Entrevista: A Economia do Desenvolvimento

Dezembro/2001

Gilberto Montibeller Filho, economista, professor doutor em Ciência Política, coordenador do NUDER (Núcleo de Economia Ambiental e Desenvolvimento Regional) e chefe do Departamento de Economia da UFSC.

Os assuntos principais são economia e desenvolvimento sustentável.

Dá para medir desenvolvimento pelo crescimento econômico, ou seja, pelo PIB (Produto Interno Bruto)?
O que é que o PIB representa? Isoladamente, ele representa o crescimento econômico, mas isso é diferente do conceito de desenvolvimento. Então, na verdade, nós trabalhamos com dois conceitos de desenvolvimento hoje: o conceito de desenvolvimento econômico e o conceito de desenvolvimento sustentável. O conceito de sustentável surgiu para se contrapor mesmo à idéia de desenvolvimento econômico. O desenvolvimento econômico é o crescimento do PIB, pressupondo que hajam mudanças na estrutura da economia, porque senão seria apenas crescimento econômico. O simples crescimento do PIB é o crescimento econômico, mas também associado à transformações da economia e da sociedade, principalmente na estrutura da distribuição de renda. Pressupõe-se que isso seja o desenvolvimento econômico.

E qual seria a economia do desenvolvimento sustentável?
Bom, o desenvolvimento sustentável se contrapõe à idéia de desenvolvimento econômico porque, justamente, ele agrega a idéia do ambiental, que não está presente no desenvolvimento econômico. Então, a gente poderia exemplificar assim: o desenvolvimento sustentável busca a eficiência econômica, mas, ao mesmo tempo, a eficiência social e ecológica; um tripé de coisas que devem caminhar juntas. A diferença básica, nesse caso, é que o desenvolvimento sustentável considera o aspecto ambiental, que antes não estava presente na idéia de desenvolvimento econômico. Então, você pode até perguntar: "bom, mas antes existia desenvolvimento econômico?". Também não. Se a gente for avaliar o que aconteceu com muitos países, como por exemplo o Brasil, vai ver o que? Aconteceu um crescimento econômico, durante boa parte do tempo, e não um desenvolvimento econômico. Apesar de o desenvolvimento econômico ser quase uma utopia, vamos chamar assim, ele foi muito usado como bandeira da política econômica, mas na verdade nunca foi atingido, porque houve um crescimento da economia, com transformações na economia, mas com um resultado social muito pouco abrangente.

Então, qualquer conceito de desenvolvimento tem que incluir a distribuição de renda.
O conceito de desenvolvimento tem a ver com a distribuição de renda. Inclusive nós aqui, trabalhamos com a seguinte idéia: "para que haja desenvolvimento econômico, tem que ter crescimento do PIB e mais a melhoria da distribuição de renda; e, para que haja desenvolvimento sustentável, tem que ter crescimento do PIB, mais a melhoria da distribuição de renda e mais a melhoria ambiental. A idéia do desenvolvimento sustentável tem essas três dimensões.

Isso envolve uma mudança radical porque, atualmente, a economia é toda voltada para o mercado.
E é um mercado de consumo de massa. Na verdade, é um mercado de consumo de massa e consumista porque o consumo é bastante estimulado. Muitos que trabalham para a idéia de desenvolvimento sustentável partem do seguinte premissa: tem que haver a mudança no padrão de consumo porque sustentar o padrão de consumo e expandir esse padrão é uma idéia utópica. O consumo americano, por exemplo, se alastrar pelo mundo inteiro… isso é uma idéia que não tem sustentação nem empírica...

Não há recursos...
É, é uma idéia que não faz sentido porque um é rico à custa do outro também. Se um País tem aquele grau de padrão de vida, muito disso se deve porque ele explora recursos dos outros. O economista Celso Furtado trabalhou muito essa idéia e sustentou a tese de que é impossível pensar que esse padrão de consumo possa ser estendido a todas as sociedades, ou seja, o desenvolvimento econômico é um mito, mesmo o desenvolvimento econômico, não o sustentável, se for equivalente à melhoria do padrão de consumo até os níveis do padrão europeu, por exemplo.

