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Ana
Rita Rodrigues Vieira, engenheira agrônoma,
professora doutora em Agrometereologia do Departamento de
Fitotecnia, pesquisadora do Grupo de Pesquisas em Agrometeorologia
(UFSC)
Os
assuntos são clima, solo, desmatamento, efeito estufa,
agricultura.
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O
que é agrometereologia?
Na agrometereologia você passa a entender os princípios
básicos da física da atmosfera e a relação
atmosfera/vida dos animais, vegetais e a vida do solo. Então,
o objetivo não é só estudar a formação
de uma chuva frontal desencadeada pela presença de uma frente
fria. Na verdade, nós não temos muita preocupação,
nem compreendemos com a mesma profundidade, como se forma esse sistema
frontal ou os complexos convectivos de meso escala que acarretam
chuvas mais intensas e localizadas. A preocupação
é com a falta de chuva ou o excesso de chuva e seus efeitos
e, ainda, caracterizar se essa falta ou excesso de chuva é
normal ou não. Em Florianópolis, em dezembro de 1995,
choveu 450 milímetros de chuva em 24 horas. Um valor tão
alto de chuva nunca tinha acontecido. Na verdade, na série
de dados que existe na estação meteorológica
de São José (SC), que é a nossa Estação
meteorológica de referência para caracterizar o clima
de Florianópolis, tinha acontecido um dado parecido em 1911.
(…) Essa chuva que deu em janeiro deste ano, chegou a 180-200
milímetros num dia… Deu enchente em boa parte da cidade,
mas ela não foi um fenômeno atípico. Em 1994,
isso já tinha acontecido. A gente acompanha, na verdade,
a série climática dos dados. Com relação
aos efeitos da modificação da cobertura vegetal o
que se conhece é que a alteração dessa cobertura
produz mudanças no saldo de energia próximo à
superfície da terra uma vez que há mudanças
de reflexão na superfície terrestre. Os trabalhos
pioneiros nesta área são realizados na Amazônia.
A
Sra. está falando do desmatamento…
É o caso da Amazônia onde as árvores são
substituídas pela pastagem. O que acontece? No caso da pastagem
há uma maior reflexão de energia do que na floresta.
Isso significa que o saldo da radiação poderá
ser menor se a emissão de ondas longas da superfície
terrestre se mantiverem em valores muito próximos aos anteriores,
pois há maior reflexão de energia de ondas curtas
(a energia emitida pelo sol). Então, esse balanço
de radiação seria a computação da energia
que chegou do Sol menos o que foi refletido mais o que a Terra emitiu.
Isso pode afetar a umidade do ar porque poderá significar
menos energia para evapotranspiração, porém
a gente não pode dizer até quanto isso vai significar
mudança das chuvas. Aqui, em Florianópolis, eu tenho
essa mudança de radiação? Com certeza. Eu tenho
essa mudança de umidade do ar, eu tenho a mudança
de energia, pelo menos, nessa camada que vai até 10 quilômetros
na atmosfera....
Dez
quilômetros acima d da superfície do solo?
É, seria a camada que mais nos interessa, a troposfera.
Onde
ocorrem os fenômenos meteorológicos…
Isso. Onde está mais próxima a relação
com os vegetais e animais, o que, sob os aspectos biológico
e agronômico, mais interessaria. Eu não posso precisar
que essa mudança de umidade vai gerar falta de chuva aqui
porque essa massa de ar, quando está subindo, tem um movimento
vertical e um movimento lateral, ao mesmo tempo. Essa ascensão
depende da quantidade de energia que a massa de ar ganhou na superfície
do solo antes de iniciar o processo de ascensão. Nessa ascensão,
, junto com a massa de ar, serão carregados alguns elementos
como poeira, sais marinhos, CO2, nitrogênio, óxido
nitroso, tudo que está em suspensão na atmosfera...
Esses elementos, junto com o vapor d'água, é que vão
formar a chuva. Porque é preciso o vapor d'água se
agregar, se adsorver a esses núcleos de condensação
para formar a chuva. Na verdade, ela (a massa de ar) pode estar
subindo e não provocar chuva aqui e provocar muita chuva
a 10 km, a 100 km ou a 200 km daqui. Então, a preocupação
que o pessoal tem... O resíduo de CO2 das termoelétricas
vai gerar acidez da chuva? Pode não acontecer neste local,
mas em outro local adjacente. Ninguém garante como vai ser
essa propagação. (…) Na verdade, a atmosfera
não tem linhas divisórias e por não ter, a
gente não tem uma previsibilidade clara desses efeitos. Até
a chuva de 1995, por exemplo, o pessoal dizia "ah, o El Niño
é o principal fenômeno que desencadeia excessos de
chuvas". Agora, existe uma grande preocupação
com os complexos convectivos de meso escala, que, na verdade, são
condicionados pelas condições de relevo. Então,
o relevo é um fator muito importante para prever as propagações
dessas massas de ar. Então, o que se sabe de concreto e se
pode afirmar, em termos de mudança de cobertura vegetal,
é que altera o saldo de radiação. Alterando
esse saldo, altera a umidade presente no ar e isso pode trazer alterações
de chuva. Nós não podemos dizer, com clareza, de quanto
é essa alteração. (…) Esse balanço
da energia estaria sendo responsável pela diminuição
das temperaturas mínimas em alguns anos, como o ano passado?
