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Sérgio
Iokilevitc, engenheiro eletricista do Núcleo Regional
Sul do Operador Nacional do Sistema (ONS).
O
assunto principal é a atuação do operador
nacional do sistema elétrico (ONS).
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Como
trabalha o ONS?
Ele é o agente responsável, de acordo com o modelo
setorial, pela execução de uma série de atividades
de operação ou, basicamente, operar o sistema com
qualidade, confiabilidade, continuidade...
É
o Operador que autoriza e supervisiona o despacho de energia através
do sistema elétrico...
Isso faz parte da atividade de operação. Além
da questão clássica de promover qualidade, confiabilidade,
economia e continuidade, tem uma nova atribuição em
relação ao que havia no passado de coordenação
de operação no País, que era feita pelo GCOI
(Grupo de Coordenação de Operação Integrada),
que é a administração do serviço de
transmissão no sentido de contabilizar, promover a liquidação
do faturamento dos serviços das empresas transportadoras
de energia. Além disso, o Operador também tem que
sinalizar para a Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica)
as carências da rede básica, onde existe necessidade
de a Aneel promover alguma autorização, alguma licitação
para expansão da rede. Digamos assim, o Operador é
quem analisa e avalia tecnicamente o porte do sistema face à
perspectiva de crescimento da demanda, etc.
Quem
fazia isso antes da criação do ONS, em 1998?
Não era feito exatamente dessa maneira. Tinha um órgão
colegiado, o GCPS (Grupo Coordenador de Planejamento do Sistema),
que fazia isso não só na transmissão, mas também
na geração. Só que não esse processo
da Aneel licitar e tal... Tinham alguns clientes, digamos assim,
cativos que estariam construindo em função de que
era basicamente empresas estatais e isso era mais ou menos repartido
por área de atuação. Esse modelo foi mudado
pelo novo modelo setorial.
Como
vocês organizam o sistema?
O Núcleo congrega pessoas pertencentes a equipes de duas
diretorias: a Diretoria de Planejamento e Programação
e a Diretoria de Administração da Transmissão.
Tem aqui também o Centro de Operação de Sistema,
que executa a operação do sistema em tempo real. (…)
Em Santa Catarina, tem um centro de operação do sistema
regional - Centro de Operação do Sistema Regional
Sul - que está vinculado ao Centro Nacional de Operação
do Sistema que é pertencente à diretoria de operação
do ONS que promove a operação em tempo real, a nível
regional, e tem um núcleo de estudos - Núcleo Regional
Sul - que congrega equipes, pertencentes a duas diretorias, de forma
a imprimir um conhecimento regional e local nas atividades do ONS
para agregar qualidade ao trabalho. Tem um Núcleo Regional
Sul e um Núcleo Norte-Nordeste, localizado em Recife. O escritório
central é no Rio de Janeiro e o Centro Nacional de Operação
do Sistema fica em Brasília.
Como
está a situação, agora em setembro, do sistema?
Em princípio, com o começo das chuvas de primavera,
não há mais risco de apagão…
Apagão é um termo mau utilizado, ele era associado
a um corte intempestivo no suprimento de energia elétrica
que poderia trazer um blecaute com um tempo específico de
algumas horas, etc. O que tem sido chamado de apagão, na
verdade não é exatamente o que o setor elétrico
utilizava como jargão a respeito de apagão. Então,
sobre o risco de apagão… isso não tem necessariamente
a ver com a questão energética. Agora, o risco de
um abastecimento energético comprometido existe, tanto existe
que nós já estamos vivendo um período de restrição
de consumo. Está sendo bem administrada essa questão.
Não houve uma queda nos níveis de armazenamento além
daquelas que nós estávamos contemplando que seria
possível haver para esse período com essa carência
de chuva e graças a que? Graças, principalmente, à
resposta que a população deu ou, enfim, às
medidas que o governo tomou de última hora de modo a evitar
um desabastecimento maior.
Vocês
estão acompanhando a demanda há bastante. Qual é
a necessidade de expansão do sistema?
Eu confesso que eu desconheço os números, até
porque nós estamos mais ligados à parte de operação,
não estamos tão ligados à questão da
expansão. O que a gente vê é que se você
tem um sistema que, no lado do consumo, por exemplo, cresce 5% ao
ano… Não é esse o número, mas digamos
que seja 5%… Então deveria haver uma oferta firme de
energia de 5%. Firme que eu digo é oferta efetiva, real de
5% a cada ano na capacidade. Uma oferta hidráulica, quando
você não tem certeza do que vai ter de água,
ela é muitas vezes você pode agregar potência,
mas não está agregando energia porque falta água
prá isso. (…) Nós sempre acompanhamos a demanda,
dia a dia, hora a hora, mês a mês, dependendo a finalidade
que temos… A demanda é uma coisa a ser atendida. Mas
a demanda só existe depois de atendida, antes ela é
uma previsão de demanda, digamos assim…
Nessa
previsão de demanda, o que vocês tinham de indicação?