Como é que está o desenvolvimento sustentável no País? Na prática, a organização da Agenda 21 ainda está muito confusa…
É, é isso. Eu vejo assim: a experiência mostra que, em algumas coisas muito localizadas, essa idéia tem sentido porque você sabe que toda a energia utilizada parte de premissas diferentes da economia. A energia parte não de pensar em preços, mas sim pensar na quantidade física de energia, de materiais que usa para produzir e depois o resultado final o que é que dá? Se dá mais energia do que aquela que consumiu, ou seja, existe uma eficiência energética. Então, qual é a quantidade de energia para produzir e, lá no final, qual é a quantidade de energia que resulta? É o conceito de eficiência energética. Por exemplo, a produção do milho usa todo um processo de input (insumos) que é altamente energético. Consome muita energia e lá adiante produz o milho. Esse milho é capaz de sustentar o porco, esse porco sustenta a gente e, ao final, dá um volume calórico tal, que também é energia. Bom, o mesmo porco produzido com outras tecnologias vai consumir menos energia e vai, afinal, resultar no mesmo nível calórico que aquele outro. Você vê que há um consumo energético diferente aí.

O Sr. está falando da relação de produto gerado e do consumo de energia…
Da forma de ver da economia ecológica, que é diferente da economia de mercado. Porque para a economia de mercado o que vale é o preço. Então, do ponto de vista do mercado, aquela produção americana é mais eficiente. O ideal é que o preço do milho, no final, consiga concorrer com qualquer milho de qualquer lugar do mundo, não é isso? E o preço do milho americano, pela produtividade que atinge com essa forma de produzir, é muito eficiente. Agora, do ponto de vista da economia energética, não.

O Sr. tem essa análise de custo de dólar produzido por uso de energia?
Não precisa ir muito longe. Por exemplo, você sabe muito bem que, com a ALCA, existe o milho produzido ali do México, na região de Chiapas, que é o milho produzido com a técnica mais tradicional. Ou seja, é quase um ano trabalhando, plantando, coisa e tal. Ele tem uma eficiência energética muito boa, muito alta. O milho dos Estados Unidos é ao contrário e, no entanto, esse milho americano concorre no mundo todo e, se deixar aberto o mercado, vai acabar com a produção em Chiapas porque o preço com que ele chega lá é muito mais baixo do que o da produção local. Então, o mecanismo de mercado, normalmente, acaba favorecendo aquela produção, pelo fato de trabalhar com os preços e não com a eficiência energética... Num certo momento se viu como se fosse uma coisa impossível associar a ecologia com a economia: "não é possível, a economia é contra a ecologia". Até um certo momento, no final dos anos 1970, era visto muito assim: economia versus ecologia. Têm trabalhos importantes sobre isso.

Ou se desenvolve ou preserva o ambiente.
É, e as leis da economia são outras, elas não são as leis da natureza. A lei da economia, basicamente, o que é? É obter um minuto superior ao juro. Então, a produção é levada a ser cada vez mais rápida, mais eficiente. Enquanto as leis da natureza tem um ciclo próprio, tem que deixar crescer normalmente, tem que produzir respeitando o ciclo da natureza. Bom, a economia só vai ser ecológica se ela começar a respeitar os ciclos naturais. A economia hoje, por exemplo, pega uma área que produz uma vez ao ano, mas consegue forçar a natureza e produzir duas vezes ou três vezes ao ano, com uso de defensivos e fertilizantes e adubo e tudo isso... Você vê a reprodução de terneiros... Já vi uma vaca com sete terneiros. Isso tudo, na verdade, são artifícios para a melhoria da produtividade.

Mas essa necessidade de produzir mais é artificial… Algumas vezes se joga fora os grãos para regular o preço...
Sim. A economia funciona assim nas lei de mercado. Isso é verdade. Mas no meio da produção da eco-agropecuária, que seria a produção ecológica, de repente há mais perdas ainda porque não quer usar defensivos na produção, não se quer usar conservantes, não se quer usar nada e a perda pode ser mais da metade do que se produziu. Com esse padrão de perda, a gente não pode mexer muito.

