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Edson
Luiz da Silva, engenheiro eletricista, doutor em Engenharia
Elétrica com ênfase em Sistemas de Energia Elétrica,
professor em tempo parcial da Engenharia Elétrica (UFSC),
gerente da área de Planejamento e Comercialização
de Energia das Centrais Geradoras do Sul do Brasil (Gerasul).
Os assuntos principais são o novo sistema elétrico
brasileiro e a formação de preços de
energia
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Além
de professor da UFSC, o Sr. está trabalhando também
na Gerasul com a formação de preços de energia,
tendo lançado recentemente, inclusive, um livro sobre o tema
(Formação de Preços em Mercados de Energia,
Editora Sagra Luzzatto). Quais são os objetivos dessa reforma?
No caso brasileiro, os objetivos da reforma são determinados,
sobretudo, para trazer investimentos já que o governo não
tem mais condição de investir no setor. Então,
a alternativa qual é? É fazer uma estruturação
que possibilite angariar recursos de investidores para expandir
a capacidade do sistema.
Qual
será a estrutura do mercado?
Essa estrutura de mercado acontece de tal forma em que você
tem que fazer o que se chama de desverticalização,
ou seja, separar a geração da transmissão,
da distribuição e da comercialização
de energia. Você tem que fazer isso porque a transmissão
é considerada um monopólio natural e, como todo monópolio,
se você deixar a geração com ela também,
isso poderia discriminar alguns agentes que gostariam de vender
a energia.
Desverticalizar
quer dizer colocar todos os segmentos do sistema no mesmo nível…
Até um tempo atrás, tinha empresas que faziam tudo
junto: geravam, transmitiam, distribuíam e comercializavam.
No novo ambiente, isso não é mais possível.
Você tem que separar essas atividades.
O
Sr. fala que esse processo está acontecendo seja em países
desenvolvidos, seja em países em desenvolvimento. Quais são
as características específicas do caso brasileiro?
Também gostaria que o Sr. comentasse o caso da Noruega, que
é citado no seu livro, como um sistema híbrido.
No caso da Noruega, praticamente toda a geração ficou
com o Estado. A diferença fundamental é que, na Noruega,
já tinham empresas que pertenciam às municipalidades,
como prefeituras, e vinham funcionando bem. O que foi feito foi
simplesmente separar. Como eles não tinham a carência
de recursos que nós temos, separou e continuou funcionando
normalmente. É diferente do nosso caso. Você faz a
desverticalização, mas tem que resolver um problema:
é preciso expandir a capacidade de uma forma muito mais intensa
que na Noruega. Aqui, a pressão de consumo é muito
maior. Eles têm recursos, nós não temos. Então,
a diferença, aqui, é que é preciso fazer a
desverticalização e a privatização.
Porque se poderia simplesmente desverticalizar e não privatizar…
nos Estados Unidos, as geradoras já eram privadas. As pessoas
confundem reestruturação com privatização.
Não, o que se faz hoje é a reestruturação.
A essência do modelo é a separação. Agora,
se vai ser privado ou estatal, é um outro problema. É
uma questão de gestão do negócio.
Mas
dessa maneira fica mais fácil privatizar…
Depende. Se você separou e o sistema continua funcionando
bem…
O
que é mercado spot?
No mercado de energia, como qualquer mercado, você tem contratos
para fazer as transações. Então, você
compra um produto e vai consumindo… O problema é que
o consumo nunca é exatamente igual ao que você planejou.
Em eletricidade, isso é muito mais acentuado. Por mais que
você planeje uma compra, você nunca vai acertar o consumo
porque a demanda varia com a temperatura, com o dia da semana, se
é feriado… tudo isso. É claro que se tem uma
boa precisão, mas sempre existe uma diferença. Então
o que acontece? Como sempre haverá um desvio entre o que
foi contratado e o que foi usado e você não tem como
interromper… "Olha, você contratou 100, eu só
te entrego 100. Vá atrás de alguém que queira
te vender a diferença…" Isso acontece em outros
mercados. No mercado de eletricidade, você recebe o produto
e vai consumindo. Depois, alguém diz "olha, você
contratou 100 e consumiu 120, então nessa diferença
você vai pagar o preço da hora, o preço do momento"…
É o preço do mercado spot, do mercado à vista.
