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Edmilson
Moutinho dos Santos, engenheiro eletricista, professor
doutor, área de economia de energia, do Instituto de
Eletrotécnica e Energia da USP (SP).
Os assuntos principais são crise de eletricidade e
políticas energéticas.
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O
Sr. diz, em seus artigos, que o sistema político na área
de energia está destroçado pela crise, que o ministro
não tem poder nenhum, o Conselho de Política Nacional
foi atropelado pela Câmara de Gestão e as estratégias
adotadas acabam não resolvendo o problema. Na verdade, elas
são "o caminho direto para a guilhotina dos apagões".
Onde é que estão os erros e os equívocos?
Independente das opções, o ordenamento institucional
se esvaziou. É difícil entender como isso se deu,
talvez a coisa seja bem mais complexa. Além do que, a gente
não sabe como é que se faz… Nunca tive uma experiência
governamental, então não sei exatamente como se dá
na prática essa distribuição de poderes entre
as bases governistas. Infelizmente, as bases governistas, no Brasil,
acabam sendo as bases dos papas partidários, os respectivos
donos do partido. Eu imagino que o PSDB, tendo que escolher o que
seria estratégico para sustentar o governo, acabou escolhendo
aquilo que, finalmente, eu acho que eu teria escolhido: o controle
da economia. Na verdade, o Malan faz mais um papel de primeiro ministro
do que de ministro da Fazenda. O parlamentarismo perdeu, mas vivemos
algo similar, porque nós temos um primeiro ministro não
oficializado que acaba ditando as regras, o que é pior. Como
ele não é primeiro ministro de fato, ele não
pode e não deve responder como se fosse. Se oficializássemos
isso, ele teria que assumir as responsabilidades de todas as pastas,
já que ele interfere em todas as pastas. Acho que começa
daí, de fato, a desordem. Em seguida, seguram a pasta de
educação, porque eu acho que eles encararam a educação
como área prioritária, eu teria escolhido a mesma
coisa, e a saúde, e aí estão os ministérios
do PSDB do presidente. Quer dizer, esse era o cacife que o presidente
tinha na distribuição de poderes. O problema é
que a parte de energia então caiu na mão do PFL, com
os ministros indicados até pelo Antônio Carlos Magalhães.
O problema é que, nessas indicações, de 1985
para cá, se foi perdendo a questão energética.
A gente vê até pela queda no número de estudantes
nos departamentos de energia, a qualidade dos estudantes vinha caindo;
a energia deixou de ser um problema interessante para o jovem e,
enfim, para a sociedade. Porque se começou a privilegiar
a questão das telecomunicações, a questão
da informática, a Internet; são questões muito
mais dinâmicas, muito mais interessantes, então dedicou-se
todas as atenções para essas questões modernas
da nova economia, todo esse negócio aí.
Mas
a energia é uma questão fundamental.
Exatamente. A energia ainda é o sangue da sociedade. Realmente
ninguém dá mais bola para sangue, mesmo na medicina
ocorre coisas similares, você tem coisas muito mais interessantes
para estudar do que estudar sangue, mas sem sangue não adianta…
Isso
no plano de governo atual, mas desde o começo da década
de 1990 começou a haver indicações dos fomentadores
internacionais, dos nossos credores, para começar a diminuir
a participação do Estado no setor...
Isso reforça o fato de que a questão energética
passou a ser uma mera questão de privatização,
de mudança do ordenamento da propriedade do ativo, de redefinição
do papel do estado, toda essa parte de regulação...
Muito bem, só que isso não gera energia.
Nessa
época, os especialistas acadêmicos já começam
a alertar sobre o problema com a expansão da capacidade.
Em 1994 foi feito o primeiro Congresso de Planejamento Energético,
a Eletrobrás financiou, a Petrobrás financiou, se
sabia que tinha tecnologia para diversificar a matriz...
É, esse apoio das grandes empresas estatais acaba se confundindo
com a briga institucional porque, na verdade, tirando interesses
outros que possam existir… Devem existir, não vamos
esquecer… Aí já não é questão
de energia, é questão de polícia… Mas
tirando essas questões, a briga institucional é uma
questão de eficiência, de tentar eliminar alguns dos
vícios dos grandes monopólios do Estado. A Eletrobrás
sempre teve vícios muito sérios, a própria
Petrobrás; entre eles todo o projeto do milagre econômica,
toda a construção das grandes empresas que eu costumo
dizer que são obras keynesianas, leninistas… Você
usa o Estado para antecipar muito o consumo, gera uma super-oferta
de energia e leva anos até que o consumo iguale a oferta
outra vez. Quando você tem capital barato, isso está
muito bem, mas num país pobre, super endividado… Uma
boa parte da dívida é justamente por isso mesmo. Na
realidade dos mercados financeiros, já não se encontra
mais capital barato. Os bancos cobram juros altos e avaliam os riscos
como não avaliavam antes. Antes até emprestavam mal…
Quantos bancos quase não quebraram, no início dos
anos 1980, porque haviam emprestado muito mal…
Na
década de 1980, o Brasil empresta dinheiro à Polônia,
a juros baixíssimos.