Como é que se contabiliza os serviços da natureza, como a regulação do clima? Eu lembro de ter visto alguma coisa que alguém calculou em três trilhões anuais de dólares os serviços como chuva, regimes de ventos...
É, têm cálculos desse tipo. Eles são importantes para demonstrar quando há uma perda maior que um ganho, por exemplo, destruindo determinada área. Vamos supor o cálculo sobre a região Amazônica. Se a Floresta Amazônica desaparecer, quais são os prejuízos? Bem, é um prejuízo para o clima, aumentam os problemas em relação à produção, a atmosfera piora, isso gera doenças, essas doenças levam mais gente para o hospital, esse hospital vai gastar mais… Então os cálculos chegam aos custos dessas perdas para, ao final, avaliar e dizer o seguinte: "bom, então vale a pena preservar". A idéia de dar um valor monetário é poder dizer o seguinte: "pelo valor monetário, é melhor preservar do que destruir". Essa idéia é que está por trás, não é que alguém vai pagar por essa floresta. A idéia é dizer para o mercado que há benefícios, que é mais interessante conservar a área. É a idéia de custo e benefício. Porque a economia trabalha muito com isso. Então, você prega, através desses cálculos, que é mais interessante deixar a floresta ali, do jeito que ela está, do que destruir para produzir outra coisa.

Os custos ambientais já estão sendo internalizados pelas empresas?
Bom, nessa área tem posições diferentes. As empresas fazem isso, às vezes, até o mercado faz esse estilo, como trabalho até de marketing: a empresa preserva e diz que preserva porque tem um segmento de mercado que valoriza isso. Aqui, no Brasil, isso ainda não está muito difundido, mas em muitas partes do mundo está.

Tem muitas empresas buscando a certificação ISO 14000…
É. Pois é. Às vezes, a ISO 14000 é mais discurso de marketing do que a visão efetiva. Então tem muito sobre isso no Brasil. Mas se tem mercados garantidos, através das chamadas redes mundiais, para o produto produzido sobre o aspecto ecologicamente correto, ambientalmente correto, tudo correto… Já tem um mercado garantido na Europa, por exemplo. Porque isso? Apesar de custar mais caro, o pessoal está se sujeitando a pagar mais por isso. Então, é um mercado. A meu ver, muito marginal, nunca vai ser um mercado grande. O grande mercado vai ser aquele que produz mais barato sempre porque é a tendência natural do homem, do consumidor… Podemos dizer principalmente do consumidor de renda mais baixa: ele procura aquilo que é mais interessante do ponto de vista econômico. Eu trabalho com a idéia de meio ambiente, acho que tem algum avanço, mas acho que no futuro distante vão ter duas formas de consumidor: aquele que vai consumir o produto produzido de forma ecológica, muito caro, portanto essa pessoa vai pagar mais pela opção com que acha que está consumindo o melhor; e o outro consumo do produto mais barato, produzido de outra forma. Você vê a produção por satélite… Há uma produção que, por via satélite, controla toda a área de cultivo, uma área imensa; então se aqui tem pouco fertilizante, joga fertilizante… Isso vai resultar numa produtividade tão diferente da produtividade ecológica que vai ter um preço muito diferente. Algo assim: você vai pagar 20 centavos o quilo da batata tradicional e o da ecológica vai valer dez reais. Então, é só uma classe de consumidor que vai preferir pagar dez reais… (…) Do ponto de vista macro, você fala assim: "ah, está havendo um processo de absorção ou internalização do problema ambiental". Um modo é esse, através desse estilo de mercado. O mercado estimula a empresa a agir assim, produzindo de forma mais ecológica; uma outra forma é o governo, a atuação do governo na medida em que, através da legislação ambiental, impõe restrições sobre as empresas. Então, você tem de um lado o estilo de mercado, do outro lado uma pressão governamental em cima da empresas para que elas mudem. São essas duas linhas basicamente que existem hoje. A economia, antes não pensava em economia ambiental, simplesmente projetava grandes complexos industriais. Hoje em dia não é assim, a primeira coisa que tem que saber é o seguinte: "o que é que diz a legislação sobre isso? será que isso pode ser pensado? Ou há uma legislação ambiental que simplesmente já impede e pronto"?

