De
todas as energias, parece que a energia nuclear é a mais
"abstrata" para a maioria das pessoas…
Eu diria que a única coisa necessária para gerar energia
elétrica é girar uma turbina. Você pode fazer
isso de duas maneiras. No primeiro caso, em usinas hidrelétricas:
a água do reservatório ao passar em alta velocidade
pelas pás das turbinas faz com que elas girem. Isto ocorre
por exemplo em Itaipu. A segunda maneira ocorre em termoelétricas
ou usinas nucleares. Nestas usinas, a água é aquecida
gerando vapor que, sob alta pressão, força as pás
e faz girar as turbinas. O giro das turbinas aciona o gerador elétrico,
transformando a energia mecânica do movimento das pás
em energia elétrica. De uma maneira mais simples: quando
não se trata de usinas hidrelétricas, o que precisa
é uma caldeira para gerar vapor. Uma caldeira que pode ser
a carvão ou pode ser nuclear. Uma reação nuclear
do tipo fissão é semelhante ao que muita gente viu
e fez em Química no nível secundário. Em laboratórios
de química pode-se observar que certas reações
químicas, onde duas substâncias se juntam ou se separam,
geram energia e, se realizadas em meio aquoso, aquecem a água…
A reação nuclear é a mesma coisa. Quando você
fissiona um núcleo , ele se rompe em dois pedaços
como numa explosão de uma granada. Os pedaços se separam
em alta velocidade, isto é, com muita energia. Se eles estão
num meio, eles colidem com outras partículas, cedendo energia
para este meio, ou seja, eles agitam esse meio e isso aumenta a
temperatura. Se colocar água em contato com este meio quente
pode-se gerar vapor. O processo de fissão ocorre também
nas bombas nucleares. A fissão, em geral, ocorre quando um
núcleo de um elemento físsil (combustível nuclear)
absorve nêutrons. Por outro lado, quando ocorre a fissão,
um núcleo se divide em duas partes e libera mais dois nêutrons,
que por sua vez podem ser absorvidos por outros núcleos próximos,
gerando com isso mais fissões; isto é, uma reação
em cadeia. Para controlar esta sucessão de fissões
e tornar a reação programada, alguns destes nêutrons
têm que ser retirados do processo. Nos reatores nucleares,
as barras de grafite são introduzidas com esta finalidade.
É
a grafite que vai delimitar essa reação?
É. Você coloca essas barras de grafite e elas absorvem
os nêutrons, então diminui o número de nêutrons
que está ali dentro e isso evita que o processo prolifere
tanto, permitindo o controle do número de fissões.
É
a explosão programada que o Sr. falou. E a bomba?
Sim, deve-se truncar o processo. Na bomba nuclear simplesmente deixa-se
o processo continuar descontroladamente. Portanto, voltando à
questão energética: a idéia básica de
um reator nuclear é que a reação gera energia
que é utilizada para aquecer a água e essa água
aquecida é utilizada, sob pressão, para girar uma
turbina. É o mesmo mecanismo com o carvão nas usinas
termoelétricas. Com o carvão você gera água
quente que gera o vapor e gira a turbina para produzir a energia
elétrica.
Não
é uma energia muito cara para, digamos, aquecer água
e girar uma turbina, gerando energia elétrica?
Um dos grandes trunfos dos defensores da energia nuclear é
que ela seria mais barata do que as outras. Isto é, depois
do investimento inicial, a manutenção e o tempo de
uso ao final seriam lucrativos. Isto dentro do ponto de vista de
determinados economistas que só pensam em custos e lucros…
Dá para fazer análise de custos técnicos e
chegar a conclusão: "ah, isso dá lucro".
Porém, por ser uma coisa muito perigosa, é muito delicado
deixar isso na mão de economistas do lucro. Os perigos não
podem ser superdimensionados nem subestimados. Nenhum dos extremos.
