Entrevista: O Preço da Energia

Agosto/2001

Edson Luiz da Silva, engenheiro eletricista, doutor em Engenharia Elétrica com ênfase em Sistemas de Energia Elétrica, professor em tempo parcial da Engenharia Elétrica (UFSC), gerente da área de Planejamento e Comercialização de Energia das Centrais Geradoras do Sul do Brasil (Gerasul).

Os assuntos principais são o novo sistema elétrico brasileiro e a formação de preços de energia

Além de professor da UFSC, o Sr. está trabalhando também na Gerasul com a formação de preços de energia, tendo lançado recentemente, inclusive, um livro sobre o tema (Formação de Preços em Mercados de Energia, Editora Sagra Luzzatto). Quais são os objetivos dessa reforma?
No caso brasileiro, os objetivos da reforma são determinados, sobretudo, para trazer investimentos já que o governo não tem mais condição de investir no setor. Então, a alternativa qual é? É fazer uma estruturação que possibilite angariar recursos de investidores para expandir a capacidade do sistema.

Qual será a estrutura do mercado?
Essa estrutura de mercado acontece de tal forma em que você tem que fazer o que se chama de desverticalização, ou seja, separar a geração da transmissão, da distribuição e da comercialização de energia. Você tem que fazer isso porque a transmissão é considerada um monopólio natural e, como todo monópolio, se você deixar a geração com ela também, isso poderia discriminar alguns agentes que gostariam de vender a energia.

Desverticalizar quer dizer colocar todos os segmentos do sistema no mesmo nível…
Até um tempo atrás, tinha empresas que faziam tudo junto: geravam, transmitiam, distribuíam e comercializavam. No novo ambiente, isso não é mais possível. Você tem que separar essas atividades.

O Sr. fala que esse processo está acontecendo seja em países desenvolvidos, seja em países em desenvolvimento. Quais são as características específicas do caso brasileiro? Também gostaria que o Sr. comentasse o caso da Noruega, que é citado no seu livro, como um sistema híbrido.
No caso da Noruega, praticamente toda a geração ficou com o Estado. A diferença fundamental é que, na Noruega, já tinham empresas que pertenciam às municipalidades, como prefeituras, e vinham funcionando bem. O que foi feito foi simplesmente separar. Como eles não tinham a carência de recursos que nós temos, separou e continuou funcionando normalmente. É diferente do nosso caso. Você faz a desverticalização, mas tem que resolver um problema: é preciso expandir a capacidade de uma forma muito mais intensa que na Noruega. Aqui, a pressão de consumo é muito maior. Eles têm recursos, nós não temos. Então, a diferença, aqui, é que é preciso fazer a desverticalização e a privatização. Porque se poderia simplesmente desverticalizar e não privatizar… nos Estados Unidos, as geradoras já eram privadas. As pessoas confundem reestruturação com privatização. Não, o que se faz hoje é a reestruturação. A essência do modelo é a separação. Agora, se vai ser privado ou estatal, é um outro problema. É uma questão de gestão do negócio.

Mas dessa maneira fica mais fácil privatizar…
Depende. Se você separou e o sistema continua funcionando bem…

O que é mercado spot?
No mercado de energia, como qualquer mercado, você tem contratos para fazer as transações. Então, você compra um produto e vai consumindo… O problema é que o consumo nunca é exatamente igual ao que você planejou. Em eletricidade, isso é muito mais acentuado. Por mais que você planeje uma compra, você nunca vai acertar o consumo porque a demanda varia com a temperatura, com o dia da semana, se é feriado… tudo isso. É claro que se tem uma boa precisão, mas sempre existe uma diferença. Então o que acontece? Como sempre haverá um desvio entre o que foi contratado e o que foi usado e você não tem como interromper… "Olha, você contratou 100, eu só te entrego 100. Vá atrás de alguém que queira te vender a diferença…" Isso acontece em outros mercados. No mercado de eletricidade, você recebe o produto e vai consumindo. Depois, alguém diz "olha, você contratou 100 e consumiu 120, então nessa diferença você vai pagar o preço da hora, o preço do momento"… É o preço do mercado spot, do mercado à vista.

É como uma bolsa de Valores…
Isso. Então, o preço pode estar alto, pode estar baixo… Aí começa toda a dificuldade do processo porque eu tenho que prever isso. Eu posso optar, na hora, contratar pouco ou contratar muito, dependendo do preço.