É aquela idéia do contexto: você usando o Estado,
o dinheiro dos outros para fazer política. Então,
quando as empresas estatais passam a suportar algumas áreas
da academia, digamos… Vamos ser honestos, algumas partes da
academia, os nossos grupos de energia, em particular, pecamos também
por isso. Sempre dependemos muito dessas relações
com as empresas estatais. A maior parte das nossas atividades de
pesquisa, a maior parte dos nossos laboratórios sempre foram
fomentados pelo governo. Então também era suspeito,
digamos assim, a relação desse grupo de acadêmicos
já sinalizando um potencial de crise, as empresas dando um
apoio irrestrito a esses acadêmicos… Eu não critico
o governo por não confiar nessas afirmações
e nessas críticas que se fazia dentro da academia. O que
eu critico o governo é não ter criado um sistema de
alerta próprio, um sistema de vigilância. Ok, se não
se acredita na academia, nas pessoas que estão estudando
isso, porque se acha que elas são suspeitas, não se
acredita nas empresas de Estado, porque você está justamente
querendo privatizá-las e acha que eles estão só
defendendo os interesses da corporação... Bom, tudo
bem, você tem que acreditar em alguma coisa, então
cria um arcabouço próprio de pesquisa e de análise,
de acompanhamento. Mas se não faz isso, por que então
que você privatiza? Por que é que você faz a
modernização do Estado? Principalmente para cortar
custos administrativos. Na verdade, as duas coisas acabam caminhando
paralelo: você esvazia o Ministério de Minas e Energia,
os salários são retidos, corta-se muita gente…
O Ministério hoje vive de consultores, consultores que, a
cada ano, mudam, porque nunca se pode garantir a permanência
deles. Então se esvaziou o ministério, esvaziou as
pessoas que entendiam, que tinham histórico… Esvaziou,
justamente, o observador independente. Na academia você não
confia, nas empresas estatais você não confia, e ainda
esvazia o teu observatório... É o caos anunciado.
E, ainda por cima, ocorre essa divisão de poderes, isso deve
ter reflexos em termos da locação de recursos…
Então, eu diria que esse é o caos institucional, independente
das opções energéticas. (…) Para podermos
entrar na questão das opções, nós temos
que entender o que foi o problema mesmo. A falta de chuva é
evidente, mas o sistema… O sistema funciona e deve funcionar
de forma integrada, o que quer dizer que há um despacho das
usinas, mesmo em competição, que vai ser um despacho
centralizado. E quem diz para cada usina como é que tem que
despachar e quanto, até máquina a máquina,
esse controle centralizado, é o tal do ONS. O Operador Nacional
do Sistema, que é uma entidade constituída pelas próprias
empresas. Qual é a idéia? A idéia é
que o sistema tem capacidade de armazenamento plurianual de água,
ele pode regularizar as chuvas ao longo de 4 ou 5 anos. Quando você
tem um sistema operando dessa forma normal, nós não
dependemos dos fluxos das águas porque nós temos os
estoques das águas nas represas. Então, se um ano
chove pouco, como choveu esse ano, o ano que vem vai chover mais,
ou se não chover no ano que vem, chove no outro; e você
não depende do tal fluxo das águas…
Aí
não vai entrando naquela reserva, não queima a gordura,
digamos.
Exato. Nós fomos entrando nessa gordurinha… O que é
um parque hidrelétrico? O pessoal, às vezes, fica
bravo comigo, mas na verdade é isso... Uma hidrelétrica
é um pouco de água e muito capital. Quando você
constrói um parque desse porte, com esse recurso regularizador
das águas, muito capital é investido. "Ah, o
Brasil tem o privilégio de rios caudalosos e é por
isso que nós pudemos construir esse parque hidrelétrico".
Isso é uma verdade parcial. Tem muita mentira nesse sentido.
Se colocar, por exemplo, turbina nos leitos dos rios para aproveitar
só o fluxo das águas, nós geraríamos
muito menos energia. Ainda dependeríamos mais das águas
das chuvas, seríamos extremamente vulneráveis à
chuva. Como é que nós deixamos de ser vulneráveis
à chuva? E como é que nós aumentamos o poder
das águas gerarem energia no Brasil? Com muito capital, construindo
barragens, construindo reservatórios imensos... Enfim, quando
você começa a atacar os estoques das águas,
na verdade, você já está consumindo o capital,
porque você está consumindo aquele aterro em que a
água é estocada. A água é um recurso
renovável, mas a água estocada não é
tão renovável assim. Nós levaremos alguns anos
para recuperar os níveis dos reservatórios, não
vai ser de um ano para o outro. Depois… Itaipu, por exemplo.
