Entrevista: O Carvão como Fonte Energética

Junho/2001

Humberto Jorge José, químico, professor doutor na área de Engenharia Química do Departamento de Engenharia Química e Engenharia de Alimentos, pesquisador do Grupo de Pesquisas "Redução de Impactos Ambientais em Processos Químicos” (UFSC) 

O assunto é controle da emissão de poluentes: NOx (óxidos de nitrogênio), SOx (óxidos de enxofre), CO2 (dióxido de carbono) e CO (monóxido de carbono)

O Sr. tem trabalhado na pesquisa para redução de poluentes nas usinas termoelétricas. 
Sim, existe um projeto que está sendo realizado com financiamento da GERASUL/ANEEL, através da Pós-Graduação em Engenharia Química (EQA) e começou no ano passado. O projeto esta sendo desenvolvido pelos Laboratório de Cinética, Catálise e Reatores Químicos, Laboratório de Desenvolvimento de Processos Tecnológicos, e Laboratório de Controle de Processos do EQA. Na verdade, é um projeto para desenvolver um modelo de gerenciamento para otimização do processo de combustão de carvão mineral, objetivando não só melhorar a eficiência caldeira da unidade termoelétrica Jorge Lacerda da GERASUL (em Tubarão - SC), como também reduzir a emissão de poluentes. A partir do momento em que se consegue otimizar o processo e reduzir o consumo do combustível, reduz-se, automaticamente, as emissões de NOx, SO2, CO2, CO, compostos orgânicos voláteis, material particulado, e também o impacto na  mineração de carvão. O importante também, não é só a pesquisa aplicada, mas também a formação de recursos humanos. Neste projeto participam uma aluna de mestrado e um aluno de iniciação científica. A aluna de mestrado desenvolve a parte experimental do seu trabalho lá na GERASUL, as análises desses gases, ajustando os parâmetros do processo. São medidas as concentrações de CO,  NOx (NO+NO2), e SO2. Procuramos, juntamente com os engenheiros da empresa, detectar os principais problemas, desde o tipo de carvão usado, a forma de operação, até o ajuste no processo. Isso já tem apresentado alguns resultados positivos. 

Que tipo de carvão é utilizado lá no Complexo Jorge Lacerda? 
É utilizado o carvão mineral, com teor de cinza em torno de 42%. O carvão é caracterizado, para se determinar suas propriedades físico-químicas. Com essas informações, nós estamos desenvolvendo um programa de gerenciamento (um software), no qual são introduzidas a composição do carvão e as condições de queima do mesmo.  

O Sr. está registrando que tem redução dos poluentes mesmo? 
Embora ainda seja cedo para afirmar, já que o projeto não está concluído, os procedimentos que estão sendo feitos já está mostrando uma tendência de redução. 

Quais eram os teores de poluentes antes e agora? 
Eu não tenho os dados precisos, mas os valores aproximados para usinas termoelétricas a carvão são: NOx em torno de 600 ppm e SO2 em torno de 2.000 ppm. Mas depende da composição do carvão. Se o carvão tem mais enxofre ou nitrogênio, vai gerar mais SO2 e NOx. 

Mas esses índices comparativamente são altos? 
Eles estão até, muitas vezes, abaixo do que se espera para uma termoelétrica a carvão que não possui sistema de tratamento dos gases de exaustão. O que se quer, é reduzir ainda mais estes valores. Na verdade, são várias plantas que compõem o Complexo Termoelétrico Jorge Lacerda. Cada ponto percentual que se reduz em cada uma das plantas, reduz-se no todo. O que nós pudermos reduzir no consumo de  combustível também é reduzido lá na produção de carvão, na mineração. Hoje, as empresas carboníferas estão se conscientizando mais no que diz respeito ao impacto ambiental. 
  
Como funciona esse programa de gerenciamento? 
Nós entramos com os dados das condições operacionais e da composição do combustível, do ar de combustão. Faz-se o balanço de massa (composição teórica dos gases de exaustão) e o balanço de energia (quantidade de calor gerada). Nós temos um analisador de gases de exaustão que faz o monitoramento das emissões diretamente na saída da câmara de combustão. Estamos verificando que o balanço está fechando, entre os valores teóricos calculados e os valores medidos, o que nos permitirá simular algumas situações. 
  