É
como uma bolsa de Valores…
Isso. Então, o preço pode estar alto, pode estar baixo…
Aí começa toda a dificuldade do processo porque eu
tenho que prever isso. Eu posso optar, na hora, contratar pouco
ou contratar muito, dependendo do preço.
Mas
há casos em que tem pagar o preço porque não
se pode deixar de consumir energia… O consumidor fica na mão
do mercado…
Veja só o que está acontecendo nesse momento. Está
tendo racionamento no Sudeste. O preço da energia está
R$ 684,00 por MWh. O que acontece com quem não contratou
energia? Ele tem que comprar por R$ 684,00 e o preço normal
dessa energia é de R$ 100. Ou seja, ele está pagando
seis vezes mais. O que acontece? Ele quebra. A outra alternativa
que o consumidor tem é não consumir, parar a produção.
É o que está acontecendo. Muitos setores eletro-intensivos,
que consomem muito, estão parando a produção
para não consumir e, em alguns casos, até vendendo
a cota que seria deles.
Que
tipo de "hedging", ou seja, de proteção
o consumidor pode ter para reduzir a exposição a esse
risco de preços? Na Colômbia, segundo seus dados, os
preços subiram 423% em seis meses…
Exatamente. Como qualquer commodity… Aliás, a energia
é tratada como qualquer commodity, embora seja discutível
se ela é uma commodity. Então, você tem oscilações
de preços ao longo do ano. O caso da laranja, por exemplo.
Se tem um clima adverso nos Estados Unidos, automaticamente o preço
da laranja sobe no mercado. A eletricidade segue o mesmo princípio.
Se você tem água, tem preço baixo. Se não
tem água, tem preço alto. Bom, como é difícil
prever o comportamento das afluências, da hidrologia, é
difícil prever o preço. Tem que ter habilidade para
desenvolver mecanismos de hedging. O que é um hedging? Eu
posso fazer um contrato contigo e combinar o seguinte: se o preço
ultrapassar um determinado valor, você deixa de consumir.
É um tipo de hedging. Porque se você quiser continuar
consumindo, eu vou ter que te cobrar mais porque eu vou dar 100%
de garantia do fornecimento. Aí o problema não é
mais seu, ou do consumidor, passa a ser meu, como fornecedor. Então,
eu tenho que ter condição de avaliar o risco e internalizar
isso ao preço do contrato. Um instrumento simples de hedging
seria esse: se o preço chegar a um determinado valor, você
não consome, eu não preciso te entregar, logo não
preciso comprar. Porque mesmo sendo gerador, nesse momento, eu posso
não ter o produto para entregar. Eu também posso combinar
contigo que toda vez que o preço ultrapassar um determinado
valor, nós compartilhamos esse aumento. Então, toda
vez que o preço baixar muito, eu também não
te cobro tanto. Tudo é um processo de negociação.
Eu posso contratar uma seguradora para cobrir a diferença.
São eventos de pouca probabilidade, mas tem que se proteger
porque se acontecer, você pode quebrar. Não tenha dúvida.
Isso
ocorre mais para preços de energia com geração
hidrelétrica?
Não, pode ocorrer com todos os tipos de geração.
Mas
essa geração é mais suscetível a externalidades
não controláveis como as próprias condições
hidrológicas…
Exatamente.
E
as termoelétricas?
Ela pode falhar. Ela falha constantemente. O índice de disponibilidade
de uma termoelétrica não é tão alto
quanto uma hidrelétrica. A termoelétrica tem muita
mecânica. Então, se ela falha, alguém tem que
fornecer a energia…
Mesmo
instituições como escolas e hospitais vão ficar
expostas a isso?
Então, eu entendo o posicionamento… Puxa, largar esses
consumidores aí nesse mercado hostil… Aí existe
a diferença entre consumidores cativos e consumidores livres.
