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Edvaldo
Alves Santana, economista e engenheiro, professor doutor
do Departamento de Economia da UFSC, trabalhando atualmente,
em Brasília, na Agência Nacional de Energia Elétrica
(Aneel) como Superintendente de Estudos Econômicos do
Mercado e como conselheiro junto ao Mercado de Ações
de Energia (MAE).
O assunto principal é a regulamentação
do mercado de energia no País
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O
que está acontecendo com esse Mercado? Ele foi criado há
três anos…
E até agora não funcionou…
Exato.
Pelos dados que eu tenho, foram gastos R$ 150 milhões para
implementá-lo e ele ainda não funciona, inclusive
as geradoras querem saber o que vai acontecer…
Eles também querem saber? Eles sabem mais do que a gente.
O mercado de energia foi construído com a filosofia de ser
auto-regulado. Quer dizer, os agentes fizeram as regras, fizeram
acordo de mercado, a Aneel homologou as regras e o acordo. Tudo
devia funcionar em torno deles. A Aneel não deveria ter interferência
nenhuma. Só que passou dois anos e não funcionou.
Então, a Aneel teve que fazer uma intervenção.
As causas do não funcionamento são várias.
Uma é auto-regulamentação que pode não
ter funcionado, exigindo o papel do Estado. Outra é a própria
estrutura de governança do MAE. Tem uma assembléia
geral, tinha um Conselho Executivo de 26 pessoas que deveria representar
a categoria… Então, houve um conflito de interesses
que fez com que o mercado não funcionasse. A Aneel também
deixou de fazer, em tempo hábil, algumas regras que, talvez,
fizesse funcionar melhor isso. Isso resume porque não funcionou.
E
vai funcionar?
Não sei. Dia 13 de setembro sai a liqüidação,
a contabilização… Esperamos que sim. (…)
Ninguém é contra o mercado funcionar. O governo quer
que ele funcione, o regulador quer que ele funcione, os agentes…
A gente está falando com 67 agentes, todos querem que ele
funcione. Então, ou alguém está mentindo ou
o mercado tem que funcionar. A data chave é 12 de setembro.
É o dia em que vai ser publicado a primeira contabilização
de energia com os valores do MAE. Acho que não tem como não
funcionar… Aliás, ele está funcionando. Não
está tendo liqüidação financeira. Agora,
o funcionamento não dependia tanto do governo… Foi entregue
aos agentes prá fazer a auto-regulamentação.
Não fizeram.
O
que aconteceu? Os agentes não tinham experiência?
Tinham. Acho que não funciona. Em lugar nenhum no mundo,
o mercado é auto-regulamentado. Aqui, a gente procurou criar
uma coisa interessante. Não funcionou. Agora, vai funcionar.
Se você for olhar no site da Asmae,
vai ver o que o MAE está fazendo… Uma série de
resoluções, deliberações, julgamento
disso, daquilo… Em quinze dias, nós fizemos muita coisa…
Dia 13 de setembro é a data chave.
A
crise começou pela falta de investimentos e uma grande dependência
de geração hidrelétrica, que depende de fatores
não controláveis…
E continua…
E
agora, sobre os novos investimentos: quem vai querer investir num
período de crise?
O que não tá funcionando é uma parte do modelo
que é o mercado. Mesmo assim, quando se fala que não
tá funcionando é porque não tá tendo
pagamento. Está sendo transacionado R$ 100, 150 milhões
de reais de energia, por mês, nesse mercado. O que não
está tendo é pagamento. Ninguém sabe quanto
cada um tem que pagar e quanto cada um tem que receber. Mas o resto
dos investimentos estão sendo feitos… A Aneel toda hora
faz licitação de usina. Já foram mais de 25
e sempre tem comprador, usinas prá construir…
Isso
faz parte do plano de construção das termoelétricas?
Não, hidrelétrica. A Aneel só licita hidrelétrica.
Termoelétrica cada um diz onde quer, escolhe o local, o combustível
e a Aneel só dá a autorização. Mas se
não tem investimento, não é só por causa
do setor elétrico. Quem é que vai colocar milhões,
bilhões de dólares aqui sem saber o que vai acontecer
com o real?
