumas coisas muito localizadas, essa idéia tem
sentido porque você sabe que toda a energia utilizada parte
de premissas diferentes da economia. A energia parte não
de pensar em preços, mas sim pensar na quantidade física
de energia, de materiais que usa para produzir e depois o resultado
final o que é que dá? Se dá mais energia do
que aquela que consumiu, ou seja, existe uma eficiência energética.
Então, qual é a quantidade de energia para produzir
e, lá no final, qual é a quantidade de energia que
resulta? É o conceito de eficiência energética.
Por exemplo, a produção do milho usa todo um processo
de input (insumos) que é altamente energético. Consome
muita energia e lá adiante produz o milho. Esse milho é
capaz de sustentar o porco, esse porco sustenta a gente e, ao final,
dá um volume calórico tal, que também é
energia. Bom, o mesmo porco produzido com outras tecnologias vai
consumir menos energia e vai, afinal, resultar no mesmo nível
calórico que aquele outro. Você vê que há
um consumo energético diferente aí.
O
Sr. está falando da relação de produto gerado
e do consumo de energia…
Da forma de ver da economia ecológica, que é diferente
da economia de mercado. Porque para a economia de mercado o que
vale é o preço. Então, do ponto de vista do
mercado, aquela produção americana é mais eficiente.
O ideal é que o preço do milho, no final, consiga
concorrer com qualquer milho de qualquer lugar do mundo, não
é isso? E o preço do milho americano, pela produtividade
que atinge com essa forma de produzir, é muito eficiente.
Agora, do ponto de vista da economia energética, não.
O
Sr. tem essa análise de custo de dólar produzido por
uso de energia?
Não precisa ir muito longe. Por exemplo, você sabe
muito bem que, com a ALCA, existe o milho produzido ali do México,
na região de Chiapas, que é o milho produzido com
a técnica mais tradicional. Ou seja, é quase um ano
trabalhando, plantando, coisa e tal. Ele tem uma eficiência
energética muito boa, muito alta. O milho dos Estados Unidos
é ao contrário e, no entanto, esse milho americano
concorre no mundo todo e, se deixar aberto o mercado, vai acabar
com a produção em Chiapas porque o preço com
que ele chega lá é muito mais baixo do que o da produção
local. Então, o mecanismo de mercado, normalmente, acaba
favorecendo aquela produção, pelo fato de trabalhar
com os preços e não com a eficiência energética...
Num certo momento se viu como se fosse uma coisa impossível
associar a ecologia com a economia: "não é possível,
a economia é contra a ecologia". Até um certo
momento, no final dos anos 1970, era visto muito assim: economia
versus ecologia. Têm trabalhos importantes sobre isso.
Ou
se desenvolve ou preserva o ambiente.
É, e as leis da economia são outras, elas não
são as leis da natureza. A lei da economia, basicamente,
o que é? É obter um minuto superior ao juro. Então,
a produção é levada a ser cada vez mais rápida,
mais eficiente. Enquanto as leis da natureza tem um ciclo próprio,
tem que deixar crescer normalmente, tem que produzir respeitando
o ciclo da natureza. Bom, a economia só vai ser ecológica
se ela começar a respeitar os ciclos naturais. A economia
hoje, por exemplo, pega uma área que produz uma vez ao ano,
mas consegue forçar a natureza e produzir duas vezes ou três
vezes ao ano, com uso de defensivos e fertilizantes e adubo e tudo
isso... Você vê a reprodução de terneiros...
Já vi uma vaca com sete terneiros. Isso tudo, na verdade,
são artifícios para a melhoria da produtividade.
Mas
essa necessidade de produzir mais é artificial… Algumas
vezes se joga fora os grãos para regular o preço...
Sim. A economia funciona assim nas lei de mercado. Isso é
verdade. Mas no meio da produção da eco-agropecuária,
que seria a produção ecológica, de repente
há mais perdas ainda porque não quer usar defensivos
na produção, não se quer usar conservantes,
não se quer usar nada e a perda pode ser mais da metade do
que se produziu. Com esse padrão de perda, a gente não
pode mexer muito.
Como
é que se contabiliza os serviços da natureza, como
a regulação do clima? Eu lembro de ter visto alguma
coisa que alguém calculou em três trilhões anuais
de dólares os serviços como chuva, regimes de ventos...