Então, existem consumidores dessa natureza, hospitais, escolas,
que são considerados consumidores cativos. Eles têm
a opção de serem livres, esse consumidor não
é obrigado a ser livre. Obviamente, ele não vai fazer
a opção por ser livre porque ele sabe disso. Então,
por que o outro, uma indústria, vai ser livre? Bom, para
ela pode ser interessante porque vai ter flexibilidade. Quando falo
nessas transações, estou falando no grosso do mercado
atacadista e no mercado de consumidores efetivamente livres.
Quais
são os mecanismos de formação desses preços?
O que basicamente define o preço, como em qualquer mercado,
é o ponto de equilíbrio que precisa ser encontrado
entre oferta e demanda. Se a demanda está alta e não
tem oferta, como está acontecendo agora, o preço dispara.
Então, vamos pensar assim: cada gerador tem um custo de produção.
O que vou fazer? Vou procurar formar uma 'pilha' de geradores até
que esses geradores consigam atender à demanda. O preço
do mercado vai ser o preço do último gerador a ser
despachado, o mais caro deles. Por que é o mais caro? Por
que não é a média dessa 'pilha'? Porque a média
vai ser menor do que o preço mais alto e, automaticamente,
esse gerador com preço mais alto não vai querer fornecer
energia. "Ah, então, eu não quero. Eu não
vou gerar". Aí o próprio consumidor vai dizer:
"Não, volta prá cá". Porque ele sabe
que esse o gerador for embora, o próximo da pilha, que tinha
ficado fora, vai ter o preço mais caro que esse. A lógica
do mercado é assim. Não adianta o meu custo ser baixo.
Se eu vejo que tem alguém vendendo pelo preço mais
alto, a lógica do mercado determina que o preço seja
definido pelo mais alto. (…) O preço não depende
dos meus custos. O preço é o mercado que define. Se
os meus custos estão abaixo desse preço, vale a pena
gerar, vale a pena construir, investir numa nova planta de geração.
Esses
preços vão agregar os custos da degradação
ambiental? Isso está relacionado ao que se chama "custos
marginais"?
No passado, essas externalidades sempre foram consideradas no projeto,
mas não eram internalizadas no custo total do projeto. Porque
se degradava o ambiente e, na verdade, quem estava pagando por isso
era a sociedade, a população ao redor daquele aproveitamento.
Então, você acabava tendo, muitas vezes, uma energia
barata. Na verdade, não era barata porque isso estava sendo
subsidiado, uma parcela da população estava pagando
aquele custo ambiental para uma grande maioria poder usufruir a
energia. O que acontece, hoje, principalmente com a organização
das populações atingidas por essa degradação,
é que quem ganha uma área para aproveitamento, por
licitação, sabe que vai ter que ressarcir os custos
ambientais, a re-locação da população,
etc… Obviamente, ele vai ter que internalizar isso nos custos.
A
regulamentação do MAE (Mercado de Ações
de Energia) prevê algum dispositivo de proteção
ambiental?
Não. Uma coisa é o preço lá no mercado.
Outra é decidir se ponho o aproveitamento ou não.
Então, se eu ganho uma licitação para explorar
a água naquela região, tenho que saber que vou ter
custos. Vou ter que re-locar aquela população, tratar
do ecossistema, tem uma série de custos associados. Quando
eu for vender a energia, vou agregar esses custos. O que acontece
é que o mercado pode não estar disposto a pagar isso.
Então, se ele não está disposto, eu não
faço.
Isso
vale somente para os projetos novos, os novos investidores…
Isso. Os custos dos projetos passados estão sendo absorvidos
pela sociedade… O que tem acontecido mais recentemente são
pressões para que as plantas termoelétricas existentes
diminuam o nível de emissão de poluentes. Isso está
acontecendo. A propósito, isso foi um dos motivos que levou
à crise lá na Califórnia (Estados Unidos).
Porque o nível de emissão era alto e cada usina tem
uma espécie de certificado de quanto pode causar de emissão.