Um
dos problemas relatados pelo pessoal de geração é
que ainda não tem linha de transmissão prá
desafogar o Sudeste…
Isso é opinião deles… Hoje em dia, falam que
não tem linha de transmissão pro Sudeste. Você
vai ver daqui a um ano, dois anos, a Aneel e o governo serem criticados
porque tem excesso de linha. É bom ficar registrado…
Estão sendo construídas linhas pro Sudeste que vão
ser usadas 10 ou 15% do tempo… Quer dizer, são linhas
que podem não ser economicamente viáveis, mas como
tem que desafogar o Sudeste por causa do racionamento… Se constrói
agora, mas depois vai ser muito pouco usada. Então, isso
vai acontecer e tem que acontecer mesmo. Faz parte. Mas é
bom ficar sabendo que vai acontecer.
O
Sr. participou desse processo de desverticalização
do sistema… Por que toda a geração vai ser privatizada?
Por que não foi pensado num modelo híbrido, com o
governo ficando com uma parte da geração?
Não, na geração 80% ainda é estatal.
Mas
o intuito era desverticalizar para privatizar geradoras e distribuidoras…
Não sei. Isso não depende da Aneel, é o governo.
O governo acha que tem que privatizar as empresas dele. Se for federal,
seja de geração ou que for, o governo diz que vai
privatizar. As distribuidoras estão quase todas privatizadas.
Agora, não foi o governo federal, foram os governos estaduais.
Das distribuidoras, federais eram só a Light (Rio de Janeiro)
e a Excelsa (Espírito Santo). O resto é estadual.
Só não estão privatizadas a Celesc aqui, a
Copel, mas já está em processo… e tem mais uma
outra. Não é o governo federal que mandou, são
os governos estaduais. Agora, as geradoras federais, o governo está
dizendo que vai privatizar. Se vai mesmo, a gente não sabe.
Oitenta por cento ainda é do governo.
E
como fica o mercado com 80% das geradoras na mão do governo?
Prejudicado. Por isso mesmo tem essa contradição.
As
novas geradoras dizem que o governo pode usar essa parte estatizada…
Prá baixar o preço.
Para
baixar o preço, para regular a inflação…
Para eles é ruim isso, o ideal é o preço lá
em cima. O ideal é o mercado sem competição
e com preço lá em cima. Então, se o governo
pensar assim, ele vai fazer certo: mantém estatal. Se o governo
imagina, um dia, que as privadas o que querem é aumentar
o preço… o governo diz: "ah, então, se é
assim, eu vou não vou privatizar, eu vou manter estatal".
Mas eu acho que não é isso.
O
Sr., como economista, defende a privatização?
Eu defendo a competição. Pode ter competição
sendo estatal…
Como
funcionaria isso?
Prá ter competição, a empresa não precisa
ser privada. A França compete no mundo inteiro… A EDF
(empresa francesa de energia) é estatal. O problema que não
pode ter é 80% na mão de um único dono. Um
dono só tem muito poder no mercado. Então, é
só dividir as empresas… que, aliás, a proposta
do governo era dividir Furnas em duas empresas, Chesf, Eletronorte,
entre outras… Se fizer isso, privatizar é só
prá captar recursos. É o que se reclama porque o governo
tem 80% na mão do governo… A Chesf, por exemplo, é
quase 100% da oferta de energia no Nordeste. Então, não
tem competição, é um só. Privatizar
é mais problema financeiro prá captar recurso, prá
reduzir interferência política nas empresas… É
só isso. Prá efeito de competição, não
tem problema nenhum ser estatal ou privada.
É
interessante ter uma parte de geração estatal prá
investir em áreas nas quais o investidor privado não
tenha interesse como áreas isoladas?
Mas se tiver uma regulamentação que obrigue…
Em telecomunicações, é obrigado a universalizar
o serviço.
As
empresas vão cumprir por força de lei?
Sim. Estão cumprindo. Se não cumprir, perde a concessão.