Itaipu, apesar de ser o maior lago do sistema, não tem capacidade
de armazenamento. Toda a água que chega tem que fluir. Ou
verte ou passa nas turbinas. Então, determinadas chuvas só
geram catástrofes, o Espírito Santo outro dia teve
alagamento... Ali gera só catástrofe mesmo. Tem que
chover no sul de Minas, naquela região onde tem os grandes
reservatórios do sistema e esses continuam secos. Se você
não der fôlego para esses reservatórios recuperarem
os níveis de segurança, nós vamos entrar no
que eu chamo as rotinas de apagões… Quer dizer, estamos
constantemente dependendo dos fluxos das águas. E aí
um ano pode ser bom, mas quando for bom é capaz de perdermos
as águas, se elas caírem no lugar errado, como acontece
aqui no Sul.
O
volume concentrado de chuvas sobre as grandes, cidades como São
Paulo, não pode ser absorvido pelas PCHs (pequena centrais
hidrelétricas)?
Claro, as PCHs são uma das soluções que você
também pode pensar, mas elas não vão ter esse
papel regularizador. Pode até ter um papel regularizador
micro-regional em algumas áreas. (…) Esse grande sistema,
na verdade, é muito caro e só foi possível
construir porque nós tínhamos como nos endividarmos
barato, só que a um custo social muito grande porque enquanto
o Estado investiu nisso, se criou esse mundo de miséria,
investiu-se pouco na educação, investiu-se pouco em
tecnologia. Energia era vista como essencial, a escolha da sociedade
foi essa. Como é que foi se criando o sentimento de excesso
de energia? É porque esse sistema foi super-ofertado. Quando
Itaipu começou a operar, por exemplo, a CESP estava em pleno
processo de construção das suas grandes represas.
Eu me lembro de que meu pai levava a gente para passear e tirar
foto daquelas águas ali do Rio Tietê... Era bonito
de ver! Uma hidrelétrica, quando está paradinha, é
quando está funcionando bem, porque toda a água está
passando nas turbinas. Quando tem aqueles filetes de água
bonitos que a gente vê, como acontece aqui no Sul às
vezes, é porque você não tem capacidade de acumular
a água, você está jogando energia fora. São
Paulo ficou anos vertendo água porque nós éramos
obrigados a consumir a energia de Itaipú. Isso quer dizer
que foi criada uma capacidade de geração muito acima
da capacidade de consumo e aí se começou a estimular
qualquer uso possível de eletricidade. Esse é o único
país do mundo em que você tem chuveiro elétrico!
É
o que o prof. Goldemberg chama de comer a goiabada com colher de
prata...
O que é um absurdo… Um dos defensores disso fala que
"essa é uma tecnologia barata, com 15 reais você
proporciona água quente para a classe mais pobre". É
realmente, qualquer um pode comprar um chuveiro tipo ducha Corona.
Só que aí tem um problema de sustentabilidade, ou
de economia, energia em sociedade e meio ambiente… Você
não está considerando todas as externalidades. O sujeito
que compra aquele chuveiro, só enxerga o custo do chuveirinho.
Aí realmente é barato, mas todo o custo da sociedade
para produzir energia, para proporcionar energia para ele ali, e
todas essas barragens que estão lá atrás para
abastecer isso, ninguém conta.
Ou
não conhece…
Não, mas a gente sente no bolso porque uma boa parte da nossa
dívida externa é isso. Nós estamos pagando
indiretamente, primeiro com inflação, agora estamos
pagando com a crise. O pobre acaba sempre pagando mais quando é
assim. Quando tem inflação, por exemplo, quem paga
mais é o pobre. Quando se corta a capacidade do Estado de
investir, normalmente quem perde é o pobre, porque o Estado,
preferencialmente, acaba investindo para os pobres. Enfim, o pobre
está pagando caro por esse sistema maluco, só que
ele não vê. Então, quem defende chuveiro elétrico
ou é um falso ideólogo ou então está
sendo maldoso. Mas, você vê, quanto uso térmico
de eletricidade que a gente tem nesse País!. Você vai
em uma padaria tudo é térmico, a máquina de
pãozinho é térmica, o capuccino é térmico,
a sandubeira é térmica… Trouxemos aí uns
fogãozinhos bonitos da França… A França
fez o mesmo caminho, só que eles só vão pagar
daqui a mil anos porque eles construíram usinas nucleares.