Mas há casos em que tem pagar o preço porque não se pode deixar de consumir energia… O consumidor fica na mão do mercado…
Veja só o que está acontecendo nesse momento. Está tendo racionamento no Sudeste. O preço da energia está R$ 684,00 por MWh. O que acontece com quem não contratou energia? Ele tem que comprar por R$ 684,00 e o preço normal dessa energia é de R$ 100. Ou seja, ele está pagando seis vezes mais. O que acontece? Ele quebra. A outra alternativa que o consumidor tem é não consumir, parar a produção. É o que está acontecendo. Muitos setores eletro-intensivos, que consomem muito, estão parando a produção para não consumir e, em alguns casos, até vendendo a cota que seria deles.

Que tipo de "hedging", ou seja, de proteção o consumidor pode ter para reduzir a exposição a esse risco de preços? Na Colômbia, segundo seus dados, os preços subiram 423% em seis meses…
Exatamente. Como qualquer commodity… Aliás, a energia é tratada como qualquer commodity, embora seja discutível se ela é uma commodity. Então, você tem oscilações de preços ao longo do ano. O caso da laranja, por exemplo. Se tem um clima adverso nos Estados Unidos, automaticamente o preço da laranja sobe no mercado. A eletricidade segue o mesmo princípio. Se você tem água, tem preço baixo. Se não tem água, tem preço alto. Bom, como é difícil prever o comportamento das afluências, da hidrologia, é difícil prever o preço. Tem que ter habilidade para desenvolver mecanismos de hedging. O que é um hedging? Eu posso fazer um contrato contigo e combinar o seguinte: se o preço ultrapassar um determinado valor, você deixa de consumir. É um tipo de hedging. Porque se você quiser continuar consumindo, eu vou ter que te cobrar mais porque eu vou dar 100% de garantia do fornecimento. Aí o problema não é mais seu, ou do consumidor, passa a ser meu, como fornecedor. Então, eu tenho que ter condição de avaliar o risco e internalizar isso ao preço do contrato. Um instrumento simples de hedging seria esse: se o preço chegar a um determinado valor, você não consome, eu não preciso te entregar, logo não preciso comprar. Porque mesmo sendo gerador, nesse momento, eu posso não ter o produto para entregar. Eu também posso combinar contigo que toda vez que o preço ultrapassar um determinado valor, nós compartilhamos esse aumento. Então, toda vez que o preço baixar muito, eu também não te cobro tanto. Tudo é um processo de negociação. Eu posso contratar uma seguradora para cobrir a diferença. São eventos de pouca probabilidade, mas tem que se proteger porque se acontecer, você pode quebrar. Não tenha dúvida.

Isso ocorre mais para preços de energia com geração hidrelétrica?
Não, pode ocorrer com todos os tipos de geração.

Mas essa geração é mais suscetível a externalidades não controláveis como as próprias condições hidrológicas…
Exatamente.

E as termoelétricas?
Ela pode falhar. Ela falha constantemente. O índice de disponibilidade de uma termoelétrica não é tão alto quanto uma hidrelétrica. A termoelétrica tem muita mecânica. Então, se ela falha, alguém tem que fornecer a energia…

Mesmo instituições como escolas e hospitais vão ficar expostas a isso?
Então, eu entendo o posicionamento… Puxa, largar esses consumidores aí nesse mercado hostil… Aí existe a diferença entre consumidores cativos e consumidores livres. Então, existem consumidores dessa natureza, hospitais, escolas, que são considerados consumidores cativos. Eles têm a opção de serem livres, esse consumidor não é obrigado a ser livre. Obviamente, ele não vai fazer a opção por ser livre porque ele sabe disso. Então, por que o outro, uma indústria, vai ser livre? Bom, para ela pode ser interessante porque vai ter flexibilidade. Quando falo nessas transações, estou falando no grosso do mercado atacadista e no mercado de consumidores efetivamente livres.

Quais são os mecanismos de formação desses preços?
O que basicamente define o preço, como em qualquer mercado, é o ponto de equilíbrio que precisa ser encontrado entre oferta e demanda. Se a demanda está alta e não tem oferta, como está acontecendo agora, o preço dispara. Então, vamos pensar assim: cada gerador tem um custo de produção. O que vou fazer? Vou procurar formar uma 'pilha' de geradores até que esses geradores consigam atender à demanda. O preço do mercado vai ser o preço do último gerador a ser despachado, o mais caro deles. Por que é o mais caro? Por que não é a média dessa 'pilha'? Porque a média vai ser menor do que o preço mais alto e, automaticamente, esse gerador com preço mais alto não vai querer fornecer energia. "Ah, então, eu não quero. Eu não vou gerar". Aí o próprio consumidor vai dizer: "Não, volta prá cá". Porque ele sabe que esse o gerador for embora, o próximo da pilha, que tinha ficado fora, vai ter o preço mais caro que esse. A lógica do mercado é assim. Não adianta o meu custo ser baixo. Se eu vejo que tem alguém vendendo pelo preço mais alto, a lógica do mercado determina que o preço seja definido pelo mais alto. (…) O preço não depende dos meus custos. O preço é o mercado que define. Se os meus custos estão abaixo desse preço, vale a pena gerar, vale a pena construir, investir numa nova planta de geração.