O novo sistema elétrico é "indicativo" na
geração e "determinativo" na transmissão…
No novo modelo o planejamento foi concebido de forma a ser determinativo
na transmissão no sentido de que a Aneel licita e depois
os agentes vão construir ou se interessar em construir, as
linhas são muito bem especificadas e a geração,
não. A geração é algo assim como existe
um levantamento de que, no caso da geração hidrelétrica,
um em determinado rio, uma determinada bacia tem um determinado
potencial e espera-se que o agente construa uma usina assim. Existe
alguns compromissos de como deve ser essa usina, esses aproveitamentos,
mas de uma forma muito mais indicativa do que determinativa. Se
funciona ou não, eu não sei. Eu acho que tem problemas
porque se não tivesse nós não estaríamos
nessa situação.
Alguns
geradores dizem que o Sul poderia tentar transferir uma possível
sobra de energia para desafogar o Sudeste, mas faltam linhas de
transmissão.
Essa sobra de energia é circunstancial, ela depende de uma
determinada conjuntura que tem a ver, inclusive, com fenômenos
naturais do tipo climáticos e metereológicos. Normalmente,
ao longo dos últimos vinte e cinco anos de uma interligação
que começou a ser utilizada mais fortemente entre Sul-Sudeste,
o Sul recebeu energia do Sudeste muito mais tempo do que mandou.
A capacidade de transmissão é um gargalo tanto no
sentido Sul-Sudeste quanto Sudeste-Sul. A expansão dessa
transmissão é onerosa. Claro que se eu sou um gerador
e quero colocar a energia gerada em qualquer lugar, eu vou querer
que as linhas surjam para que eu poder empurrar essa energia. Agora,
se eu sou um transmissor e eu faço faturo de acordo com o
uso da linha, então eu vou fazer uma linha para ser usada
um mês a cada vinte meses ou coisa desse tipo? (…) O
estrangulamento da transmissão existe, ele é real,
mas não acredito que seja um descalabro tão grande
porque economicamente é difícil conseguir justificar
a expansão com as taxas de retorno que normalmente a gente
vê o mercado querer pagar em relação aos investimentos
que são feitos. O grande problema, na verdade, está
além disso. A infra-estrutura é obrigação
do governo, é um business que a iniciativa acha que vale
a pena, o que é isso? Um país pode colocar essa questão,
que é tão estratégica para o seu desenvolvimento,
na mão de um esperto, no bom sentido, empreendedor ou ele
tem que esperar que, talvez, não surjam empreendedores e
qual é alternativa que ele tem? Essa que é a questão…
Vamos terceirizar defesa, educação… ou não?
Na
opinião de alguns pesquisadores, o sistema na região
sul funciona na justa medida e que, na verdade, não existe
grande sobra de energia para deslocar para o Sudeste, por exemplo…
A concepção de funcionamento do sistema "interligado"
brasileiro como o próprio nome diz é para funcionar
de forma interligada. Eu não vejo "nós"
e "eles", essa visão separatista… O sistema
não foi concebido para funcionar dessa maneira, ele foi concebido
para funcionar de forma interligada, integrada. A questão
da complementaridade hidrológica, quando no Sul está
seco e no Sudeste está molhado ou ao contrário, nem
está comprovada, existe dúvidas em relação
a isso, inclusive eu tenho dúvidas se é complementário
ou não… O que a gente vê é que o Sul tem
um regime hidrológico nos seus aproveitamentos um pouco mais
intempestivo do que no Sudeste. Então, você pode passar
de uma situação de seco prá molhado e molhado
prá seco devido a fatores climáticos, fatores topográficos,
fatores de relevo no rio Iguaçu, na bacia do Rio Uruguai
ou mesmo no estado do Rio Grande do Sul, que faz com que, aqui,
tenha um regime muito mais intempestivo do que no Sudeste que tem
reservatórios com período de regularização,
ou seja, sair do cheio para vazio e re-encher novamente, mais lentos,
mais cíclicos…Agora, no Sul realmente tem uma característica
em relação a picos de vazões que existem…
os reservatórios não absorvem todos esses picos, também
porque não foram construídos para isso. Ninguém
vai desapropriar uma área enorme para usar só de vez
em quando, quando dá um toró danado, um diluviozinho
em cima da bacia, você pode inundar aquela área e não
ter casa nenhuma ali, não ter nada plantado ali durante 95%
do tempo… É como ter uma casa com cômodos enormes
que vai ser ocupada uma vez só ao ano… Não vale
a pena. Você está imobilizando ali um patrimônio,
um recurso que poderia usar de outra maneira. (…) Claro que
teria sido melhor nós termos capacidade grande de transferência
de energia pro Sudeste nesse período que o Sul teve alguma
sobra. Teria sido ótimo, mas, em megawatts médio,
quanto foi isso? Não sei se foi tão grande assim.