Mas eles fizeram o mesmo erro, jogaram para daqui mil anos a conta
dos erros de hoje. A nossa conta é mais curta, nós
estamos pagando o que os nossos pais fizeram. (…) Você
cria um sistema que é muito caro, muito acima da oferta e
gera uma super oferta e toda uma demanda errada da eletricidade.
Então, é esse o ponto que nós estamos.
Uma
demanda subsidiada…
Isso, mas daí as coisas começam a se confundir, porque
você fala: "se eu privatizo, eu posso liberar as tarifas
para que elas realmente reflitam os valores econômicos".
As coisas vão se misturando, a questão da instituição
e a questão física da energia. Eu sempre fui a favor
de mercado competitivo, mas vamos ser práticos, hoje não
tem sentido, não tem condições.
Ninguém
quer investir.
Como é que você vai obrigar o consumidor a assumir
o risco do mercado competitivo numa situação de escassez
de energia, em que as tarifas tendem a ser explosivas e as volatilidades
desses preços tendem a ficar politicamente inaceitáveis?.
Então, hoje o nosso problema é físico. Ficar
discutindo questões institucionais, não sei se faz
muito sentido. Poderíamos fazer, talvez, até uma moratória
institucional com um prazo de transição até
igualarmos um pouco a questão da oferta e do consumo. Nós
fomos consumindo essa oferta e não fomos percebendo isso.
Primeiro por causa dessa falta de informação que a
ordem institucional criou, mas segundo porque nós viemos
depois de muitos anos de super oferta, porque em todos a década
de 1980, o sistema girou com grande capacidade. Alguns investimentos
ainda foram sendo feitos, algumas obras paradas foram sendo terminadas,
então não houve assim um sinal muito claro de que
se estava consumindo esses estoques.
Aí
em 1994, chega o plano Real, consegue controlar a inflação,
aumenta um pouquinho a renda e dispara a venda de eletrodomésticos...
E aí começa a ter um grande choque na demanda, e principalmente
nessa demanda maluca, nessa demanda errada. Então eu acho
que a gente tem que dar uma parada e pensar quais são as
opções. Primeiro, não faz muito sentido continuar
a manipular os preços para justificar a mudança institucional.
Eu acho que nós perdemos aí e temos que esfriar um
pouco. O problema não é mais de ordem institucional…
Quando você vai mudar uma ordem institucional, vai criar uma
forma de otimizar o sistema, porque daí os preços
estão mais próximos da realidade, se cria mais competição.
Uma maior competição tende a criar tarifar mais baixas
e aí você transfere uma parte desse benefício
da ordem institucional para o consumidor. Aqui não vai acontecer
isso, porque, como tem escassez de energia, você não
vai ter reduções de tarifas, pelo contrário,
você corre o risco de ter tarifas explosivas e não
justificáveis. Mas você não precisa passar toda
essa conta para o consumidor. Eu acho que a primeira questão
é falar: "vamos fazer um moratória, sei lá,
de uns cinco ou seis anos". É o tempo de criar uma transição
e mudar um pouco a matriz energética e, aí sim, no
próximo governo, daqui uns cinco ou seis anos, se decide
qual é a opção. Porque hoje nós precisamos
das empresas de Estado, com todos os malefícios que possam
ter de corrupção, de excessos de obras, de corporativismo…
Hoje você precisa da empresa de Estado, que tem uma percepção
do risco no investimento muito mais baixo porque ela não
vê a questão de rentabilidade do investimento. Só
que isso inviabiliza o mercado competitivo, porque tem uma oportunidade
de negócio e o investidor privado está vislumbrando
aproveitar isso, mas está esperando uma rentabilidade grande.
Aí o setor público vem e faz um investimento…
Por exemplo, se o setor público vem e constrói Angra
3… Você matou todas as oportunidades de termelétricas
a gás, no Rio de Janeiro, por uns tempos. Porque não
vai ter mercado. Aí então, o gás natural para
gerar eletricidade acabou nesse País por uns anos... Então,
o setor público interferindo com o investimento, cria problemas
com o investidor privado. Não dá para ter as duas
coisas ao mesmo tempo. E, simplesmente, para depender do mercado
competitivo, do investidor privado nessa situação
de risco que nós estamos vivendo, você vai ter que
oferecer ao investidor uma rentabilidade muito grande.
E
as tarifas teriam que ser altas...