Esses preços vão agregar os custos da degradação ambiental? Isso está relacionado ao que se chama "custos marginais"?
No passado, essas externalidades sempre foram consideradas no projeto, mas não eram internalizadas no custo total do projeto. Porque se degradava o ambiente e, na verdade, quem estava pagando por isso era a sociedade, a população ao redor daquele aproveitamento. Então, você acabava tendo, muitas vezes, uma energia barata. Na verdade, não era barata porque isso estava sendo subsidiado, uma parcela da população estava pagando aquele custo ambiental para uma grande maioria poder usufruir a energia. O que acontece, hoje, principalmente com a organização das populações atingidas por essa degradação, é que quem ganha uma área para aproveitamento, por licitação, sabe que vai ter que ressarcir os custos ambientais, a re-locação da população, etc… Obviamente, ele vai ter que internalizar isso nos custos.

A regulamentação do MAE (Mercado de Ações de Energia) prevê algum dispositivo de proteção ambiental?
Não. Uma coisa é o preço lá no mercado. Outra é decidir se ponho o aproveitamento ou não. Então, se eu ganho uma licitação para explorar a água naquela região, tenho que saber que vou ter custos. Vou ter que re-locar aquela população, tratar do ecossistema, tem uma série de custos associados. Quando eu for vender a energia, vou agregar esses custos. O que acontece é que o mercado pode não estar disposto a pagar isso. Então, se ele não está disposto, eu não faço.

Isso vale somente para os projetos novos, os novos investidores…
Isso. Os custos dos projetos passados estão sendo absorvidos pela sociedade… O que tem acontecido mais recentemente são pressões para que as plantas termoelétricas existentes diminuam o nível de emissão de poluentes. Isso está acontecendo. A propósito, isso foi um dos motivos que levou à crise lá na Califórnia (Estados Unidos). Porque o nível de emissão era alto e cada usina tem uma espécie de certificado de quanto pode causar de emissão. Agora, no nosso País, isso ainda é recente.

O que significa o fato de o novo sistema ser "determinativo" na transmissão e "indicativo" na geração?
Como você tem um mercado na geração da energia, não há como dizer: "você vai construir". É mercado, constrói quem quer. O que o governo faz é um planejamento indicativo da geração. Ele diz assim: "Essa cascata do rio pode ser usada para construir uma usina aqui e ali. Essa região, digamos Criciúma tem potencial para o carvão. O gás da Bolívia tem condição de suprir 20 milhões de metros cúbicos por dia…". Por isso, o planejamento é dito indicativo. Agora, a vontade pertence aos investidores. Eles é que decidem se vão construir ou não porque o governo não vai investir na geração, ele não tem recursos prá isso.

O fato de o novo sistema ser "determinativo" na transmissão vai garantir investimento?
Então, por que ele é determinativo? Porque é um monopólio. Não há como ter mais de uma rede de transmissão, uma por cima da outra, por isso se fala que é um monopólio natural. Ou seja, o governo assegura que vai ter transmissão. Por que ele faz isso? Ou deveria fazer porque esse é um dos grandes problemas… Ele deveria fazer isso para que os investidores se sentissem à vontade para se instalar e efetivamente dizer o seguinte: "eu posso me instalar aqui porque eu terei transmissão". Só que, na prática, isso não está acontecendo.

Por quê?
Só prá ter uma idéia: o racionamento no Sudeste poderia ser bem menor se tivesse linhas prá transmitir energia do Sul prá lá. Tem um conjunto de linhas, mas a capacidade é insuficiente. Isso é um problema sério de regulamentações políticas. É um arranjo regulatório confuso. Porque tudo foi desenhado prá acontecer de uma determinada forma, mas não está acontecendo dessa forma. Existem desvios ao longo do processo e isso está fazendo com que não tenha transmissão.

