Entrevista: De Olho no Clima e no Solo

Junho/2001

Ana Rita Rodrigues Vieira, engenheira agrônoma,  professora doutora em Agrometereologia do Departamento de Fitotecnia, pesquisadora do Grupo de Pesquisas em Agrometeorologia (UFSC) 

Os assuntos são clima, solo, desmatamento, efeito estufa, agricultura. 

O que é agrometereologia?
Na agrometereologia você passa a entender os princípios básicos da física da atmosfera e a relação atmosfera/vida dos animais, vegetais e a vida do solo. Então, o objetivo não é só estudar a formação de uma chuva frontal desencadeada pela presença de uma frente fria. Na verdade, nós não temos muita preocupação, nem compreendemos com a mesma profundidade, como se forma esse sistema frontal ou os complexos convectivos de meso escala que acarretam chuvas mais intensas e localizadas. A preocupação é com a falta de chuva ou o excesso de chuva e seus efeitos e, ainda, caracterizar se essa falta ou excesso de chuva é normal ou não. Em Florianópolis, em dezembro de 1995, choveu 450 milímetros de chuva em 24 horas. Um valor tão alto de chuva nunca tinha acontecido. Na verdade, na série de dados que existe na estação meteorológica de São José (SC), que é a nossa Estação meteorológica de referência para caracterizar o clima de Florianópolis, tinha acontecido um dado parecido em 1911. (…) Essa chuva que deu em janeiro deste ano, chegou a 180-200 milímetros num dia… Deu enchente em boa parte da cidade, mas ela não foi um fenômeno atípico. Em 1994, isso já tinha acontecido. A gente acompanha, na verdade, a série climática dos dados. Com relação aos efeitos da modificação da cobertura vegetal o que se conhece é que a alteração dessa cobertura produz mudanças no saldo de energia próximo à superfície da terra uma vez que há mudanças de reflexão na superfície terrestre. Os trabalhos pioneiros nesta área são realizados na Amazônia.

A Sra. está falando do desmatamento…
É o caso da Amazônia onde as árvores são substituídas pela pastagem. O que acontece? No caso da pastagem há uma maior reflexão de energia do que na floresta. Isso significa que o saldo da radiação poderá ser menor se a emissão de ondas longas da superfície terrestre se mantiverem em valores muito próximos aos anteriores, pois há maior reflexão de energia de ondas curtas (a energia emitida pelo sol). Então, esse balanço de radiação seria a computação da energia que chegou do Sol menos o que foi refletido mais o que a Terra emitiu. Isso pode afetar a umidade do ar porque poderá significar menos energia para evapotranspiração, porém a gente não pode dizer até quanto isso vai significar mudança das chuvas. Aqui, em Florianópolis, eu tenho essa mudança de radiação? Com certeza. Eu tenho essa mudança de umidade do ar, eu tenho a mudança de energia, pelo menos, nessa camada que vai até 10 quilômetros na atmosfera....

Dez quilômetros acima d da superfície do solo?
É, seria a camada que mais nos interessa, a troposfera.

Onde ocorrem os fenômenos meteorológicos…
Isso. Onde está mais próxima a relação com os vegetais e animais, o que, sob os aspectos biológico e agronômico, mais interessaria. Eu não posso precisar que essa mudança de umidade vai gerar falta de chuva aqui porque essa massa de ar, quando está subindo, tem um movimento vertical e um movimento lateral, ao mesmo tempo. Essa ascensão depende da quantidade de energia que a massa de ar ganhou na superfície do solo antes de iniciar o processo de ascensão. Nessa ascensão, , junto com a massa de ar, serão carregados alguns elementos como poeira, sais marinhos, CO2, nitrogênio, óxido nitroso, tudo que está em suspensão na atmosfera... Esses elementos, junto com o vapor d'água, é que vão formar a chuva. Porque é preciso o vapor d'água se agregar, se adsorver a esses núcleos de condensação para formar a chuva. Na verdade, ela (a massa de ar) pode estar subindo e não provocar chuva aqui e provocar muita chuva a 10 km, a 100 km ou a 200 km daqui. Então, a preocupação que o pessoal tem... O resíduo de CO2 das termoelétricas vai gerar acidez da chuva? Pode não acontecer neste local, mas em outro local adjacente. Ninguém garante como vai ser essa propagação. (…) Na verdade, a atmosfera não tem linhas divisórias e por não ter, a gente não tem uma previsibilidade clara desses efeitos. Até a chuva de 1995, por exemplo, o pessoal dizia "ah, o El Niño é o principal fenômeno que desencadeia excessos de chuvas". Agora, existe uma grande preocupação com os complexos convectivos de meso escala, que, na verdade, são condicionados pelas condições de relevo. Então, o relevo é um fator muito importante para prever as propagações dessas massas de ar. Então, o que se sabe de concreto e se pode afirmar, em termos de mudança de cobertura vegetal, é que altera o saldo de radiação. Alterando esse saldo, altera a umidade presente no ar e isso pode trazer alterações de chuva. Nós não podemos dizer, com clareza, de quanto é essa alteração. (…) Esse balanço da energia estaria sendo responsável pela diminuição das temperaturas mínimas em alguns anos, como o ano passado? Também não posso dizer porque eu não tenho essa certeza por causa disso: a interação que ocorre na atmosfera é muito dinâmica, de camada para camada. Nesse trabalho que estamos fazendo a implantação de sistemas agroflorestais, dentro dos quais o sistema silvipastoril como uma proposta para o produtor, temos a árvore e a pastagem, que fica no meio das árvores.