Depois a própria empresa pode começar a medir e controlar a emissão dos poluentes? 
Isso. Não só através do equipamento instalado que eles também tem. Na verdade, existe uma mudança de filosofia. Quando os operadores técnicos e engenheiros, com quem também estamos aprendendo muito, começam a verificar a validade dos resultados e começam a utilizar  o software, ocorre uma mudança. Eles têm participado ativamente desse trabalho, com motivação, o qual tem gerado uma série de resultados, muitas vezes de forma indireta. Os conhecimentos de uma planta que estamos testando, podem ser transferidos para outra planta. Na verdade, é um trabalho complexo porque envolve uma série de parâmetros. O engenheiro pode entrar com dados do processo, dados do combustível, para saber, aproximadamente, o que esperar das emissões e do rendimento térmico. Essas três coisas juntas - o trabalho experimental, o trabalho teórico e a filosofia de trabalho - propiciam uma abordagem diferente do problema. Isso tem dado bons resultados. Eu já tinha feito um trabalho semelhante com gás liquefeito de petróleo em uma indústria cerâmica e obtivemos resultados muito bons.  

Com a crise de energia, todo mundo está contando com o carvão como uma alternativa, principalmente aqui em Santa Catarina por causa da reservas existentes. Isso não vai acabar degradando muito o ambiente? Essa é uma alternativa vantajosa? 
Vamos supor que não seja a melhor alternativa. Que seria interessante fazer hidroelétricas, usar energia solar, eólica, implantar as termoelétricas a gás natural. Eu li sobre a promessa da Petrobrás em garantir o preço do gás, com a variação cambial. Isso vai custar caro. A energia solar é uma excelente alternativa, mas ainda cara, bem como outras como célula de combustível, etc... Tudo isto é a médio e longo prazo. As termoelétricas a carvão já estão aí, não existe um período de amortização. O que não se pode é apagar simplesmente tudo. Não podemos ficar sem energia. Ainda vamos usar o carvão, o óleo e o gás, até acharmos uma fonte alternativa de energia que supra a demanda atual, o que levará certo tempo. Enquanto isto deveremos racionalizar a energia de que dispomos e otimizar os processos. "Ah, nós não queremos poluir". Acho ótimo. "Não vamos mais minerar porque isso dá problema". Isso é bom, mas a partir do momento em que há uma conscientização desde a geração térmica, isso reflete também na indústria carbonífera. Temos um trabalho com uma indústria carbonífera  visando a utilização do  carvão  para remoção de poluentes em águas naturais e residuárias, através de processos de adsorção. A conscientização dessas empresas já tem aumentado. Algumas praticamente não despejam  mais a água nos rios, tratam e reciclam ao máximo a água que utilizam. Nós estamos vivendo um momento em que não temos muitas opções. Nós temos que investir na melhoria dos processos de extração para reduzir o impacto ambiental e fazer com que, a médio prazo, essas indústrias consigam reparar os danos causados. Existe um problema: hoje, o carvão é responsável por 40% da matriz energética do estado. Quando o nível de água dos reservatórios sobe, a ONS pode mandar reduzir a carga na termoelétrica, mas quando baixa, a usina a carvão aumenta a potência.  