Também não posso dizer porque eu não tenho
essa certeza por causa disso: a interação que ocorre
na atmosfera é muito dinâmica, de camada para camada.
Nesse trabalho que estamos fazendo a implantação de
sistemas agroflorestais, dentro dos quais o sistema silvipastoril
como uma proposta para o produtor, temos a árvore e a pastagem,
que fica no meio das árvores.
Como
uma área de manejo?
Isso. Então, o gado vai transitar, quando tem muito sol dentro
desta área de sombra. Como essa área de sombra vai
depender da posição do sol, então ela se torna
muito dinâmica. É possível aproveitar uma área
maior, o gado não fica restrito a uma fila, digamos assim.
Como, na prática, os produtores já estavam fazendo
isso e achando interessante, viam que produziam mais leite, um aluno
de Mestrado mediu o saldo de radiação nesse meio.
Então, ele viu que, na verdade, quando se tem árvore
junto com o pasto, essa reflexão de energia que está
sendo maior na pastagem, vai para árvore, bate e volta para
o sistema. Então, o sistema mantém um saldo maior
de radiação solar.
Numa
área rural, o produtor, além de retirar a cobertura
vegetal, ele queima para plantar, emitindo dióxido de carbono
(CO2). O que acontece no sistema?
Bom, esses resíduos podem ir para a atmosfera e, dependendo
da camada onde ficam mais concentrados, podem ter ações
como o efeito estufa. No efeito estufa o que ocorre? Você
tem as ondas que estão saindo da Terra, são ondas
longas. Grande parte delas, pelo comprimento, é absorvida
por esses elementos: CO2, vapor d'água e outros elementos
que estão em suspensão na atmosfera. Metano. Você
lembrou bem … Tem um trabalho da Sociedade de Meteorologia
que mostra que o metano possui um poder de absorção
dessas ondas bem maior do que o CO2. Chega a ser vinte vezes maior.
Assim, ele pode ter um efeito bastante intenso na manutenção
do calor nessa camada da atmosfera, o que pode manter a temperatura
do ar mais elevada nessa camada. Agora, por quanto tempo e se isso
poderia provocar o aumento da temperatura dos mares e trazer o derretimento
das geleiras… isso é uma coisa muito difícil
de diagnosticar e prever.
A
Sra. tem cautela com essas previsões de mudanças climáticas
drásticas…
Eu acho que elas têm que existir para como uma alerta, porém,
nunca sabemos exatamente em que essas pessoas estão se baseando
para colocar esse tipo de informação. Mesmo sendo
satélites… O Inpe, há muito tempo, sabia do problema
do desmatamento da Amazônia, há muito tempo sabia que
havia essa mudança de reflexão pelo mapeamento feito
por satélites, mas até dois anos não tinha
sido liberado esse tipo de dado. Acho que foi em 1993… teve
um seminário para discutir a questão do efeito do
El Niño nas chuvas aqui do Estado. Aí veio a pessoa
que, hoje, é considerada uma das pessoas mais conhecidas
na área de Meteorologia, Dr. Antônio de Minho Moura,
que até então afirmava que o El Niño era o
principal causador das chuvas extremas no Sul, e disse que não,
que era o aumento da temperatura do oceano Atlântico. A gente
não tinha medidas do oceano Atlântico porque os países
mais desenvolvidos estão trabalhando no Pacífico e
tem muitas informações do clima de lá, mas
não sabiam das temperaturas no Oceano Atlântico. Portanto,
não podiam dizer até ele onde tinha influência
no nosso clima ou não, muito embora nós estejamos
sob influência dele. Então, uma pesquisadora do INPE
fez uma tese de doutorado com financiamento do governo americano
e provou que o problema era a temperatura dos oceanos. O que eu
estou dizendo é: tinha um princípio para falar da
alteração da atmosfera. A partir daquilo passou-se
a ter outro. O Luis Carlos Molion, que lançou a teoria do
efeito estufa com mais agressividade no Brasil, hoje tem alguns
artigos onde comenta que o efeito maior não é do efeito
estufa na modificação da temperatura. Ele fez um levantamento
que, embora tenha aumentado a concentração de CO2
na atmosfera durante um certo período, não houve aumento
de temperaturas do ar neste mesmo período, nem tampouco modificações
de chuva. Então, o que ele viu? Que o ciclo de aumento e
diminuição de temperatura e das chuvas tinha ocorrido
antes do aumento e depois do aumento da concentração
de CO2. Quer dizer, eu sou contra falar que o aumento da concentração
de CO2 vai trazer o aumento do efeito estufa, o derretimento das
geleiras, o aumento do nível das marés? Não,
mas as próprias pessoas que estão em cima disso, ora
e outra trazem teorias diferentes. Hoje, ele (Molion) diz que o
problema é as erupções vulcânicas. Ou
seja, o próprio enxofre que vai para a atmosfera produto
dessas erupções pode ser maior do que os resíduos
gerados pelas termoelétricas. Só que isso demora aproximadamente
seis meses para sair do Hemisfério Norte e chegar no Hemisfério
Sul. E, como isso é diluído até chegar aqui,
você não consegue precisar exatamente esses efeitos.