Existe um controle bastante grande e muito cuidado. Por exemplo,
embora possa acontecer, o melt (a fusão do interior de um
reator), é uma coisa bastante difícil. Apesar de ser
bastante difícil de ocorrer é extremamente perigosa
porque, se acontecer, é uma coisa muito dramática
mesmo, algo como aconteceu em Chernobyl e em outros lugares. No
entanto, eu quero chamar a atenção para outros perigos
que não são tão visíveis nem catastróficos,
mas fazem parte do cotidiano de uma usina. Tem um caso famoso, na
Irlanda. Quando se analisam as condições de segurança
de uma usina nuclear... Por exemplo, a região do reator onde
a reação nuclear ocorre, em geral, é lacrada.
A água que entra em contato com o combustível nuclear
não passa pelas turbinas, ela vai aquecer um reservatório
que, por sua vez, aquecerá a água externa a ele. Portanto,
em princípio, os dejetos radioativos não saem do interior
do reator, mas em algum momento esse material radioativo tem que
ser descartado. Aí começam os problemas sérios.
Existem materiais radioativos de vários tipos. Alguns emitem
radiação por pouco tempo, outros por muito tempo.
Então, se faz a separação desses materiais
e, claro, deve-se tomar uma série de cuidados com relação
a isso. Obviamente, existe sempre a questão se foram tomados
mesmo esses cuidados ou não. Mas vamos supor que sim. Quer
dizer, vamos supor que estejamos numa situação de
funcionamento normal e ótimo da usina. Mesmo assim pode-se
ter problemas . Por exemplo, parte dos resíduos radioativos
é jogada na natureza. Isto é feito de forma planejada,
porém nem sempre com sucesso. A idéia por trás
dos cálculos que se faz para essas coisas, muitas vezes,
é assim: se eu jogar esse material radioativo e diluir numa
baía, com tantos quilômetros quadrados, etc, esse material
vai diluir e a radioatividade que vou ter é a mesma radioatividade
natural que nós temos, porque nós sempre estamos sujeitos
à radioatividade natural. No entanto, nem sempre esta idéia
de diluição funciona. Na Irlanda aconteceu algo desse
tipo. Existem alguns elementos radioativos que, na verdade, não
se diluem dessa forma. Eu estou sem os dados, mas acho que foi o
Potássio… Ele terminou se fixando em determinados elementos
que têm Cálcio. Nessa região da Irlanda, onde
ocorreu isso, existem algumas algas que eram usadas pelos pescadores
para fazer farinha e pão. O que ocorreu é que, em
vez de esse material se diluir, ele acabou se concentrando nessas
algas.
Ele
acabou se agregando a outros elementos naturais…
É, porque ele reagiu mais fortemente com determinadas coisas.
Então, aquele cálculo sobre o tamanho da baía
não serviu para nada porque o material radioativo acabou
reagindo com outros materiais. O que aconteceu é que teve
um aumento estúpido de câncer no intestino, no estômago…
Veja que isso é um efeito que ocorreu não porque houve
uma explosão, não por causa dos maiores perigos…
Às vezes, se coloca muito a questão da possibilidade
da explosão, da fusão do reator, síndrome da
China… Às vezes, se focaliza muito isso e se esquece
o cotidiano. Mesmo com o funcionamento normal e ótimo de
uma usina, você tem perigos desse tipo. São essas coisas
que me deixam um pouco temeroso em relação aos reatores
nucleares. Então, é uma coisa que, talvez, do ponto
de vista dos economistas, custos e cifras, etc, esteja muito bem.
Do ponto de vista dos técnicos ou daqueles que fazem todos
esses cálculos de confiabilidade, seguridade, talvez também
esteja tudo muito bem. Porém, eu não acho que se tenha
o total controle sobre isso. Mesmo numa situação usual.
É uma tecnologia bastante delicada.