Depende se o agente regulador vai ou não agir. Em telecomunicações,
imagina se fosse estatal como era antes… O consumidor ajuda
a fiscalizar, a Anatel está fiscalizando. Tanto que tem empresa
investindo mais do que a Anatel queria. Pelo menos, é o que
sai nos jornais.
Como
a Aneel trata da questão ambiental nestes projetos?
A Aneel se preocupa que, quando houver a licença de instalação,
se leve em conta o meio ambiente. Não tem nenhum órgão
de meio ambiente na Aneel. Ela só dá autorização
prá usina operar depois que o órgão de meio
ambiente dá a licença.
Agora,
os ambientalistas estão preocupados que se afrouxe a legislação
por estarmos num período de crise, de necessidade de expansão
da oferta de energia…
Pode ser. É um trade-off. A sociedade tem que avaliar. Falta
energia e os órgãos de ambiente continuam exigindo
cada vez mais… Isso eu não sei como está sendo
feito, mas até nos Estados Unidos está sendo assim.
Na Califórnia, a oferta de energia não aumentava tanto
por causa das exigências excessivas dos órgãos
ambientais. Então, isso é uma negociação…
Acho que, no Brasil, a coisa está sendo bem tratada. Tanto
que se reclama que o órgão de meio ambiente é
muito rigoroso.
Então,
voltando ao mercado… O Sr. diz que o importante é a
competitividade…
Se é estatal ou privado não é muito importante.
Agora, num ambiente competitivo, as empresas estatais são
prejudicadas. Para tudo que elas querem fazer é preciso abrir
uma licitação. Então, ela chega sempre atrasada.
O
problema é a administração?
É, e ter um mercado bem dividido. (…) Tem uma legislação
da Aneel que diz que nenhum gerador do Nordeste pode ter mais que
35% do mercado. Lá, um gerador sozinho tem 96%. Enquanto
não corrigir isso… Furnas, sozinha, tem 30 e poucos
por cento no Sudeste…
Como
está a situação, agora em setembro, do sistema
elétrico?
No Sudeste, não tem mais risco de apagão este ano.
No Nordeste continua dependendo da chuva.
A
possibilidade de apagão da eletricidade está afastada,
mas e a economia? Muitas indústrias reduziram a produção…
Sim, e é um problema sério. Tiveram que reduzir, não
sei se perderam dinheiro… Tiveram que reduzir, em média,
25%. Mas teve indústria que reduziu mais que isso…
O
que isso vai representar no fechamento do ano?
Vai afetar o PIB (produto interno bruto), vai reduzir os empregos.
A
expectativa era crescer aproximadamente 4%…
Não vai crescer. Não tem como…
Agora,
tem uma notícia de que esse racionamento pode causar um prejuízo
de R$ 1,2 bilhões às geradoras por conta do Anexo
5 dos contratos de energia…
Esse número já foi de 18 bilhões, agora tá
em 6 bilhões… O contrato de compra e venda de energia
entre as geradoras e as distribuidoras tem uma cláusula,
que chama Anexo 5, que diz que se a geradora não puder cumprir
o contrato… Isso acontece em qualquer contrato. Se eu não
posso entregar o produto, eu tenho que comprar no mercado ao preço
que tiver e fornecer. Esse Anexo 5 é prá geradora
não precisar comprar tanto no mercado, então tem uma
redução disso. Só que essa redução
que foi aplicada, foi pequena. Era prá proteger o gerador.
Ela (a cláusula) acabou protegendo, mas não protegeu
tanto. Sem o Anexo 5, seria pior para o gerador.
E
os geradores vão ter que pagar essa conta…
Não é só isso (R$ 1, 2 bilhões), é
muito mais. Ou paga ou faz um acordo com o distribuidor.
A
proposta da Associação Brasileira das Geradoras (Abrage)
é que o governo edite uma legislação específica…
Lá no contrato também diz que, em caso de racionamento,
também tem uma legislação específica.
E o governo está dizendo que não vai fazer uma legislação
específica, ele quer que se cumpra o contrato. Acho que isso
vai ser decidido na justiça. Porque o mesmo contrato está
dizendo que, em caso de racionamento, sai uma legislação
específica.