Agora, no nosso País, isso ainda é recente.
O
que significa o fato de o novo sistema ser "determinativo"
na transmissão e "indicativo" na geração?
Como você tem um mercado na geração da energia,
não há como dizer: "você vai construir".
É mercado, constrói quem quer. O que o governo faz
é um planejamento indicativo da geração. Ele
diz assim: "Essa cascata do rio pode ser usada para construir
uma usina aqui e ali. Essa região, digamos Criciúma
tem potencial para o carvão. O gás da Bolívia
tem condição de suprir 20 milhões de metros
cúbicos por dia…". Por isso, o planejamento é
dito indicativo. Agora, a vontade pertence aos investidores. Eles
é que decidem se vão construir ou não porque
o governo não vai investir na geração, ele
não tem recursos prá isso.
O
fato de o novo sistema ser "determinativo" na transmissão vai garantir
investimento?
Então, por que ele é determinativo? Porque é
um monopólio. Não há como ter mais de uma rede
de transmissão, uma por cima da outra, por isso se fala que
é um monopólio natural. Ou seja, o governo assegura
que vai ter transmissão. Por que ele faz isso? Ou deveria
fazer porque esse é um dos grandes problemas… Ele deveria
fazer isso para que os investidores se sentissem à vontade
para se instalar e efetivamente dizer o seguinte: "eu posso
me instalar aqui porque eu terei transmissão". Só
que, na prática, isso não está acontecendo.
Por
quê?
Só prá ter uma idéia: o racionamento no Sudeste
poderia ser bem menor se tivesse linhas prá transmitir energia
do Sul prá lá. Tem um conjunto de linhas, mas a capacidade
é insuficiente. Isso é um problema sério de
regulamentações políticas. É um arranjo
regulatório confuso. Porque tudo foi desenhado prá
acontecer de uma determinada forma, mas não está acontecendo
dessa forma. Existem desvios ao longo do processo e isso está
fazendo com que não tenha transmissão.
No
seu livro, o Sr. diz que "pelas características de distribuição,
torna-se impeditivo realizar a expansão do sistema no tamanho
exato que é determinado no planejamento ótimo".
Isso implica riscos na expansão do sistema para áreas
com demandas reprimidas, seja por condições geográficas
ou econômicas?
Esse é um detalhe técnico. Você consegue identificar
a capacidade ideal do sistema com modelos matemáticos. O
problema é quando se descobre que precisa de uma linha com
capacidade de 232,8 MWh… Só que você não
compra uma linha com 232,8 MWh em prateleira de supermercado. Normalmente,
você tem linhas com 400 ou 500 MWh… Existe o que a gente
chama de economia de escala. Quer dizer, é mais barato colocar
uma linha com capacidade maior do que exatamente aquilo que eu preciso.
Isso é um detalhe técnico. Agora, a preocupação
com atendimento de demandas reprimidas... Dentro desse processo
de reforma, existe o que se chama de universalização
do consumo de eletricidade, onde tem metas prá serem atingidas.
Por exemplo, uma distribuidora local… Mesmo não sendo
econômico, se está dentro das metas estabelecidas pela
agência reguladora, ela vai atender. E esses custos são
repassados aos consumidores, de uma forma geral. Existe um subsídio.
É claro que, com o passar do tempo, algumas áreas
não podem continuar a serem subsidiadas. Um exemplo que é
o caso das cooperativas de eletrificação rural. Muitas
delas atendem, hoje, centros urbanos, indústrias… Quer
dizer, houve uma evolução ao longo do tempo.
Mas
o Sr. concorda que isso é um problema…
É um problema porque, na prática, o responsável
por aquela área de concessão tende a evitar esse tipo
de investimento. Digamos assim, a conta é passada prá
outro lugar e, nem sempre, você tem um repasse do jeito que
gostaria de ter.
Não
seria interessante o governo participar da geração,
justamente para atender essa demanda que não atrai o investidor
privado?