Como uma área de manejo?
Isso. Então, o gado vai transitar, quando tem muito sol dentro desta área de sombra. Como essa área de sombra vai depender da posição do sol, então ela se torna muito dinâmica. É possível aproveitar uma área maior, o gado não fica restrito a uma fila, digamos assim. Como, na prática, os produtores já estavam fazendo isso e achando interessante, viam que produziam mais leite, um aluno de Mestrado mediu o saldo de radiação nesse meio. Então, ele viu que, na verdade, quando se tem árvore junto com o pasto, essa reflexão de energia que está sendo maior na pastagem, vai para árvore, bate e volta para o sistema. Então, o sistema mantém um saldo maior de radiação solar.

Numa área rural, o produtor, além de retirar a cobertura vegetal, ele queima para plantar, emitindo dióxido de carbono (CO2). O que acontece no sistema?
Bom, esses resíduos podem ir para a atmosfera e, dependendo da camada onde ficam mais concentrados, podem ter ações como o efeito estufa. No efeito estufa o que ocorre? Você tem as ondas que estão saindo da Terra, são ondas longas. Grande parte delas, pelo comprimento, é absorvida por esses elementos: CO2, vapor d'água e outros elementos que estão em suspensão na atmosfera. Metano. Você lembrou bem … Tem um trabalho da Sociedade de Meteorologia que mostra que o metano possui um poder de absorção dessas ondas bem maior do que o CO2. Chega a ser vinte vezes maior. Assim, ele pode ter um efeito bastante intenso na manutenção do calor nessa camada da atmosfera, o que pode manter a temperatura do ar mais elevada nessa camada. Agora, por quanto tempo e se isso poderia provocar o aumento da temperatura dos mares e trazer o derretimento das geleiras… isso é uma coisa muito difícil de diagnosticar e prever.

A Sra. tem cautela com essas previsões de mudanças climáticas drásticas…
Eu acho que elas têm que existir para como uma alerta, porém, nunca sabemos exatamente em que essas pessoas estão se baseando para colocar esse tipo de informação. Mesmo sendo satélites… O Inpe, há muito tempo, sabia do problema do desmatamento da Amazônia, há muito tempo sabia que havia essa mudança de reflexão pelo mapeamento feito por satélites, mas até dois anos não tinha sido liberado esse tipo de dado. Acho que foi em 1993… teve um seminário para discutir a questão do efeito do El Niño nas chuvas aqui do Estado. Aí veio a pessoa que, hoje, é considerada uma das pessoas mais conhecidas na área de Meteorologia, Dr. Antônio de Minho Moura, que até então afirmava que o El Niño era o principal causador das chuvas extremas no Sul, e disse que não, que era o aumento da temperatura do oceano Atlântico. A gente não tinha medidas do oceano Atlântico porque os países mais desenvolvidos estão trabalhando no Pacífico e tem muitas informações do clima de lá, mas não sabiam das temperaturas no Oceano Atlântico. Portanto, não podiam dizer até ele onde tinha influência no nosso clima ou não, muito embora nós estejamos sob influência dele. Então, uma pesquisadora do INPE fez uma tese de doutorado com financiamento do governo americano e provou que o problema era a temperatura dos oceanos. O que eu estou dizendo é: tinha um princípio para falar da alteração da atmosfera. A partir daquilo passou-se a ter outro. O Luis Carlos Molion, que lançou a teoria do efeito estufa com mais agressividade no Brasil, hoje tem alguns artigos onde comenta que o efeito maior não é do efeito estufa na modificação da temperatura. Ele fez um levantamento que, embora tenha aumentado a concentração de CO2 na atmosfera durante um certo período, não houve aumento de temperaturas do ar neste mesmo período, nem tampouco modificações de chuva. Então, o que ele viu? Que o ciclo de aumento e diminuição de temperatura e das chuvas tinha ocorrido antes do aumento e depois do aumento da concentração de CO2. Quer dizer, eu sou contra falar que o aumento da concentração de CO2 vai trazer o aumento do efeito estufa, o derretimento das geleiras, o aumento do nível das marés? Não, mas as próprias pessoas que estão em cima disso, ora e outra trazem teorias diferentes. Hoje, ele (Molion) diz que o problema é as erupções vulcânicas. Ou seja, o próprio enxofre que vai para a atmosfera produto dessas erupções pode ser maior do que os resíduos gerados pelas termoelétricas. Só que isso demora aproximadamente seis meses para sair do Hemisfério Norte e chegar no Hemisfério Sul. E, como isso é diluído até chegar aqui, você não consegue precisar exatamente esses efeitos. (...) A atmosfera, para mim, é um segredo. É a única coisa que o Homem não consegue manipular como um solo, uma planta... A biotecnologia conseguiu manipular todas as condições da planta, desde as condições in vitro, adaptação dela, etc e tal. Só que, com a atmosfera, não se consegue saber o que vai acontecer. Até porque os efeitos podem ser diferentes em nível de macroclima ou microclima.