Nesse momento, uma das preocupações dos ambientalistas, é justamente que o Brasil, primeiro, tenha uma legislação ambiental relativamente avançada, ainda que não consiga cumprir boa parte dela; e segundo, que nesse momento de crise, se force para afrouxar essa legislação, justamente para expandir a oferta de energia.
Existe um estudo muito interessante que mostra o seguinte: à medida que os países vão avançando do ponto de vista econômico, eles vão sendo cada vez menos eficientes do ponto de vista energético. Depois, eles continuam avançando em termos econômicos e começam a ser mais eficiente em termos energéticos. O gráfico disso forma uma montanha. Esse sistema energético seria o que? O PIB em relação ao consumo de energia, o quanto que se produz em relação ao quanto que se gastou de energia. Ou seja, um país vai até um certo ponto, tendo um crescimento dessa relação, quer dizer, um consumo muito forte de energia em relação ao que é produzido; depois ele começa a abaixar, começa a ser muito mais eficiente do ponto de vista energético. O País tem que imaginar fazer um túnel nessa montanha, para não chegar nesses picos de consumo de energia. Essa é a idéia que está por trás disso. Agora, historicamente, todos os países que foram crescendo fizeram isso: primeiro tiveram uma eficiência energeticamente fraca, depois foram melhorando lá adiante.

Isso lembra o desempenho produtivo do Japão e dos Estados Unidos na década de 80. Os Estados Unidos aumentou a produção, mas teve aumento do consumo de energia e o Japão manteve a produção com o mesmo consumo.
O Japão diminuiu muito. A eficiência energética foi sendo cada vez mais elevada no Japão, quer dizer, a produção cresceu com menos consumo de energia. O que acontece no Japão, basicamente, é que ele é um país complicado do ponto de vista da produção de energia…

Depende da energia nuclear…
É, então eles começaram com a política de passar para outros países aqueles setores que eram muito gastadores de energia. O Japão começou a estimular, por exemplo que, no Brasil, se instalassem as grandes áreas de produção de alumínio. Eles consomem muito alumínio.

E esta indústria é muito intensiva no uso de energia…
Muito intensiva. Tudo que era muito intensivo no consumo de energia, eles deixaram para outros países, como o Brasil, que é um grande fornecedor de alumínio para o Japão. Então alguns países fizeram isso: entraram mais no chamado setor terciário, que é menos consumidor de energia, porque não produz bens físicos, digamos assim. Produz bens abstratos: serviços de informática, telecomunicações, bancos...

Na verdade, então, o Japão reduziu o consumo transferindo o problema para outro país de terceiro mundo.
Exatamente, é isso. Claro que outras medidas internas foram tomadas, mas uma das formas importantes foi essa: "nós não vamos produzir aqui dentro mais nada que consuma muita energia, vamos passar isso para outros países".

No exemplo que o senhor citou, a indústria do alumínio, o consumo de energia é um absurdo…
Quase 70% do valor do alumínio é custo de energia… ou mais do que isso. (…) Às vezes, quando se fala em consumo energético no Brasil, tem muita gente que diz assim: "mas, no Brasil, isso não é um problema ambiental tão grande porque é uma produção hidrelétrica, ela é renovável porque é produzida pela água que faz as turbinas se movimentarem e pronto". Então, qual é o problema?" A produção da energia elétrica por hidrelétricas é muito impactante do ponto de vista ambiental. Ela acaba com uma área muito grande, tem uma mudança muito forte sobre a condição ambiental naquela região, ela consome por um tempo indefinido aquela área que fica debaixo da água e que poderia, eventualmente, ser uma área agrícola. Então, há um produção potencial nunca mais realizada ali.

E como fica, então, o desenvolvimento sustentável?
Pois é, toda essa busca do desenvolvimento sustentável, quando vai num nível local é mais forte de ser trabalhado do que pegar um país como um todo. Isso até porque o chamado desenvolvimento sustentável abrange o social, o econômico e o ambiental, não estamos tratando só do ambiental. Então, às vezes, até o desenvolvimento local, na verdade, acontece porque se está exportando o problema para outro, não é? Você tira dali e transfere para outro. Por exemplo, a indústria Hering de Blumenau. Ela produz camiseta, coloca dentro de uma caixa e vende isso para Brasília, vamos supor. Bom, em tese, eles deveriam cuidar dessa caixa, que vai para o lixo de Brasília e fica lá. Então, uma política sustentável deveria considerar a produção até o final.