Isso não aliviaria o Sudeste.
E
o horário de ponta no Sul, como está?
Se você olhar no diagrama diário de carga, ele realmente
tem uma ponta ao longo de um período, normalmente ao cair
da noite, em função, principalmente, do consumidor
residencial que começa a consumir muito mais do que fora
do período de ponta. Ele, normalmente, usa eletrodomésticos,
chuveiros, iluminação…
Qual
é o horário dessa ponta?
Depende da época do ano, depende da região, depende
da temperatura. Normalmente, entre seis e dez horas da noite é
quando ocorre a ponta.
O horário de verão funciona mesmo para reduzir o consumo?
O horário de verão causa uma não simultaneamente
de alguns consumos que, normalmente, estariam simultâneos,
como exemplo, escureceu e as pessoas chegam em casa. No horário
de verão, normalmente, escurece depois de as pessoas chegarem
em casa. Então, essa ponta se desloca para um pouquinho mais
tarde e um pouquinho menor. A ponta reduz mais do que o consumo
global de energia. Não sei quanto exatamente porque isso
varia ano a ano, etc. Normalmente, a ponta reduz na faixa de 5%
e o consumo global na faixa de 2%, mais ou menos…
Seria
interessante criar um sistema de tarifa diferenciada, como preço
maior em horários de maior carga, para economizar mais?
Isso já existe para grandes consumidores. No residencial,
eu acho um pouco difícil. Há quase vinte anos, eu
ouvi falar de experiências nesse sentido funcionando na Europa.
Mas o primeiro passo é ter, pelo menos, medidores. Medidores
digitais para tarifa diferenciada… prá poder dizer quando
consumiu porque, como consumidor residencial, tem o relógio
que vai mede a quantidade de quilowatts hora que consumiu, mas não
diz quando consumiu. Então, prá dizer se foi fora
ou dentro da ponta, é preciso de um novo medidor. Esses medidores
são caros. Normalmente, as empresas distribuidoras, além
de ter que investir num medidor que é caro, elas achavam
que aquilo seria, na verdade, uma quebra de receita por uma redução
de consumo por parte do consumidor que saberia consumir mais racionalmente,
etc… Então, isso nunca foi implantado. Eu acho importante,
mas não sei se é muito factível. Até
agora não se mostrou factível, no Brasil, fazer isso.
Como
está a confiabilidade do sistema aqui no Sul em termos de
interrupção do fornecimento, etc?
Está dentro dos padrões desejáveis. (…)
Claro que a distribuição de carga é totalmente
diferente em Joinville, Camboriú, Florianópolis no
período de verão do que Curitibanos no inverno, digamos.
Agora, a taxa de atendimento em Santa Catarina é muito boa,
como no Sul como um todo.
Como
o ONS vai gerir a entrada no sistema do excedente de auto-produtores
que, além de gerar energia para seu próprio consumo,
podem produzir sobra de energia?
Se for um auto-produtor conectado na rede básica, ou seja,
acima de 230 KV, ali ele diz respeito ao ONS. Se ele estiver numa
tensão mais baixa, em princípio o ONS não tem
que se envolver nessa questão. Se ele for se conectar na
rede básica, ou seja, em ativos que tem tensão igual
ou acima de 230 KV, ele tem que firmar um contrato de conexão,
um contrato de uso do sistema de transmissão porque ele vai
estar conectado a esse sistema e usando esse sistema. O ONS passa
a ter a ver, digamos assim, com o que ele vai ter de produção.
Ele vai ter que informar ao Operador: "hoje eu vou gerar tanto,
amanhã vou gerar tanto". Tem um processo de inserção,
de internalização desse cara na rede básica.
Se for uma tensão abaixo de 230 KV, ele vai ter que negociar
essa interação com a distribuidora local ou de quem
for de direito a linha.
O
estabelecimento do mercado de ações de energia pode
originar algum problema para o Operador?
A princípio, as questões comerciais deveriam ser independentes
das questões de operação. Então, não
acredito que o pleno funcionamento do mercado de alguma forma impacte
a questão operativa. Pode ser ter uma multiplicidade maior
de agentes conectados, mas acredito que isso vai ter um ritmo de
implantação que a própria entropia natural
do modelo vai absorver.
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