(...) A atmosfera, para mim, é um segredo. É a única
coisa que o Homem não consegue manipular como um solo, uma
planta... A biotecnologia conseguiu manipular todas as condições
da planta, desde as condições in vitro, adaptação
dela, etc e tal. Só que, com a atmosfera, não se consegue
saber o que vai acontecer. Até porque os efeitos podem ser
diferentes em nível de macroclima ou microclima.
Como
é definido o macroclima? Pela extensão?
Ele é definido pela extensão de área. Normalmente,
o referencial que se utiliza é a extensão de uma área,
é o clima de uma grande região. O microclima seria
o clima de uma pequena região ou ainda, se você tem
dúvida na extensão do que é pequeno, seria
o clima definido pelo padrão de cobertura vegetal. Eu tenho
uma uniformidade dessa vegetação, por exemplo: a cultura
do feijão. Então, eu tenho um microclima determinado
por essa cultura. O que acontece? A gente tem uma fazenda perto
do aeroporto, na Ressacada. Do Itacorubi para lá, já
observamos que há uma diferença de um grau e meio
na temperatura mínima do ar, mas não tem diferença
na temperatura máxima do ar. Como dizer que vai mudar a temperatura?
Não sei.. a máxima pode nem mudar, pode mudar a mínima.
Eu li na Nature, em dois artigos desse ano, e isso eu concordo,
é que há mudanças sobre os valores extremos
de temperatura do ar. Já discutimos esta questão com
um antigo meteorologista da Estação de São
José (SC) e o que podemos garantir, sim, é que os
extremos climáticos estão mudando. Há anos
que, no inverno, as temperaturas do ar são muito mais altas
do que o normal e o mesmo acontece no verão. A diferença
entre a mínima e a máxima temperatura tem mudado bastante.
Numa
situação dessa, o que pode acontecer com o solo e
a agricultura?
Digamos assim, se essas temperaturas não atingirem as temperaturas
limitantes da cultura, você pode não ter prejuízo.
O que seria uma temperatura limitante? É aquela temperatura
onde a planta não cresce nem se desenvolve, apenas se mantém.
No caso, para o milho, ela está entre 8 e 10 graus. Se a
temperatura descer de 10 graus, na época de plantio, você
pode ter prejuízos… plantar e a planta não germinar.
Se tiver plantado, e a cultura estiver bem no início, e essa
temperatura for abaixo de 8 ou 10 graus, por uma semana, você
poder ter prejuízos mais sérios. Se for um dia, não,
porque a freqüência da ocorrência também
é importante. Se a temperatura for maior do que 26 graus
para a cultura de cana, por exemplo, o ciclo da cultura também
poderá sofrer prejuízos… Estes efeitos dependem
também da fase de vida da planta.
Isso
tem acontecido nas regiões agrícolas de Santa Catarina?
Pelo menos, pelo que tenho conversado com o pessoal da Epagri, não
tem havido maiores prejuízos. Há problemas… Por
exemplo, como o frio do ano passado, quando se perdeu toda a produção
de banana do Vale do Itajaí. A geada, especialmente aquela
que ocorre fora de época, é o problema mais sério
juntamente com o granizo. Na verdade, se conhece muito pouco sobre
o granizo e há uma dificuldade muito grande de se prever
o granizo ou usar um método de controle eficiente.
E
as chuvas? A gente teve bastante chuva em janeiro, neste ano.
É normal chover bastante em janeiro. Aqui, em janeiro, chove
cerca de 180 milímetros no mês como média normal.
Só que essas chuvas foram concentradas. Na maioria das regiões
do Estado, elas ocorrem entre treze e dezessete dias do mês.
Aqui, em Florianópolis, você tem 15 a 16 dias de chuva,
com total de 180 milímetros. É normal ter falta de
chuva nos outros dias. Na verdade, as pessoas não se atentam
que, embora chova uma grande quantidade, há problemas na
distribuição destas chuvas naturalmente. Então,
o fato de não chover em maio é normal. Só que
acentua esse normal por causa da distribuição das
chuvas. Fica muito confuso na cabeça de quem não está
acompanhando… porque a distribuição dessa chuva
é muito variável. E se você me perguntar: a
interferência do Homem na atmosfera vai mudar essa chuva?
De repente, pode mudar a distribuição, mas não
a quantidade. De repente, pode mudar a distribuição
e a quantidade. Então, se mudar a distribuição
e a quantidade, você tem que mudar a época de plantio.
Não tendo alterações muito drásticas
na temperatura, é possível continuar plantando. Ou
seja, desde que não atinjam os limites da planta.
E
a chuva ácida, o que ela causa no solo?
Eu não poderia entrar em todas as implicações.
Eu diria que vai depender dos tipos de solo e do Ph da chuva. Eu
não saberia entrar em maiores detalhamentos.
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