É, têm cálculos desse tipo. Eles são
importantes para demonstrar quando há uma perda maior que
um ganho, por exemplo, destruindo determinada área. Vamos
supor o cálculo sobre a região Amazônica. Se
a Floresta Amazônica desaparecer, quais são os prejuízos?
Bem, é um prejuízo para o clima, aumentam os problemas
em relação à produção, a atmosfera
piora, isso gera doenças, essas doenças levam mais
gente para o hospital, esse hospital vai gastar mais… Então
os cálculos chegam aos custos dessas perdas para, ao final,
avaliar e dizer o seguinte: "bom, então vale a pena
preservar". A idéia de dar um valor monetário
é poder dizer o seguinte: "pelo valor monetário,
é melhor preservar do que destruir". Essa idéia
é que está por trás, não é que
alguém vai pagar por essa floresta. A idéia é
dizer para o mercado que há benefícios, que é
mais interessante conservar a área. É a idéia
de custo e benefício. Porque a economia trabalha muito com
isso. Então, você prega, através desses cálculos,
que é mais interessante deixar a floresta ali, do jeito que
ela está, do que destruir para produzir outra coisa.
Os
custos ambientais já estão sendo internalizados pelas
empresas?
Bom, nessa área tem posições diferentes. As
empresas fazem isso, às vezes, até o mercado faz esse
estilo, como trabalho até de marketing: a empresa preserva
e diz que preserva porque tem um segmento de mercado que valoriza
isso. Aqui, no Brasil, isso ainda não está muito difundido,
mas em muitas partes do mundo está.
Tem
muitas empresas buscando a certificação ISO 14000…
É. Pois é. Às vezes, a ISO 14000 é mais
discurso de marketing do que a visão efetiva. Então
tem muito sobre isso no Brasil. Mas se tem mercados garantidos,
através das chamadas redes mundiais, para o produto produzido
sobre o aspecto ecologicamente correto, ambientalmente correto,
tudo correto… Já tem um mercado garantido na Europa,
por exemplo. Porque isso? Apesar de custar mais caro, o pessoal
está se sujeitando a pagar mais por isso. Então, é
um mercado. A meu ver, muito marginal, nunca vai ser um mercado
grande. O grande mercado vai ser aquele que produz mais barato sempre
porque é a tendência natural do homem, do consumidor…
Podemos dizer principalmente do consumidor de renda mais baixa:
ele procura aquilo que é mais interessante do ponto de vista
econômico. Eu trabalho com a idéia de meio ambiente,
acho que tem algum avanço, mas acho que no futuro distante
vão ter duas formas de consumidor: aquele que vai consumir
o produto produzido de forma ecológica, muito caro, portanto
essa pessoa vai pagar mais pela opção com que acha
que está consumindo o melhor; e o outro consumo do produto
mais barato, produzido de outra forma. Você vê a produção
por satélite… Há uma produção que,
por via satélite, controla toda a área de cultivo,
uma área imensa; então se aqui tem pouco fertilizante,
joga fertilizante… Isso vai resultar numa produtividade tão
diferente da produtividade ecológica que vai ter um preço
muito diferente. Algo assim: você vai pagar 20 centavos o
quilo da batata tradicional e o da ecológica vai valer dez
reais. Então, é só uma classe de consumidor
que vai preferir pagar dez reais… (…) Do ponto de vista
macro, você fala assim: "ah, está havendo um processo
de absorção ou internalização do problema
ambiental". Um modo é esse, através desse estilo
de mercado. O mercado estimula a empresa a agir assim, produzindo
de forma mais ecológica; uma outra forma é o governo,
a atuação do governo na medida em que, através
da legislação ambiental, impõe restrições
sobre as empresas. Então, você tem de um lado o estilo
de mercado, do outro lado uma pressão governamental em cima
da empresas para que elas mudem. São essas duas linhas basicamente
que existem hoje. A economia, antes não pensava em economia
ambiental, simplesmente projetava grandes complexos industriais.
Hoje em dia não é assim, a primeira coisa que tem
que saber é o seguinte: "o que é que diz a legislação
sobre isso? será que isso pode ser pensado? Ou há
uma legislação ambiental que simplesmente já
impede e pronto"?
Nesse
momento, uma das preocupações dos ambientalistas,
é justamente que o Brasil, primeiro, tenha uma legislação
ambiental relativamente avançada, ainda que não consiga
cumprir boa parte dela; e segundo, que nesse momento de crise, se
force para afrouxar essa legislação, justamente para
expandir a oferta de energia.