O Sr. está falando aí da análise do ciclo de vida do produto. O projeto já deveria considerar o descarte.
Do ponto de vista local parece que está tudo muito certo, mas na verdade você transferiu o problema para outro. Então, hoje tem o conceito, que acho muito interessante: o conceito de espaço sócio-ambiental, que é diferente de espaço econômico e diferente de espaço geográfico. Então, vamos supor, Blumenau. A cidade teria que cuidar não só do seu problema ambiental dali, mas saber onde é que ela tem relações também, onde se abastece de recursos, como é a produção do algodão, como é que ficam as condições ecológicas e sociais lá onde se produz o algodão... Então, Blumenau não tem nada a ver com isso? Se considerar o conceito de espaço sócio-ambiental, teria que dizer: "bom, lá tem problema, então não está resolvido o problema de Blumenau". Isso pode também extrapolar para os países também. Ah, um país está muito bem do ponto de vista ambiental… Vamos supor que fosse… A exportação de lixo é muito grande, para vários países do mundo, inclusive lixo tóxico. Bem, a situação da Alemanha, de um ponto de vista local, é aparentemente boa, mas está criando problema para outros... (…) Está se jogando o problema para baixo do tapete. Tem uma expressão, usada por alguns autores dessa linha da economia ecológica: "nimby". O que significa algo como: "no meu quintal, não". Você pode jogar o lixo onde quiser, desde que não jogue no meu quintal. Então fica tudo assim. No meu quintal não, joga para o outro, joga para o vizinho. A minha tese, que eu defendi há pouco tempo, foi de que o desenvolvimento sustentável, em escala global, é um mito, é inatingível. Essa idéia de desenvolvimento sustentável é um novo paradigma, se contrapondo ao antigo desenvolvimento econômico... Então, aparentemente, parece que aqui está a solução de problemas. Pode ser que localmente alguma coisa melhore, mas se pensar de um ponto de vista mais abrangente, mais geral, na humanidade, como um todo, não tem como. É um mito. Como também o desenvolvimento econômico é um mito.

Na verdade, cada comunidade, cada grupo social tem que assumir a responsabilidade pelo seu próprio desenvolvimento.
É que você vê: o desenvolvimento sustentável é um paradigma novo. "Ah, que bom se fosse assim, que bom que se se atingisse isso, e mais isso e mais aquilo…". Agora, como fazer isso depende da análise de cada situação. Aliás, a solução da maior parte dos problemas ambientais, do ponto de vista econômico, envolve a comunidade, porque, de outra forma, isso não se viabiliza economicamente. Do ponto de vista do mercado, esse problema não vai se resolver assim, ele só vai ser resolvido se a comunidade participar. Por exemplo, a viabilização do lixo reciclável: ele só se viabiliza se tiver a participação da comunidade separando o lixo, fazendo o trabalho de forma barata, não consumindo energia, a não ser energia humana, porque, caso contrário, não compensa. Por que? Porque lá adiante, o catador vai ter que vender esse papel a um preço muito barato. Na verdade, ele ganha um tostão por mês. Outro dia, eu vi uma catadora de papel numa reportagem. Ela dizia que fazia aquele serviço para ajudar o marido. Aí o repórter perguntou quanto é que ela ganhava no final. Em torno de 30 reais, ao mês. Então, na verdade, é a viabilização econômica originada pela exploração da mão-de-obra barata que faz esse tipo de trabalho, a seleção de materiais, ou, às vezes é feita na própria casa, mas é uma participação caseira. (…) Mas você vê que a economia só viabiliza o processo de reciclagem se houver participação comunitária, fazendo trabalhos ou subsidiando. Subsidiando o recolhimento de lixo orgânico ou de lixo reciclável. O mercado sozinho não resolve. Então tem o custo social, é o custo social de fazer isso.