Como
se descobriu essa energia do átomo? Imagino que, à
época, até mesmo porque já se usava muito o
carvão, não se descobriu isso porque estava se buscando
uma fonte energética…
Não, as pesquisa não pretendiam resolver um problema
imediato. Na década de 30 e 40, havia um trabalho na Universidade
de Roma, onde pesquisadores estudavam o núcleo. Já
se conhecia o núcleo… Um átomo tem elétrons
ao redor dele e, no interior, tem um núcleo que é
constituído de prótons e nêutrons. As reações
nucleares se dão no interior do núcleo e elas são
muito mais energéticas do que reações químicas
que ocorrem nas camadas mais externas do átomo, onde se encontram
os elétrons. Nesta época, esse pessoal de Roma pensava
poder criar novos elementos químicos ou transformar elementos
químicos em outros. Isso é quase como o velho ideal
alquimista de transmutar elementos em ouro... Quer dizer, pretendia-se
aumentar o conhecimento sobre os núcleos e, quem sabe, se
conseguiria criar novos materiais que talvez fossem úteis.
Estes físicos descobriram que se jogassem nêutrons
lentos, esses nêutrons poderiam ser capturados pelos núcleos.
Criou-se então a expectativa de que, talvez, esses nêutrons
criassem núcleos maiores ou átomos maiores, mais pesados,
cujas propriedades químicas poderiam ser mais interessantes
e tal. Este foi o começo da descoberta da fissão nuclear.
Este período foi muito interessante e confuso. Muita gente
achava que realmente tinha descoberto átomos mais pesados.
Esse trabalho era feito por físicos e químicos que
separavam e tentavam estudar o resultado dessas reações.
No começo não se sabia exatamente o que era e se pensou
que tinham formado um átomo mais pesado. Alguns até
deram nomes, como ekachumbo, quer dizer, um chumbo mais pesado…
Tinha uma química de Berlin, a Ira Noddack, que deu uma "dica"
na direção correta, mas ninguém deu bola. Mais
tarde, Otto Hann e a Lisa Meitner, que trabalhavam na Alemanha começaram
a desconfiar que, na verdade, não estava havendo um aumento
no sistema, mas sim que estava se separando, se dividindo o núcleo.
Então, a Lisa Meitner e um sobrinho dela, o Otto Fritsh,
descobriram que, na verdade, os núcleos se separavam em dois
outros menores, isto é, que ocorria a fissão. Niels
Bohr quando soube deste resultado disse algo como: puxa, como nós
falamos bobagem durante tanto tempo… O Bohr fez, então,
um modelo muito simples da fissão baseado na gota líquida.
Estudos anteriores sobre a energia interna dos núcleos indicavam
que os núcleos tinham um comportamento semelhante ao de uma
gota de água. Isto é interessante, pois o núcleo,
essa coisa que parece tão complicada para as pessoas, às
vezes, se comporta como uma simples gota líquida. Bohr já
tinha estudado gotas líquidas eletrizadas. Nestes estudos
ele havia aprendido que, quando se colocava carga elétrica
demais, ela terminava se rompendo, ou seja, havia uma determinada
carga crítica, a partir da qual as gotas se fissionavam.
Com isto em mente, Bohr imaginou que o excesso de nêutrons,
causado pela captura, teria um papel semelhante ao do excesso de
carga, isto é, desestabilizaria o núcleo fazendo com
que ele se fissionasse. Seguindo esta linha de pensamento, Bohr
calculou o número de partículas ou "a massa crítica"
que levaria à fissão. Quer dizer, a massa crítica
funciona com um ponto de saturação a partir da qual
o sistema se rompe. Então, ele calculou, pela primeira vez,
a fissão e calculou também a energia com que essas
partículas sairiam. Logo a seguir, se conjecturou a possibilidade
disto como fonte de energia. Também se descobriu que, da
fissão de alguns núcleos, saíam dois núcleos
menores e dois nêutrons e que isso poderia gerar uma reação
em cadeia, visto que, se os dois nêutrons fossem capturados
por outros 2 núcleos, gerariam mais 4 nêutrons que
se capturados por outros 4 núcleos gerariam mais 4 fissões
e mais 8 nêutrons e .....(boom). Alguns começaram a
pensar num reator de energia, mas o mundo estava em guerra e pensar
na bomba não foi muito difícil. A primeira pilha atômica
foi feita pela equipe de Enrico Fermi, e com o esforço de
guerra se trabalhou em duas linhas: na bomba e nos reatores.