As tarifas teriam que ser muito altas. Então, será
que é o momento de trazer esse custo para a sociedade? Claro
que não é só esse setor da economia brasileira
que está em situação precária, procurando
se posicionar no mundo globalizado. Todas as áreas da economia
brasileira estão querendo competir, mas nenhuma é
competitiva imediatamente. Então, você vai impor custos
de tarifas de eletricidade muito altos de uma hora para a outra
para justificar o que? Não faz muito sentido. Eu também
não sou a favor da energia subsidiada, mas hoje você
vai dar um salto e tirar do bolso do consumidor uma parte ainda
maior de renda, quando ele poderia estar consumindo com bobagens,
mas que ajudariam a tirar o país da recessão? Eu acho
que não precisava disso. Você tem opções
energéticas mais interessantes, só que elas não
são tão imediatas. As PCHs não vão ter
esse papel de regularizar as águas, mas podem ajudar a regularizar
justamente essas pontas que são criadas pelo uso errado da
eletricidade. O sistema tem que alimentar toda a carga de ponta
e ela é muito desbalanceada por causa dos usos de eletricidade
que se faz, principalmente por causa do chuveiro elétrico.
Então, a PCH pode ajudar nesse processo. São os níveis
menores que podem acumular água e gerar na hora de ponta
e até vender a eletricidade mais cara. Você pode vender
mais caro e o sistema compra essa eletricidade mais cara porque
ele também está vendendo mais caro para o consumidor.
Então, a PCH, em geral, tem um papel interessante a cumprir,
nesse sentido.
E
as outras formas de geração?
Por exemplo, energia solar. Não falo de fotovoltaica, essa
está muito longe da realidade. Vamos lá ao que é
rápido: energia solar para aquecimento. Eu estive dando uma
olhada nas praias daqui (de Florianópolis)... É raro
ver energia solar nas casas, até em lugares em que você
não tem edifícios... A energia solar poderia ser uma
solução para gerar água quente. O interior
de São Paulo é um dos lugares com maior insolação
no Brasil e é raro ter energia solar para aquecimento de
água. Todo mundo com o chuveirinho elétrico…
Mas as duas grandes e boas opções que eu acho que
temos são: primeiro, melhorar o aproveitamento dessas grandes
represas. Bom, primeiro precisa dar fôlego para recuperar
o nível de águas. Segundo, vai precisar melhorar a
transferência de águas via elétrons. Não
dá para transferir água do Sul para o Sudeste em forma
de H2O, você não vai fazer aquedutos, como faziam os
romanos, para levar água do Sul para o Sudeste. Mas você
pode melhorar a transferência de água via elétrons,
dando um reforço substancial nas linhas de transmissão.
Todo esse sistema muito caro que nós falamos aí, o
sistema hídrico brasileiro, funciona com uma eficiência
impressionante, porque tem um número aí que a gente
chama "fator de capacidade do sistema ou de uma planta".
O que é ele? O fator de capacidade reflete o período
em que o sistema está disponível em plena carga. Em
plena carga, o sistema opera com fator de capacidade de 50% ou pouquinho
mais do que isso. Quer dizer, você construiu um sistemão
pesado que, ao longo de um ano, só opera com 50% do fator
de sua capacidade. É muito dólar investido para operar
com um fator tão baixo. Você teria que ganhar, aumentando
os fatores de capacidade. Quando você pega os dados de 1994
para cá, o fator de capacidade subiu para 60%, mas a gente
viu que não foi sustentável porque ele aumentou justamente
porque se foi consumindo a água estocada. Ele não
pode operar assim. Mas ele consegue operar a 60%, se melhorar as
relações de transferência.
Melhorando
a interligação?
As interligações.
Mas
o pessoal da ONS diz que essas linhas de transmissão, que
tantos geradores aqui do Sul estavam reclamando, só vão
funcionar 20% do tempo...
Então… sozinho não há opção,
realmente, porque vocês não tem água disponível
aqui também. Isso tem que ser casado com alguma coisa mais.
Aí entra também a questão das termelétricas.
O sistema funciona daquela forma senoidal que a gente conhece: você
tem as cheias, que começam aqui em novembro, dezembro, janeiro,
fevereiro... E daí são as águas de março
fechando o verão. Isso varia, às vezes até
abril, e depois começam as secas e os níveis dos reservatórios
começam a cair. Se puder complementar esse sistema hídrico
com termelétricas, você aumenta muito a disponibilidade
do sistema. Você tem uma gordura de 50% justamente. O sistema
é capaz de absorver água para gerar hoje 72 gigawatts,
mas na verdade opera com 30 e pouco, ao longo do ano. Então
se puder aumentar a complementação com termelétricas,
você pode operar com 70 gigawatts. Quando você vai tendo
menos água, você vai complementando com termelétrica.
Termelétrica
a carvão ou a gás? Aqui, tem reservas de carvão
que podem ser utilizadas, mas e o risco ambiental?