Falando de trabalho… O que é que o crescimento dessa preocupação ambiental vai mudar na relação de trabalho?
Olha só… Se você pensar nos processos de produção ecológica, eles geralmente exigem muita participação da mão-de-obra. Em geral, é assim, ele é muito mais exigente de mão-de-obra do que qualquer outra produção. A forma que tem se encontrado de organizar isso tudo para ter um reflexo social é a forma cooperativada. Não é mais a forma empresa. Agora, a cooperativa aparece como um elemento essencial para buscar não só a produção, mas também a distribuição da produção. E a gente vê em Santa Catarina alguns casos assim. Por exemplo, a produção de mariscos aqui na costa catarinense.

São produtores independentes que se associam.
São, em alguns casos. E, em outros casos, já tem uma empresa. Não tem muitos estudos sobre isso, mas algumas coisas já existem. Então, nos casos em que a família ou uma forma de cooperativa explora aquilo, você tem um resultado social, e no outro caso é a família ou as pessoas trabalhando para uma empresa individual, que já é um outro resultado social. Então, não é assim simplesmente... Você tem que associar a forma de produzir com a forma que está organizado o trabalhador para produzir aquilo. Há um potencial para mexer nas relações de produção desde que você considere todas as dimensões ao mesmo tempo. Não é só produzir ecologicamente mais eficientemente… Esse ecologicamente mais eficiente também está associado ao desenvolvimento sustentável, que é garantir o ambiental, mas também o social, não é isso? Há um potencial de atuar sobre as relações de produção, agora não sob a forma como tem sido sempre, da empresa que produz. Se tem um empresa que faz, por que gastar mais tempo com isso? (…) Um grande empresário gaúcho, do setor de autopeças, tem uma área muito grande na região de Garopaba onde está preparando uma área de produção altamente ecológica. Vai produzir adubo orgânico, aproveitar tudo o que é da região, por exemplo as sobras de restaurante… Enfim, ele faria tudo sob essa ótica, do ponto de vista altamente lucrativo. Vai lá ver o quanto que ele paga para os trabalhadores que estão trabalhando lá… Tem 10 ou 12 trabalhadores braçais, metade deles analfabetos, que ficam trabalhando 12 horas por dia… Então, você vê como, nesse exemplo, o lado ecológico está sendo considerado para tirar lucro... A parte do resultado humano é zero, ele está reproduzindo o esquema de produção capitalista do jeito que sempre foi. Então, se não mexer nas relações de produção, não adianta pensar do ponto de vista só ecológico.

O que é a política eco-eco (economia ecológica)?
A idéia da política eco-eco é buscar eficiência energética e melhor utilização de recursos naturais. São as duas grandes linhas da política eco-eco: de um lado o problema dos recursos naturais, principalmente os que não são renováveis, ter um controle melhor sobre eles; e de outro lado, justamente, essa parte energética. A busca da eficiência energética pressupõe que você consiga uma produtividade boa, porque nós não estamos nem interessados na economia não produtiva. Isso está fora de propósito, hoje. Seria o que alguns chamam de economia de Gandhi porque ele montou um sistema de produção com tear manual que, ao final de uma jornada de trabalho, rendia tão pouco que não era capaz de cobrir o valor da força de trabalho. Quer dizer, não dava para a pessoa se sustentar. Então não se pode pensar numa economia de Gandhi, tem que ser uma economia produtiva, tem que diminuir o consumo energético e, no entanto, ter uma boa produtividade. Esse é o ponto.

O senhor acha que algumas empresas vão começar a se preocupar mais em atender o mercado local em vez de expandir, conforme a idéia do Schumacher: "Small is beautiful"?
Eu particularmente não tenho a visão de que o pequeno é tão mais interessante que o grande. Eu não acho que há uma diferença fundamental entre uma coisa e outra; talvez o grande possa se organizar melhor, apesar de que a ecologia trabalha sempre com a idéia de que quanto maior a concentração espacial, pior. Alguns contestam essa idéia, mas acho que o controle ambiental, às vezes, é melhor quando você faz uma coisa maior e mais organizada. Em suma, o "small is beautiful" depende de como ele é organizado: se ele for organizado sob a forma como sempre foi, da forma capitalista, para obter o lucro em cima da ecologia… O resultado é apenas um lucro maior em cima da ecologia, quer dizer, é uma visão capitalista da natureza, novamente. Então não é só por ser pequeno que é bom. Se for pequeno e organizado, se puder associar as duas coisas, é o ideal.

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