Como é definido o macroclima? Pela extensão?
Ele é definido pela extensão de área. Normalmente, o referencial que se utiliza é a extensão de uma área, é o clima de uma grande região. O microclima seria o clima de uma pequena região ou ainda, se você tem dúvida na extensão do que é pequeno, seria o clima definido pelo padrão de cobertura vegetal. Eu tenho uma uniformidade dessa vegetação, por exemplo: a cultura do feijão. Então, eu tenho um microclima determinado por essa cultura. O que acontece? A gente tem uma fazenda perto do aeroporto, na Ressacada. Do Itacorubi para lá, já observamos que há uma diferença de um grau e meio na temperatura mínima do ar, mas não tem diferença na temperatura máxima do ar. Como dizer que vai mudar a temperatura? Não sei.. a máxima pode nem mudar, pode mudar a mínima. Eu li na Nature, em dois artigos desse ano, e isso eu concordo, é que há mudanças sobre os valores extremos de temperatura do ar. Já discutimos esta questão com um antigo meteorologista da Estação de São José (SC) e o que podemos garantir, sim, é que os extremos climáticos estão mudando. Há anos que, no inverno, as temperaturas do ar são muito mais altas do que o normal e o mesmo acontece no verão. A diferença entre a mínima e a máxima temperatura tem mudado bastante.

Numa situação dessa, o que pode acontecer com o solo e a agricultura?
Digamos assim, se essas temperaturas não atingirem as temperaturas limitantes da cultura, você pode não ter prejuízo. O que seria uma temperatura limitante? É aquela temperatura onde a planta não cresce nem se desenvolve, apenas se mantém. No caso, para o milho, ela está entre 8 e 10 graus. Se a temperatura descer de 10 graus, na época de plantio, você pode ter prejuízos… plantar e a planta não germinar. Se tiver plantado, e a cultura estiver bem no início, e essa temperatura for abaixo de 8 ou 10 graus, por uma semana, você poder ter prejuízos mais sérios. Se for um dia, não, porque a freqüência da ocorrência também é importante. Se a temperatura for maior do que 26 graus para a cultura de cana, por exemplo, o ciclo da cultura também poderá sofrer prejuízos… Estes efeitos dependem também da fase de vida da planta.

Isso tem acontecido nas regiões agrícolas de Santa Catarina?
Pelo menos, pelo que tenho conversado com o pessoal da Epagri, não tem havido maiores prejuízos. Há problemas… Por exemplo, como o frio do ano passado, quando se perdeu toda a produção de banana do Vale do Itajaí. A geada, especialmente aquela que ocorre fora de época, é o problema mais sério juntamente com o granizo. Na verdade, se conhece muito pouco sobre o granizo e há uma dificuldade muito grande de se prever o granizo ou usar um método de controle eficiente.

E as chuvas? A gente teve bastante chuva em janeiro, neste ano.
É normal chover bastante em janeiro. Aqui, em janeiro, chove cerca de 180 milímetros no mês como média normal. Só que essas chuvas foram concentradas. Na maioria das regiões do Estado, elas ocorrem entre treze e dezessete dias do mês. Aqui, em Florianópolis, você tem 15 a 16 dias de chuva, com total de 180 milímetros. É normal ter falta de chuva nos outros dias. Na verdade, as pessoas não se atentam que, embora chova uma grande quantidade, há problemas na distribuição destas chuvas naturalmente. Então, o fato de não chover em maio é normal. Só que acentua esse normal por causa da distribuição das chuvas. Fica muito confuso na cabeça de quem não está acompanhando… porque a distribuição dessa chuva é muito variável. E se você me perguntar: a interferência do Homem na atmosfera vai mudar essa chuva? De repente, pode mudar a distribuição, mas não a quantidade. De repente, pode mudar a distribuição e a quantidade. Então, se mudar a distribuição e a quantidade, você tem que mudar a época de plantio. Não tendo alterações muito drásticas na temperatura, é possível continuar plantando. Ou seja, desde que não atinjam os limites da planta.

E a chuva ácida, o que ela causa no solo?
Eu não poderia entrar em todas as implicações. Eu diria que vai depender dos tipos de solo e do Ph da chuva. Eu não saberia entrar em maiores detalhamentos.

Informações relacionadas à entrevista neste site:


Para navegar:

© 2001-2006 Vania Mattozo. Todos os direitos reservados.
Desenvolvimento: Kornelius Hermann Eidam.