Existe um estudo muito interessante que mostra o seguinte: à
medida que os países vão avançando do ponto
de vista econômico, eles vão sendo cada vez menos eficientes
do ponto de vista energético. Depois, eles continuam avançando
em termos econômicos e começam a ser mais eficiente
em termos energéticos. O gráfico disso forma uma montanha.
Esse sistema energético seria o que? O PIB em relação
ao consumo de energia, o quanto que se produz em relação
ao quanto que se gastou de energia. Ou seja, um país vai
até um certo ponto, tendo um crescimento dessa relação,
quer dizer, um consumo muito forte de energia em relação
ao que é produzido; depois ele começa a abaixar, começa
a ser muito mais eficiente do ponto de vista energético.
O País tem que imaginar fazer um túnel nessa montanha,
para não chegar nesses picos de consumo de energia. Essa
é a idéia que está por trás disso. Agora,
historicamente, todos os países que foram crescendo fizeram
isso: primeiro tiveram uma eficiência energeticamente fraca,
depois foram melhorando lá adiante.
Isso
lembra o desempenho produtivo do Japão e dos Estados Unidos
na década de 80. Os Estados Unidos aumentou a produção,
mas teve aumento do consumo de energia e o Japão manteve
a produção com o mesmo consumo.
O Japão diminuiu muito. A eficiência energética
foi sendo cada vez mais elevada no Japão, quer dizer, a produção
cresceu com menos consumo de energia. O que acontece no Japão,
basicamente, é que ele é um país complicado
do ponto de vista da produção de energia…
Depende da energia nuclear…
É, então eles começaram com a política
de passar para outros países aqueles setores que eram muito
gastadores de energia. O Japão começou a estimular,
por exemplo que, no Brasil, se instalassem as grandes áreas
de produção de alumínio. Eles consomem muito
alumínio.
E
esta indústria é muito intensiva no uso de energia…
Muito intensiva. Tudo que era muito intensivo no consumo de energia,
eles deixaram para outros países, como o Brasil, que é
um grande fornecedor de alumínio para o Japão. Então
alguns países fizeram isso: entraram mais no chamado setor
terciário, que é menos consumidor de energia, porque
não produz bens físicos, digamos assim. Produz bens
abstratos: serviços de informática, telecomunicações,
bancos...
Na
verdade, então, o Japão reduziu o consumo transferindo
o problema para outro país de terceiro mundo.
Exatamente, é isso. Claro que outras medidas internas foram
tomadas, mas uma das formas importantes foi essa: "nós
não vamos produzir aqui dentro mais nada que consuma muita
energia, vamos passar isso para outros países".
No
exemplo que o senhor citou, a indústria do alumínio,
o consumo de energia é um absurdo…
Quase 70% do valor do alumínio é custo de energia…
ou mais do que isso. (…) Às vezes, quando se fala em
consumo energético no Brasil, tem muita gente que diz assim:
"mas, no Brasil, isso não é um problema ambiental
tão grande porque é uma produção hidrelétrica,
ela é renovável porque é produzida pela água
que faz as turbinas se movimentarem e pronto". Então,
qual é o problema?" A produção da energia
elétrica por hidrelétricas é muito impactante
do ponto de vista ambiental. Ela acaba com uma área muito
grande, tem uma mudança muito forte sobre a condição
ambiental naquela região, ela consome por um tempo indefinido
aquela área que fica debaixo da água e que poderia,
eventualmente, ser uma área agrícola. Então,
há um produção potencial nunca mais realizada
ali.
E
como fica, então, o desenvolvimento sustentável?
Pois é, toda essa busca do desenvolvimento sustentável,
quando vai num nível local é mais forte de ser trabalhado
do que pegar um país como um todo. Isso até porque
o chamado desenvolvimento sustentável abrange o social, o
econômico e o ambiental, não estamos tratando só
do ambiental. Então, às vezes, até o desenvolvimento
local, na verdade, acontece porque se está exportando o problema
para outro, não é? Você tira dali e transfere
para outro. Por exemplo, a indústria Hering de Blumenau.
Ela produz camiseta, coloca dentro de uma caixa e vende isso para
Brasília, vamos supor. Bom, em tese, eles deveriam cuidar
dessa caixa, que vai para o lixo de Brasília e fica lá.