Eu acho que está correto. Mas aí a gente tem que se
antenar como é que funciona o gás. A termelétrica
a gás do ponto de vista ambiental é um ganho muito
grande, mas ela não é boa para isso que nós
estamos querendo. O Brasil talvez seja a única realidade
no mundo onde a termelétrica, para ser ótima, tem
que casar com o sistema de grande porte. A termelétrica a
gás, na Europa ou nos Estados Unidos, são muito competitivas,
há um ganho econômico, um ganho de eficiência
e uma ganho ambiental imediato porque ela substitui uma termelétrica
antiga, a carvão ou a óleo. Aqui não; não
queremos que ela substitua o sistema hídrico porque ele já
está aí, nós queremos uma termelétrica
que opere quando nós precisamos dela e que fique parada quando
nós não precisamos. E o sistema está disposto
a remunerar o capital para que ele fique parado. A termelétrica
está lá como base de reserva. Quando você precisar,
ela começa a gerar e aí você só paga
o combustível que ela consome, é muito mais barato.
O gás não serve para isso, porque você tem que
remunerar o desenvolvimento das bacias de gás que estão
lá na Bolívia, ou em Campos, ou de onde vier o gás.
Vamos dizer que o GLP (gás liqüefeito de petróleo)
é uma boa solução, mas aí é outro
lado que a gente poderia atacar. Por enquanto, vamos atacar o certo,
depois a gente tenta atacar aquele uso errado de eletricidade que
estamos fazendo. Na oferta, você precisa de alguma alternativa
que sirva de pulmão ao sistema hídrico. Quando o sistema
hídrico pára de respirar ou perde água, você
usa o pulmão. Tem que ser termelétrica a carvão,
porque aí você usa a mina como o pulmão. E a
mina não pode ter muita gente trabalhando, tem que ser mina
mecanizada porque essa mina vai operar pouco, com 30 ou 40% do tal
fator de capacidade. As térmicas brasileiras sempre operaram
com fator de capacidade de 12 a 15%.
Mas
as termoelétricas têm muito problema de manutenção…
Elas não têm que ser eficientes, elas precisam ser
baratas porque vão operar pouco. Primeiro, elas têm
que estar disponíveis quando se precisa delas, e, segundo,
tem que ser baratas porque você não quer remunerar
muito... Ciclo combinado, esses negócios, é tudo muito
caro para não operar em tempo integral. Tem que ser barata,
inclusive, para que você possa gastar um pouco mais nos controles
ambientais, como é o caso da termelétrica a carvão.
E aí, melhorando as linhas de transmissão, você
passa a transmitir a energia da água que você tem disponível
aqui no Sul, ou o carvão. Você está transferindo
a água ou o carvão em forma de elétron.
Então
essa é a solução: construir termelétrica?
Não faz sentido construir termelétrica a carvão
aqui, hoje. É grande bobagem se não construírem
as linhas de transmissão, porque você já joga
a água fora. O Sul já não tem a capacidade
de absorver a energia produzida aqui. Se aumentar a capacidade de
oferta aqui, simplesmente você vai jogar mais água
fora. Ou então, aumentar a importação da Argentina.
Essa seria outra boa solução; porque o sistema argentino,
com a crise econômica que eles vivem hoje, é um grande
pulmão já disponível. As termelétricas
já estão lá, os campos já estão
desenvolvidos, os gasodutos estão lá. Mas, novamente,
não faz sentido transmitir a eletricidade para o Sul, se
depois você vai ser incapaz de mandar a energia para o Sudeste.
Então, aumentar a capacidade de transmissão do Sul
para o Sudeste é a grande, a primeira grande opção
que nós temos. Aí você viabiliza termelétricas
a carvão no Sul como complementação térmica.
Ou seja, tem que mudar o conceito de uso do carvão, tem que
ser usinas baratas, mecanizadas. Não pode ter muita gente
na mina, porque, se tiver muita gente, você não pode
parar a mina e mandar as pessoas embora. Além disso, tem
que ter linhas de transmissão para trazer energia da Argentina
e linhas de transmissão para o Sudeste. E aqui tem um paradoxo:
o ambientalista não gosta de linhas de transmissão,
porque elas são feias; mas essa talvez seja a opção,
do ponto de vista ambiental, mais barata, do que ficar construindo
grandes reservatórios por aí. Não precisa aumentar
mais a capacidade de geração, não precisa construir
novas grandes hidrelétricas nesse País, você
aumenta a disponibilidade de 50 para 60%, só melhorando a
transferência de eletricidade de um lugar para o outro.
Essa
é a melhor alternativa?
Essa é a opção mais barata e se teria um prazo
de uns 5 anos, eu acho, para planejar realmente grandes obras. E
as pequenas centrais, não as PCHs, mas o que a gente chama
de MCHs, (Médias Centrais Hidroelétricas) com capacidade
de 100, 200, 300 até 1000 megawatts, essas estão saindo,
o investidor privado está achando isso competitivo. Tem mais
de 100 obras com essa escala sendo feitas por aí. Então,
na verdade, não se parou completamente de fazer investimento,
mas, se parasse, só melhorando a linha de transmissão,
você já teria um ganho de 10% no sistema como um todo.