No seu livro, o Sr. diz que "pelas características de distribuição, torna-se impeditivo realizar a expansão do sistema no tamanho exato que é determinado no planejamento ótimo". Isso implica riscos na expansão do sistema para áreas com demandas reprimidas, seja por condições geográficas ou econômicas?
Esse é um detalhe técnico. Você consegue identificar a capacidade ideal do sistema com modelos matemáticos. O problema é quando se descobre que precisa de uma linha com capacidade de 232,8 MWh… Só que você não compra uma linha com 232,8 MWh em prateleira de supermercado. Normalmente, você tem linhas com 400 ou 500 MWh… Existe o que a gente chama de economia de escala. Quer dizer, é mais barato colocar uma linha com capacidade maior do que exatamente aquilo que eu preciso. Isso é um detalhe técnico. Agora, a preocupação com atendimento de demandas reprimidas... Dentro desse processo de reforma, existe o que se chama de universalização do consumo de eletricidade, onde tem metas prá serem atingidas. Por exemplo, uma distribuidora local… Mesmo não sendo econômico, se está dentro das metas estabelecidas pela agência reguladora, ela vai atender. E esses custos são repassados aos consumidores, de uma forma geral. Existe um subsídio. É claro que, com o passar do tempo, algumas áreas não podem continuar a serem subsidiadas. Um exemplo que é o caso das cooperativas de eletrificação rural. Muitas delas atendem, hoje, centros urbanos, indústrias… Quer dizer, houve uma evolução ao longo do tempo.

Mas o Sr. concorda que isso é um problema…
É um problema porque, na prática, o responsável por aquela área de concessão tende a evitar esse tipo de investimento. Digamos assim, a conta é passada prá outro lugar e, nem sempre, você tem um repasse do jeito que gostaria de ter.

Não seria interessante o governo participar da geração, justamente para atender essa demanda que não atrai o investidor privado?
Tem um substituto de lei no Senado, do senador Aleluia, onde ele está re-encaminhando a trajetória inicialmente definida para o processo de privatização. Porque algumas coisas não estão funcionando bem. Nesse projeto de lei, o que se propõe é que a energia das empresas estatais ainda remanescentes seja repassada para as distribuidoras atenderem o mercado. Parece que tem alguma coisa relacionada a essa universalização e também com o uso de fontes alternativas.

Tem alguma energia alternativa que possa entrar nesse mercado?
Hoje, o grande potencial, no caso brasileiro, é a biomassa. Principalmente, bagaço de cana. Está crescendo também o aproveitamento de energia eólica. Há uma pressão, prá quem trabalha nessa área, de usar essas fontes… Mas tem uma questão crucial. A demanda de eletricidade, no caso brasileiro, é muito alta. A capacidade do sistema tem que crescer entre 2.000 e 3.000 MW ao ano. Essas fontes ainda não têm escala de mercado, são caras. Você não consegue convencer o investidor que ele tem que suprir a carga com um custo muito mais alto do que o custo com fontes convencionais.

E os projetos de auto-produção das indústrias sucro-alcoleiras, de celulose e papel… Elas vão fazer parcerias com geradores para se auto-suprir?
Para se auto-suprir e até vender no mercado. Isso é uma tendência clara, sobretudo, na região de Ribeirão Preto (SP). A indústria de papel, de celulose… são indústrias que têm uma vocação natural para produzir energia elétrica com os seus resíduos. Essas fontes alternativas estão sendo introduzidas, mas precisa de um instrumento legal. Quer dizer, o investidor, por vontade própria, não faz.

Voltando à questão da energia como "commodity". Ela é um insumo fundamental, isso é muito claro. Como condicioná-la a regras de mercado e à perspectiva de lucro?
Eu diria o seguinte: o que é mais valioso? Água ou diamante? Prá todos nós, a água. Só que a água é abundante e o diamante não é. Essa é a grande diferença, por isso o diamante vale mais. Quando eu digo que tem um mercado de eletricidade, essa palavra mercado está dizendo o seguinte: eu tenho um mercado de uma coisa qualquer. Aí entra a discussão se ela é, de fato, uma commodity ou não. É uma discussão filosófica. A partir do momento em que eu aceito esse conceito, é um mercado. Sendo essencial à vida ou não, a eletricidade vai ter um preço associado e a sociedade vai ter que desenvolver a prática de consumir de acordo com o preço. Se o preço está alto, vai economizar. Se o preço está baixo, pode consumir um pouco mais. Apesar de ela ser um bem essencial à vida, pelo uso que se dá… Num País como o nosso, muitas vezes, tem muito desperdício.

Mas também temos pessoas que estão à margem, como na região norte entre São Paulo e Minas, que nunca viram energia elétrica… Elas estão ali encostadinhas nas regiões mais desenvolvidas e não tem luz para conservar alimentos ou tomar banho.
Isso. É o caso também do sujeito que mora do lado da barragem e não tem energia. Esse é um problema. Não é que eu defenda a privatização… Quem sou eu prá dizer que isso está certo ou errado? A questão toda é que as geradoras, o planeta inteiro com esse processo de globalização, estão impondo esse tipo de conceito. A eletricidade, talvez, tenha sido um dos últimos pontos a sofrer essa mudança. O petróleo, telecomunicação, aviação vieram antes… No passado, a aviação também era regulada.