Então, uma política sustentável deveria considerar
a produção até o final.
O
Sr. está falando aí da análise do ciclo de
vida do produto. O projeto já deveria considerar o descarte.
Do ponto de vista local parece que está tudo muito certo,
mas na verdade você transferiu o problema para outro. Então,
hoje tem o conceito, que acho muito interessante: o conceito de
espaço sócio-ambiental, que é diferente de
espaço econômico e diferente de espaço geográfico.
Então, vamos supor, Blumenau. A cidade teria que cuidar não
só do seu problema ambiental dali, mas saber onde é
que ela tem relações também, onde se abastece
de recursos, como é a produção do algodão,
como é que ficam as condições ecológicas
e sociais lá onde se produz o algodão... Então,
Blumenau não tem nada a ver com isso? Se considerar o conceito
de espaço sócio-ambiental, teria que dizer: "bom,
lá tem problema, então não está resolvido
o problema de Blumenau". Isso pode também extrapolar
para os países também. Ah, um país está
muito bem do ponto de vista ambiental… Vamos supor que fosse…
A exportação de lixo é muito grande, para vários
países do mundo, inclusive lixo tóxico. Bem, a situação
da Alemanha, de um ponto de vista local, é aparentemente
boa, mas está criando problema para outros... (…) Está
se jogando o problema para baixo do tapete. Tem uma expressão,
usada por alguns autores dessa linha da economia ecológica:
"nimby". O que significa algo como: "no meu quintal,
não". Você pode jogar o lixo onde quiser, desde
que não jogue no meu quintal. Então fica tudo assim.
No meu quintal não, joga para o outro, joga para o vizinho.
A minha tese, que eu defendi há pouco tempo, foi de que o
desenvolvimento sustentável, em escala global, é um
mito, é inatingível. Essa idéia de desenvolvimento
sustentável é um novo paradigma, se contrapondo ao
antigo desenvolvimento econômico... Então, aparentemente,
parece que aqui está a solução de problemas.
Pode ser que localmente alguma coisa melhore, mas se pensar de um
ponto de vista mais abrangente, mais geral, na humanidade, como
um todo, não tem como. É um mito. Como também
o desenvolvimento econômico é um mito.
Na
verdade, cada comunidade, cada grupo social tem que assumir a responsabilidade
pelo seu próprio desenvolvimento.
É que você vê: o desenvolvimento sustentável
é um paradigma novo. "Ah, que bom se fosse assim, que
bom que se se atingisse isso, e mais isso e mais aquilo…".
Agora, como fazer isso depende da análise de cada situação.
Aliás, a solução da maior parte dos problemas
ambientais, do ponto de vista econômico, envolve a comunidade,
porque, de outra forma, isso não se viabiliza economicamente.
Do ponto de vista do mercado, esse problema não vai se resolver
assim, ele só vai ser resolvido se a comunidade participar.
Por exemplo, a viabilização do lixo reciclável:
ele só se viabiliza se tiver a participação
da comunidade separando o lixo, fazendo o trabalho de forma barata,
não consumindo energia, a não ser energia humana,
porque, caso contrário, não compensa. Por que? Porque
lá adiante, o catador vai ter que vender esse papel a um
preço muito barato. Na verdade, ele ganha um tostão
por mês. Outro dia, eu vi uma catadora de papel numa reportagem.
Ela dizia que fazia aquele serviço para ajudar o marido.
Aí o repórter perguntou quanto é que ela ganhava
no final. Em torno de 30 reais, ao mês. Então, na verdade,
é a viabilização econômica originada
pela exploração da mão-de-obra barata que faz
esse tipo de trabalho, a seleção de materiais, ou,
às vezes é feita na própria casa, mas é
uma participação caseira. (…) Mas você
vê que a economia só viabiliza o processo de reciclagem
se houver participação comunitária, fazendo
trabalhos ou subsidiando. Subsidiando o recolhimento de lixo orgânico
ou de lixo reciclável. O mercado sozinho não resolve.
Então tem o custo social, é o custo social de fazer
isso.
Falando
de trabalho… O que é que o crescimento dessa preocupação
ambiental vai mudar na relação de trabalho?
Olha só… Se você pensar nos processos de produção
ecológica, eles geralmente exigem muita participação
da mão-de-obra. Em geral, é assim, ele é muito
mais exigente de mão-de-obra do que qualquer outra produção.