Tem um substituto de lei no Senado, do senador Aleluia, onde ele
está re-encaminhando a trajetória inicialmente definida
para o processo de privatização. Porque algumas coisas
não estão funcionando bem. Nesse projeto de lei, o
que se propõe é que a energia das empresas estatais
ainda remanescentes seja repassada para as distribuidoras atenderem
o mercado. Parece que tem alguma coisa relacionada a essa universalização
e também com o uso de fontes alternativas.
Tem
alguma energia alternativa que possa entrar nesse mercado?
Hoje, o grande potencial, no caso brasileiro, é a biomassa.
Principalmente, bagaço de cana. Está crescendo também
o aproveitamento de energia eólica. Há uma pressão,
prá quem trabalha nessa área, de usar essas fontes…
Mas tem uma questão crucial. A demanda de eletricidade, no
caso brasileiro, é muito alta. A capacidade do sistema tem
que crescer entre 2.000 e 3.000 MW ao ano. Essas fontes ainda não
têm escala de mercado, são caras. Você não
consegue convencer o investidor que ele tem que suprir a carga com
um custo muito mais alto do que o custo com fontes convencionais.
E
os projetos de auto-produção das indústrias
sucro-alcoleiras, de celulose e papel… Elas vão fazer
parcerias com geradores para se auto-suprir?
Para se auto-suprir e até vender no mercado. Isso é
uma tendência clara, sobretudo, na região de Ribeirão
Preto (SP). A indústria de papel, de celulose… são
indústrias que têm uma vocação natural
para produzir energia elétrica com os seus resíduos.
Essas fontes alternativas estão sendo introduzidas, mas precisa
de um instrumento legal. Quer dizer, o investidor, por vontade própria,
não faz.
Voltando
à questão da energia como "commodity". Ela
é um insumo fundamental, isso é muito claro. Como
condicioná-la a regras de mercado e à perspectiva
de lucro?
Eu diria o seguinte: o que é mais valioso? Água ou
diamante? Prá todos nós, a água. Só
que a água é abundante e o diamante não é.
Essa é a grande diferença, por isso o diamante vale
mais. Quando eu digo que tem um mercado de eletricidade, essa palavra
mercado está dizendo o seguinte: eu tenho um mercado de uma
coisa qualquer. Aí entra a discussão se ela é,
de fato, uma commodity ou não. É uma discussão
filosófica. A partir do momento em que eu aceito esse conceito,
é um mercado. Sendo essencial à vida ou não,
a eletricidade vai ter um preço associado e a sociedade vai
ter que desenvolver a prática de consumir de acordo com o
preço. Se o preço está alto, vai economizar.
Se o preço está baixo, pode consumir um pouco mais.
Apesar de ela ser um bem essencial à vida, pelo uso que se
dá… Num País como o nosso, muitas vezes, tem
muito desperdício.
Mas
também temos pessoas que estão à margem, como
na região norte entre São Paulo e Minas, que nunca
viram energia elétrica… Elas estão ali encostadinhas
nas regiões mais desenvolvidas e não tem luz para
conservar alimentos ou tomar banho.
Isso. É o caso também do sujeito que mora do lado
da barragem e não tem energia. Esse é um problema.
Não é que eu defenda a privatização…
Quem sou eu prá dizer que isso está certo ou errado?
A questão toda é que as geradoras, o planeta inteiro
com esse processo de globalização, estão impondo
esse tipo de conceito. A eletricidade, talvez, tenha sido um dos
últimos pontos a sofrer essa mudança. O petróleo,
telecomunicação, aviação vieram antes…
No passado, a aviação também era regulada.
O
Sr. falou dos problemas da regulação desse mercado.
Será que nós vamos ter energia no final desse túnel?
Olha, só… O mercado está passando, hoje, por
uma série de problemas, como eu já falei. Foi projetado
algo que não está sendo colocado em prática.
Então, o que eu vou falar é uma visão de como
o investidor vê o Brasil. Enquanto continuar esse quadro de
indefinição, eu diria que é muito pouco provável
alguém colocar dinheiro para expandir a capacidade. Por quê?