Mas
na bomba não tem esse mecanismo de controle da reação
em cadeia…
Uma bomba nuclear não tem um mecanismo de controle e precisa
de um gatilho… Numa bomba, muitas vezes, você coloca
material físsil separado em porções abaixo
da quantidade crítica, o que não gera a explosão.
Com um mecanismo que funciona como gatilho, você aproxima,
isto é, junta o material fazendo com que chegue à
massa crítica e a reação em cadeia gera a explosão.
Uma
das imagens mais marcantes para a humanidade é aquela foto
do cogumelo atômico sobre Hiroshima…
O cogumelo pode aparecer também com bombas químicas.
A forma de uma nuvem do tipo do cogumelo depende do tipo de ondas
de choque, de pressão e de temperatura geradas pela explosão.
A explosão gera uma quantidade muito grande de energia num
intervalo muito pequeno de tempo e de espaço. Então,
saem partículas com energias muito altas gerando temperaturas
muito elevadas que formam uma onda de calor muito intenso…
A alta temperatura surge da colisão das partículas
umas com as outras em uma velocidade muito grande. Se você
tem partículas com energia muito grande, elas vão
ceder energia para outras e outras e outras e isso vai se espalhar.
Mas isso não se dá da maneira como a temperatura usual.
Uma explosão nuclear se dá numa forma violenta e vai
criando uma onda de choque, tem aumento de temperatura, variações
de pressão que criam ventos fantásticos, ondas de
calor… isso vai destruindo tudo. No filme The Day After, há
uma simulação da explosão nuclear onde você
vê as janelas quebrando. Isso acontece com qualquer explosão,
mas na explosão nuclear isto acontece de forma muito mais
violenta. Mas, além da destruição imediata,
o problema maior vem depois com as substâncias radioativas
que são subprodutos da explosão e continuam emitindo
radiação ionizante.
Qual
é o efeito dessa radiação?
Os efeitos biológicos da radiação nuclear são
devastadores, mas o mecanismo não é muito diferente
da radiação solar. Quando a gente fica morena pelo
sol, o que acontece? O sol bate na pele, os fótons de luz
são absorvidos por determinadas moléculas e essas
moléculas soltam determinadas substâncias que são
vasodilatadoras, por isso a pela fica vermelha. Se você abusa
do sol as substâncias podem disparar mecanismos enzimáticos
e causar lesões. No fundo, o mecanismo básico é
que a radiação, seja nuclear ou solar, ativa uma reação
química ou biológica, cujos resultados podem ser de
queimaduras a mutações. A radiação nuclear
é de energia maior e por isto tem uma capacidade maior de
ionizar, isto é, transformar átomos neutros (sem carga
elétrica) do organismo em átomos carregados. Isso
faz com que esses átomos se tornem muito mais ativos quimicamente,
gerando mais reações químicas no interior do
corpo. As radiações ionizantes são mais perigosas
por isso. Elas podem, por exemplo, quebrar cadeias de DNA, o que
pode ou não gerar câncer… Alguns destes efeitos
dependem da quantidade de radiação que você
toma, mas existem estudos sobre os efeitos de doses pequenas de
radiação. Numa explosão nuclear, a quantidade
de radiação é muito acima do que nosso organismo
pode agüentar. Em acidentes radioativos, como o de Goiânia,
algumas gramas de césio (elemento radioativo) geraram um
acidente de grandes proporções. As pessoas que tiveram
contacto direto com o material radioativo ou morreram ou até
hoje sofrem as seqüelas...
Uma
questão que foi levantada com os atentados nos Estados Unidos
é o nível de proteção das usinas nucleares.
Existe risco de explosão se um avião for jogado sobre
uma usina?
Acho que é possível. Uma vez, o prof. Pinguelli Rosa
(Coppe-UFRJ) fez uns cálculos sobre a hipotética queda
de um Boeing sobre uma das usinas de Angra. Neste cálculo
ele fez o dimensionamento das proteções do concreto,
etc… Eu não me recordo dos detalhes, mas acho que se
fizerem alguma coisa parecida com o que fizeram com o World Trend
Center, a usina não agüenta. Eu não tenho os
cálculos, não posso afirmar, portanto, só estou
fazendo uma especulação.