A forma que tem se encontrado de organizar isso tudo para ter um
reflexo social é a forma cooperativada. Não é
mais a forma empresa. Agora, a cooperativa aparece como um elemento
essencial para buscar não só a produção,
mas também a distribuição da produção.
E a gente vê em Santa Catarina alguns casos assim. Por exemplo,
a produção de mariscos aqui na costa catarinense.
São
produtores independentes que se associam.
São, em alguns casos. E, em outros casos, já tem uma
empresa. Não tem muitos estudos sobre isso, mas algumas coisas
já existem. Então, nos casos em que a família
ou uma forma de cooperativa explora aquilo, você tem um resultado
social, e no outro caso é a família ou as pessoas
trabalhando para uma empresa individual, que já é
um outro resultado social. Então, não é assim
simplesmente... Você tem que associar a forma de produzir
com a forma que está organizado o trabalhador para produzir
aquilo. Há um potencial para mexer nas relações
de produção desde que você considere todas as
dimensões ao mesmo tempo. Não é só produzir
ecologicamente mais eficientemente… Esse ecologicamente mais
eficiente também está associado ao desenvolvimento
sustentável, que é garantir o ambiental, mas também
o social, não é isso? Há um potencial de atuar
sobre as relações de produção, agora
não sob a forma como tem sido sempre, da empresa que produz.
Se tem um empresa que faz, por que gastar mais tempo com isso? (…)
Um grande empresário gaúcho, do setor de autopeças,
tem uma área muito grande na região de Garopaba onde
está preparando uma área de produção
altamente ecológica. Vai produzir adubo orgânico, aproveitar
tudo o que é da região, por exemplo as sobras de restaurante…
Enfim, ele faria tudo sob essa ótica, do ponto de vista altamente
lucrativo. Vai lá ver o quanto que ele paga para os trabalhadores
que estão trabalhando lá… Tem 10 ou 12 trabalhadores
braçais, metade deles analfabetos, que ficam trabalhando
12 horas por dia… Então, você vê como, nesse
exemplo, o lado ecológico está sendo considerado para
tirar lucro... A parte do resultado humano é zero, ele está
reproduzindo o esquema de produção capitalista do
jeito que sempre foi. Então, se não mexer nas relações
de produção, não adianta pensar do ponto de
vista só ecológico.
O
que é a política eco-eco (economia ecológica)?
A idéia da política eco-eco é buscar eficiência
energética e melhor utilização de recursos
naturais. São as duas grandes linhas da política eco-eco:
de um lado o problema dos recursos naturais, principalmente os que
não são renováveis, ter um controle melhor
sobre eles; e de outro lado, justamente, essa parte energética.
A busca da eficiência energética pressupõe que
você consiga uma produtividade boa, porque nós não
estamos nem interessados na economia não produtiva. Isso
está fora de propósito, hoje. Seria o que alguns chamam
de economia de Gandhi porque ele montou um sistema de produção
com tear manual que, ao final de uma jornada de trabalho, rendia
tão pouco que não era capaz de cobrir o valor da força
de trabalho. Quer dizer, não dava para a pessoa se sustentar.
Então não se pode pensar numa economia de Gandhi,
tem que ser uma economia produtiva, tem que diminuir o consumo energético
e, no entanto, ter uma boa produtividade. Esse é o ponto.
O
senhor acha que algumas empresas vão começar a se
preocupar mais em atender o mercado local em vez de expandir, conforme
a idéia do Schumacher: "Small is beautiful"?
Eu particularmente não tenho a visão de que o pequeno
é tão mais interessante que o grande. Eu não
acho que há uma diferença fundamental entre uma coisa
e outra; talvez o grande possa se organizar melhor, apesar de que
a ecologia trabalha sempre com a idéia de que quanto maior
a concentração espacial, pior. Alguns contestam essa
idéia, mas acho que o controle ambiental, às vezes,
é melhor quando você faz uma coisa maior e mais organizada.
Em suma, o "small is beautiful" depende de como
ele é organizado: se ele for organizado sob a forma como
sempre foi, da forma capitalista, para obter o lucro em cima da
ecologia… O resultado é apenas um lucro maior em cima
da ecologia, quer dizer, é uma visão capitalista da
natureza, novamente. Então não é só
por ser pequeno que é bom. Se for pequeno e organizado, se
puder associar as duas coisas, é o ideal.
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