O Sr. falou dos problemas da regulação desse mercado. Será que nós vamos ter energia no final desse túnel?
Olha, só… O mercado está passando, hoje, por uma série de problemas, como eu já falei. Foi projetado algo que não está sendo colocado em prática. Então, o que eu vou falar é uma visão de como o investidor vê o Brasil. Enquanto continuar esse quadro de indefinição, eu diria que é muito pouco provável alguém colocar dinheiro para expandir a capacidade. Por quê? O dinheiro, que vai ser colocado prá construir uma planta que dure 30 anos, vem de investidores espalhados pelo planeta, como fundos de pensões, e quem administra esses fundos tem que garantir um retorno para os investidores. Digamos que eu quero construir um projeto no Brasil. Assim como eu quero, tem gente na Tailândia, em Taiwan, Filipinas, em outros lugares, que querem construir a mesma coisa. E, não tenha dúvida, que quem vai decidir está olhando o seguinte: é um negócio. Eu diria o seguinte… Às vezes, se tem essa visão errada que o investidor quer ter o maior ganho possível. Ele quer ter um ganho que satisfaça os seus acionistas, desde que o risco seja moderado. O problema é que, aqui, a rentabilidade está baixa. Basta ver os balancetes das distribuidoras e geradoras. E os riscos são muitos altos. Hoje, você não sabe o que vai acontecer mês que vem no mercado.

O Sr. acha que o governo vai ter que entrar com subsídios pesados para viabilizar novos projetos de geração?
Eu acho que, se ele entrar, vai ser um erro. Se ele entra, ele resolve o problema de curto prazo, mas tá matando o longo prazo. Porque ele tá dizendo: não se preocupe porque toda vez que a coisa ficar ruim, eu entro.

Não é o que está acontecendo com o gás do Gasoduto Brasil-Bolívia?
O gasoduto, na verdade, foi uma decisão estratégica de governo. Ele não tá tendo subsídio. O governo, na verdade, viabilizou o gasoduto, assegurando que um grupo de participantes do mercado compre uma cota de consumo.

Quem vai cobrir as diferenças cambiais?
O consumidor. O que vai acontecer é o seguinte. A Petrobrás vai acumular essa diferença ao longo do ano e depois ele repassa. Mas isso é mercado. Novamente. Então, se o governo entra com subsídio para novos projetos… Como estão anunciando aí que vão trazer termoelétrica de barco, isso pode até resolver o problema de curto prazo. Mas é o pior que pode fazer. O que teria de fazer é definir o modelo de mercado. Implantar definitivamente o mercado. Isso que eu comentei sobre o substitutivo de lei, que pode ser que faça isso, faça aquilo… isso muda totalmente as relações do mercado porque você pega 80% da energia e diz que ela continua na mão estatal. Como é que você vai convencer um investidor privado, que quer ter liberdade no mercado, a competir com 80% do governo? O governo sempre pode usar, se desejar usar quando necessário, o seu braço dentro dessas empresas prá controlar inflação, por exemplo, baixar preço… Aí, se você baixa o preço da estatal, derruba o outro lado. Tem que ter um arranjo regulatório e colocar em prática o que foi decidido, na época.

Isso quer dizer que, no final do túnel, pode não ter uma lâmpada, mas uma vela…
Uma vela… (risos) Não, eu não sou pessimista. Eu penso que outros mercados tiveram problemas semelhantes. A Colômbia, no início, teve problemas… A própria Califórnia...

Mas eram mercados mais organizados. Na Califórnia, inclusive, com participação popular mais efetiva…
Sem dúvida. A gente tá pagando o preço da nossa juventude. Primeiro que iniciou-se um processo de privatização, onde o modelo não está bem definido, mas tinha uma pressão prá fazer caixa…

O Sr. fala que, algum dia, o consumidor poderá adquirir energia pela compra de cartões magnéticos, em bancas de revista. Como funcionaria isso?
Usando o exemplo da água. Eu posso ter uma tubulação na minha rua e, lá na outra ponta, eu tenho a empresa X e a empresa Y injetando água. Eu não vou saber se a minha água veio da X ou da Y. Então, eu tenho um medidor eletrônico, onde coloco um cartão com a quantia comprada. Por exemplo, estou tomando banho e a energia acaba… Ou eu ponho outro cartão, ou tomo banho frio.

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