As
geradoras estão se reportando a um acordo feito no ano passado
com o MAE…
Isso é outra coisa. É a recompra de energia. No ano
passado, teve um acordo no MAE, em que, no caso de sobra de energia,
se a distribuidora não está vendendo tanto quanto
comprou, a geradora poderia comprar a um preço menor, é
o que se chama de recompra. Agora, as geradoras querem aplicar a
recompra para o caso contrário.
Revertendo
os valores da dívida em créditos para a distribuidora…
A distribuidora não quer, obviamente. É um problema
contratual. Eles vão ter que resolver entre eles. O governo
está certo em não interferir nisso. O contrato, inclusive,
tem seis cláusulas dizendo como resolver uma controvérsia.
Porquê o governo tem que resolver essa controvérsia?
Falando
sobre consumo: como vai funcionar o fator X na redução
das tarifas de energia?
Todas as empresas que foram privatizadas… No caso da Escelsa,
a cada três anos, no caso da Light, a cada cinco anos, e no
caso da maioria, a cada cinco anos, é feito uma revisão
da tarifa. O reajuste é anual, mas durante um determinado
período, dependendo do contrato, tem uma revisão.
Nessa revisão é calculado um fator X, que é
o ganho de produtividade da empresa. No caso da Escelsa, foi feito
agora em agosto. Durante três anos, ela fez o diabo prá
enxugar custos, então tudo que ela ganhou é dela.
No final dos três anos, a Aneel calculou, junto com ela, quanto
foi esse ganho. De agora em diante, esse ganho, durante os próximos
três anos, será repartido com o consumidor. Isso reduz
o reajuste da tarifa a cada ano, durante três anos. Da Escelsa,
deu quase 2% a cada ano. Se em 2002, o IGPM (índice geral
de preços no mercado) for menor do que isso, a Escelsa vai
ter um reajuste negativo. Isso é feito para todas as empresas.
A
idéia é que isso incentive a eficiência e que
esse redutor descresça…
Para as empresas mais eficientes, ele começa alto e vai decrescendo,
a cada ano. Para as empresas ineficientes, ele começa baixo
e cresce. Quer dizer, ele vai ser positivo para todo mundo. Tem
empresa que não tem ganho de eficiência. A Cepisa,
no Piauí, e muito provavelmente a Celesc, por exemplo…
Mas, nem por isso ela deixa de ter um fator X, senão você
acaba prejudicando os mais eficientes.
Essa
redução da tarifa vale para os consumidores cativos…
É só para o mercado cativo, que é quase 100%.
No Brasil inteiro, só tem quatro ou cinco consumidores livres.
E não sei se vai ter…
A
idéia não é liberar o mercado, a partir de
2005, para que todos os consumidores possam escolher o fornecedor?
Potencialmente livre. Ninguém é obrigado. E ninguém
está querendo ser livre. (…) A Volkswagen é livre.
Em lugar de comprar da Eletropaulo, ela compra da Copel (PR), a
um preço mais barato. Agora, porque os outros não
querem comprar mais barato? Não sei. Isso é uma incógnita
para a Aneel. O consumidor livre, em geral, consegue um preço
menor. Os grandes consumidores não querem ser livres, querem
permanecer regulados.
Eles
têm medo de se expor aos riscos?
Mas é mercado. Se eu sou livre e você aumenta o preço,
eu vou comprar de outro. As empresas não estão querendo
isso. Agora mesmo, no racionamento, está tendo esse leilão
de energia… Quem consome menos do que a meta pode vender o
excedente. Muitos tiveram medo disso porque isso significaria ficar
livre durante um período. Muitos disseram: eu quero participar
disso, mas não quero ser livre. Grandes empresas… Tem
empresas que, com todo o grupo junto, consomem mais do que o estado
de Santa Catarina… (…) Ninguém entende isso. É
só vantagem para o consumidor. "Ah, seria ruim se eu
tiver comprando de uma empresa e pifar a linha dela…"
Mas não existe isso, você não sabe de onde está
vindo a energia que está comprando… É só
um contrato financeiro. O futuro vai nos dizer porque os caras pensam
assim.
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