Só melhorando as transferências. Como as obras que
fazem sentido ainda estão saindo, você tem aí
10 anos de prazo tranqüilo para melhorar a capacidade de oferta.
E aí se pode atacar a demanda. Também existe uma série
de oportunidades de conservação de energia, de substituição
de lâmpadas... Enfim, esse racionamento demonstrou aí
o quanto pode ser feito nesse sentido.
Tem
que atacar o desperdício também…
Existe desperdício, mas o próprio racionamento vai
provar que isso não é tão evidente assim. As
pessoas cortaram 20% no consumo, mas foi meio na marra, meio por
amor à pátria. Bastou afrouxar um pouco e uma boa
parte desse desperdício está voltando. Mas isso é
uma política de longo prazo, eu diria. Existe alguma coisa
mais imediata, que se não for feita como se fosse política
pública, vai acabar acontecendo, mas, de novo, no longo prazo.
Se o planejamento for visto como uma oportunidade de política
pública, pode ser feita uma mudança rápida
na matriz, através do uso do gás natural, que já
está aqui. Veja, ninguém no mundo constrói
um gasoduto sem ter consumidor e sequer tínhamos as reservas.
Agora nós temos reservas na Bolívia, mas continuamos
não tendo o consumidor. Por isso que ficam querendo construir
bobagem, como termelétricas a gás natural, para tentar
consumir esse gás. Mas se puder levar esse gás para
o uso final lá e transformar esse consumo de eletricidade
para gás natural, onde as infra-estruturas já estão
disponíveis, você tem uma redução muito
grande no consumo da eletricidade.
Onde?
Em que setor?
Por exemplo, pega a região de São Paulo. Tem toda
a área da ComGás… Sem imaginar as áreas
que precisariam expandir, que realmente é muito limitada,
mas na própria área da ComGás, tem, pelo menos,
uns 30 Shopping Centers que não usam gás natural.
Tem a própria Universidade de São Paulo… e nós
estamos em cima do anel de distribuição! A ComGás
tem um anel de alta pressão que cruza as marginais e ninguém
usa gás natural. Só nessas vias marginais, devem ter
uns 20 Shopping Centers, tem o campus da Universidade de São
Paulo, pelo menos uns 10 hospitais, vários edifícios
comerciais de grande porte… Ninguém consume gás
natural e 40% do consumo de eletricidade de toda essa turma aí
é ar condicionado. A escolha feita é a seguinte: queimar
o gás numa termelétrica, que, na melhor das hipóteses,
vai ter 60% de eficiência. Quer dizer, 40% da energia química
do gás natural que vem da Bolívia, e o consumidor
está pagando caro, vai ser perdida. Aí, você
produz eletricidade na termelétrica, coloca nas linhas de
transmissão, que vão ter uns 5 ou 10% de perdas…
Bom, 50% daquele gás se perdeu, então os outros 50%
tem cobrir o que se perdeu. E aí, você bota a eletricidade
nessa demanda errada: no seu chuveiro elétrico, na sua geladeira
elétrica, ou nos fornos elétricos, ou no ar condicionado
elétrico, ou outros equipamentos elétricos… Realmente,
alguns até são eficientes, quase 100%… Quando
o pessoal fala em conservação de energia está
falando em aumentar ainda mais a qualidade desses equipamentos.
O que eu estou falando é que, independente da qualidade desses
equipamentos, alimentá-los com eletricidade é que
está errado, porque você está usando eletricidade,
que é uma energia nobre para ser transformada em calor ou
frio. Isso é ridículo do ponto de vista termodinâmico.
S você puder substituir, essa é a melhor opção.
Qualquer ganho de eficiência do equipamento em si não
faz sentido quando existe 50% de perda ao longo da cadeia, desde
a termelétrica até o equipamento. Tem uns 400 mil
consumidores potenciais de gás natural, que não consomem
o gás para gerar água quente, é só para
o fogãozinho dele. Isso é absurdo. O gás já
está ali e o pessoal está querendo estimular o pior
uso possível para ele, que é gerar eletricidade, quando
o ganho que o gás pode proporcionar para esse País
é, justamente, alterar a matriz energética. Que foi
criada por causa daquela distorção na década
de 1970, em que se gerou eletricidade demais e obrigou os consumidores
a consumirem eletricidade demasiadamente. Então, nós
não fizemos a nossa lição de casa que os países
mais desenvolvidos acabaram fazendo, até mesmo alguns deles
não fizeram…. Nós estamos usando eletricidade
da maneira errada. Hoje nós não temos uma crise de
energia, nós temos uma crise de eletricidade. E, portanto,
não temos eletricidade para alimentar esse uso errado de
eletricidade. Ao mesmo tempo, nós estamos jogando fora o
gás da Bolívia, como no Brasil, na Bacia de Campos:
queimando o gás porque ainda não tem mercado.