Algumas vezes, as pessoas associam fumaça preta a poluição, fumaça branca a filtro, ou seja, emissão mais limpa. Tem alguma coisa a ver? 
O ideal é não emitir nada. Mas sempre sai alguma coisa, depende do processo, depende das plantas. Algumas delas são bastante antigas, estão sendo modernizadas. Sempre sai algum poluente, mas existem limites, existe um controle. As unidades são dotadas de precipitadores eletrostáticos, os quais retêm o material particulado. Não tem tratamento para os gases, e o que existe é a possibilidade de redução da emissão dos mesmos, através da otimização do processo, como já mencionei. Não se pode comparar com alguns países ricos onde a geração termoelétrica é muito forte. Mesmo que nestes países as termoelétricas tenham sistemas de tratamento dos gases emitindo abaixo dos limites permitidos, teremos, em valores absolutos, devido ao maior número de unidades. maior emissão de poluentes. No Complexo Jorge Lacerda, verifica-se que cada uma das plantas esteja dentro dos limites estabelecidos, não só o que é diretamente emitido, mas também o que está no ar atmosférico, longe das usinas, sendo monitorado diariamente. A poluição não é tão grave quanto se imagina. Problemas existem, mas isso está sendo melhorado. A Fatma está em cima, há um controle.  

Além da poluição para o ambiente externo, há uma poluição residual dentro do ambiente para os trabalhadores? 
Afeta tudo. Existe esse problema, mas as chaminés são altas. Esse problema é maior quando há mais material particulado, cinzas leves, e concentração alta de gases como SO2, que é um gás mais irritante. Mas há monitoramento contínuo e os trabalhadores usam equipamentos de proteção individual. 
  
Qual é a tecnologia para limpar esse processo de queima? 
O que existe são os precipitadores eletrostáticos. As partículas são carregadas. vamos supor, por carga negativa que passa por outra placa que está carregada positivamente, então há atração, e ela se neutraliza. Com um mecanismo de vibração, o material particulado cai. Em plantas mais modernas, existem sistema de limpeza dos gases de exaustão, tanto por via úmida como por via seca. Estes processos representam aproximadamente 25% do custo total de uma usina. No geral, as usinas estão bem, dentro dos limites estabelecidos. O que acontece é que existem épocas ou fatores, como o clima, que agravam estes problemas.  Agora, o que não polui? Temos que achar uma equação que permita o desenvolvimento com menor impacto ambiental possível. Nós estamos desenvolvendo aqui, também no Laboratório de Cinética, Catálise e Reatores Químicos e no Laboratório de Desenvolvimento de Processos Tecnológicos, estudos para redução de NOx, e uma dissertação de Mestrado deverá estar concluída em agosto próximo. Nós estamos usando o coque do próprio carvão mineral a temperatura de 250ºC para reagir com o NOx e que, de forma semelhante também pode servir para  o SO2, transformando-os  em  N2, CO2 e, no caso da redução do SO2, em CO2 e enxofre  elementar. Na realidade, trabalhamos em duas frentes: no controle na pré-combustão, minimizando as emissões, e na pós-combustão, reduzindo aquilo que não se conseguiu evitar emitir para a atmosfera.  
  
E o gás natural: qual é o tipo de impacto no ambiente? 
Principalmente, emissão de CO2 e NOx. Mas a poluição do gás natural é muito menor do que dos outros combustíveis fósseis, como carvão , óleo, gasolina. Ele reage na combustão com o oxigênio, formando CO2 e água. Só que tem nitrogênio no ar e parte desse nitrogênio forma o NOx. Se há insuficiência de ar também pode haver formação de CO. O principal problema é a formação de CO2 que causa o efeito estufa. Deve-se considerar que o próprio metano também provoca efeito estufa, quando liberado para atmosfera por um vazamento. Mas, dos combustíveis fósseis, o gás é o menos poluente pela quantidade de carbono que tem. 

Mesmo o GLP (gás liquefeito de petróleo)? 
O GLP tem hidrocarbonetos com 3 e 4 carbonos, é uma mistura de aproximadamente 70% de propano (C3H8) e 30% de butano (C4H10), que quando queimado libera os mesmos poluentes. O gás natural é constituído de 90% de metano (CH4). 

O Sr. falou do efeito estufa. 
O CO2 e mesmo o gás natural, por exemplo, provocam o efeito estufa. Ou seja, a  camada de CO2  formada na atmosfera permite que a radiação da luz do sol passe para baixo, mas impede que a radiação infravermelha, que é absorvida pelo CO2, retorne. Há, então um aquecimento chamado de efeito estufa.

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