O dinheiro, que vai ser colocado prá construir uma planta
que dure 30 anos, vem de investidores espalhados pelo planeta, como
fundos de pensões, e quem administra esses fundos tem que
garantir um retorno para os investidores. Digamos que eu quero construir
um projeto no Brasil. Assim como eu quero, tem gente na Tailândia,
em Taiwan, Filipinas, em outros lugares, que querem construir a
mesma coisa. E, não tenha dúvida, que quem vai decidir
está olhando o seguinte: é um negócio. Eu diria
o seguinte… Às vezes, se tem essa visão errada
que o investidor quer ter o maior ganho possível. Ele quer
ter um ganho que satisfaça os seus acionistas, desde que
o risco seja moderado. O problema é que, aqui, a rentabilidade
está baixa. Basta ver os balancetes das distribuidoras e
geradoras. E os riscos são muitos altos. Hoje, você
não sabe o que vai acontecer mês que vem no mercado.
O
Sr. acha que o governo vai ter que entrar com subsídios pesados
para viabilizar novos projetos de geração?
Eu acho que, se ele entrar, vai ser um erro. Se ele entra, ele resolve
o problema de curto prazo, mas tá matando o longo prazo.
Porque ele tá dizendo: não se preocupe porque toda
vez que a coisa ficar ruim, eu entro.
Não
é o que está acontecendo com o gás do Gasoduto
Brasil-Bolívia?
O gasoduto, na verdade, foi uma decisão estratégica
de governo. Ele não tá tendo subsídio. O governo,
na verdade, viabilizou o gasoduto, assegurando que um grupo de participantes
do mercado compre uma cota de consumo.
Quem
vai cobrir as diferenças cambiais?
O consumidor. O que vai acontecer é o seguinte. A Petrobrás
vai acumular essa diferença ao longo do ano e depois ele
repassa. Mas isso é mercado. Novamente. Então, se
o governo entra com subsídio para novos projetos… Como
estão anunciando aí que vão trazer termoelétrica
de barco, isso pode até resolver o problema de curto prazo.
Mas é o pior que pode fazer. O que teria de fazer é
definir o modelo de mercado. Implantar definitivamente o mercado.
Isso que eu comentei sobre o substitutivo de lei, que pode ser que
faça isso, faça aquilo… isso muda totalmente
as relações do mercado porque você pega 80%
da energia e diz que ela continua na mão estatal. Como é
que você vai convencer um investidor privado, que quer ter
liberdade no mercado, a competir com 80% do governo? O governo sempre
pode usar, se desejar usar quando necessário, o seu braço
dentro dessas empresas prá controlar inflação,
por exemplo, baixar preço… Aí, se você
baixa o preço da estatal, derruba o outro lado. Tem que ter
um arranjo regulatório e colocar em prática o que
foi decidido, na época.
Isso
quer dizer que, no final do túnel, pode não ter uma
lâmpada, mas uma vela…
Uma vela… (risos) Não, eu não sou pessimista.
Eu penso que outros mercados tiveram problemas semelhantes. A Colômbia,
no início, teve problemas… A própria Califórnia...
Mas
eram mercados mais organizados. Na Califórnia, inclusive,
com participação popular mais efetiva…
Sem dúvida. A gente tá pagando o preço da nossa
juventude. Primeiro que iniciou-se um processo de privatização,
onde o modelo não está bem definido, mas tinha uma
pressão prá fazer caixa…
O
Sr. fala que, algum dia, o consumidor poderá adquirir energia
pela compra de cartões magnéticos, em bancas de revista.
Como funcionaria isso?
Usando o exemplo da água. Eu posso ter uma tubulação
na minha rua e, lá na outra ponta, eu tenho a empresa X e
a empresa Y injetando água. Eu não vou saber se a
minha água veio da X ou da Y. Então, eu tenho um medidor
eletrônico, onde coloco um cartão com a quantia comprada.
Por exemplo, estou tomando banho e a energia acaba… Ou eu ponho
outro cartão, ou tomo banho frio.
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