E
importando petróleo para consumir nos veículos automotores…
E importando petróleo... Sem dúvida. Eu não
diria que as duas coisas sejam tão diretamente paralelas
assim, mas eu diria até o seguinte: você poderia hoje,
com o gás natural, estar substituindo o máximo possível
de outros energéticos e liberando o Brasil para, eventualmente,
até exportar petróleo por conta da "gaseificação"
da economia. Quer dizer, a grande opção energética
que o País tem hoje, é o gás da Bolívia;
é muito gás, que não tem mercado. Não
há outra opção.
E
o custo em dólar? Não está assustando o consumidor?
Essa passa a ser sempre a questão: "é, mas essa
energia é importada em dólar". Mas toda a energia
tem que ser importada em dólar, todas elas são importadas...
até a água. Você não paga pela água,
mas você paga pelo capital, como eu falei, 70% é capital,
os outros 30% são água. O combustível é
dólar, mesmo o petróleo nacional produzido no Brasil,
se você não remunerar em dólar, você não
vai atrair investidor nenhum, sequer a própria Petrobrás
vai sustentar os seus próprios investimentos. O problema
não é esse. O problema é como é que
você gera a energia... Ok, isso não é problema,
toda energia tem que ser em dólar. O segundo problema: "ah,
estamos transferindo dólar para a Bolívia, esse é
que é o problema...". Isso também não
é o problema. Ainda bem que nós estamos mandando alguma
riqueza econômica para a Bolívia e abrindo oportunidade
para os bolivianos, eventualmente, daqui a 10 anos, não estarem
na mesma miséria que estão hoje e nós não
estarmos importando bolivianos. Porque hoje, nós já
estamos importando os bolivianos... Já tem toda uma comunidade
de bolivianos ilegais vivendo em São Paulo e trabalhando
como mão-de-obra escrava... Isso é terrível.
Nós vamos herdar aqui o mesmo problema que a Europa tem com
o norte da África, se nós não criarmos opções
de transferência de renda. O problema não é
esse, o problema é: nós temos que gerar caixa para
podermos pagar isso, e para fazer caixa tem que ter inteligência...
Se você muda esse conceito de base, você gera toda uma
série de inovações, de novos equipamentos,
de tecnologia, que o boliviano nunca vai ser capaz de gerar, porque
as universidades de lá não são capazes, não
tem sequer capacitação tecnológica, sequer
tem financiamento de tecnologia. O consumo de gás na Bolívia
é irrelevante para o montante que existe. Então, se
a gente puder trocar o gás por tecnologia, por equipamentos
a gás, você está pagando o gás com dólar
também, porque essa tecnologia vai ser remunerada em dólar.
Essa é a grande opção de desenvolvimento econômico
que nós temos, gerando empregos na indústria do gás...
As termelétricas, novamente, não cumprem essa função.
Da termelétrica é tudo importado, até as chaminés
das termelétricas têm sido importadas, as turbinas,
tudo vem prontinho de fora. Isso não gera tecnologia, não
gera emprego, não gera nada. Aí, realmente, começa
a ter problema na balança de pagamento, porque estamos importando
combustível e importando a tecnologia, importando os empregos,
vamos gerar emprego lá fora para produzir a turbina a gás…
Enquanto, se alterar o uso do gás, a gente vai estar gerando
emprego aqui, porque esses equipamentos não estão
100% disponíveis no mercado internacional. Ainda existe um
espaço para as empresas e para novos negócios no Brasil.
E olha o potencial exportador que tem na América Latina,
na Ásia, na África, lugares onde existem reservas
de gás imensas e ninguém usa gás porque não
tem infra-estrutura, porque não tem como consumir o gás,
não tem os equipamentos, não tem as tecnologias...
É aqui que nós deveríamos focalizar as nossas
atenções, usando o recurso natural boliviano. Ele
está lá, é capital de risco baixo, mas você
precisa remunerá-lo em dólares e uma boa parte desse
dólar vai voltar para cá. Porque eles vão importar
tecnologia da onde? No melhor dos casos, eles vão importar
tecnologia para fomentar uma pequena industrialização,
para melhorar o padrão de consumo da classe média.
Esse é o melhor dos casos. No pior dos cenários, eles
vão importar porcaria: Mercedes Benz, coisas fúteis.
De qualquer forma, podemos ser nós que iremos exportar as
bobagens para eles. Lá, na Bolívia, a indústria
brasileira pode ser competitiva, até por causa de questões
de logística. A importação do Estados Unidos
é difícil, eles não tem portos, tem que atravessar
os Andes... Então, se não formos competitivos ali,
fechemos o País e vamos embora.
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