E
o risco de contaminação com pequenos pedaços
de material radioativo? O próprio prof. Pinguelli Rosa, recentemente,
alertou que seria muito mais simples promover uma contaminação
silenciosa, transportando material radioativo numa maleta e espalhando
isso numa cidade… Isso é bem factível?
Infelizmente, acho que sim. É um dos problemas dessa tecnologia…
A radioatividade existe na natureza, mas o que o homem fez foi concentrar
isso em determinados locais numa quantidade absurda. Isto, unido
aos perigos inerentes da tecnologia, faz com que sejam necessários
muitos cuidados de segurança. Essa é uma das outras
razões porque não gosto de reatores nucleares. Um
grupo francês fez, há algum tempo, uma análise
sobre o que seria necessário para se ter segurança
total. Este grupo chegou à conclusão que seria necessário
transformar o Estado num Estado policial. Quer dizer, seria preciso
tanta coisa que iria tolher as liberdades civis. Isso é um
outro impacto. É delicado também … É muito
delicado não saber, por exemplo, em que mãos está
essa tecnologia, tanto em termos de nações, quanto
de grupos…
Quais
são os elementos usados normalmente num reator nuclear?
Tem o urânio, o tório… O tório, por exemplo,
é um elemento que dá prá fazer um reator mais
limpo. Existiu na década de 60, no Brasil, um grupo que começou
a trabalhar com isso, mas não foi em frente. Segundo físicos
mais antigos pressões diversas pararam este trabalho …
Pressões
em favor da tecnologia alemã que viabilizou o Complexo de
Angra?
Foi antes do acordo Brasil-Alemanha. Parece que as pressões
tinham origem nos Estados Unidos. O Brasil tem, até hoje,
um problema com a Westinghouse, que é aquela empresa de um
dos reatores de Angra, que tem tecnologia americana. Na verdade,
esses reatores da Westinghouse têm problemas e parte do contrato
não foi cumprido, o Brasil tentou acionar, mas os Estados
Unidos joga pesadíssimo. Ainda com relação
à pesquisa nuclear no Brasil, há muitos anos se tentou
fazer física de nêutrons. Esta física é
necessária para o desenvolvimento de reatores e também,
é claro, para a bomba. Houve também pressões
fortes contra estas linhas de pesquisa… É uma coisa
delicada mesmo. Eu não sei os detalhes, pois isto apenas
me foi colocado em conversas informais com físicos da época.
Eles me passaram a idéia de que as pressões foram
muito fortes em alguns casos ou se jogou mais dinheiro em outras
pesquisas, atraindo pesquisadores para outra direção.
Mas, em resumo, terminou-se comprando um reator da Westinghouse,
ele veio com problemas, aí se tentou acionar…
O
Sr. está falando de Angra I…
De uma das usinas, não sei qual delas exatamente tem esse
reator. Parece que as usinas alemãs também têm
alguns problemas… As pessoas, às vezes, falam que o
Brasil comprou usinas obsoletas ou antigas. Talvez fosse melhor
assim, pois em termos de tecnologia nuclear, é melhor ter
uma que foi muito testada do que uma que você fica colocando
algum mecanismo novo, alguma coisa nova… Se não se faz
o exame específico de cada um desses detalhes, pode ser que
aquela peça nova estrague todo o restante. É a mesma
coisa que colocar uma peça nova num carro velho. Às
vezes, ela termina quebrando o restante porque são coisas
diferentes…
O
Brasil precisava de energia nuclear?
Acho que não. Minha tese é que, se tivéssemos
um grupo de pesquisa em reatores atômicos desde a década
de 60, teríamos quarenta anos de pesquisa em reatores. Com
isto teríamos pesquisa e conhecimento suficientes para tomarmos
decisões mais independentes. Isto é, não necessitaríamos
ficar nesta eterna dependência da tecnologia dos outros e
teríamos tempo para ver se isso é viável ou
não é. Obviamente, estou falando do caso ideal, onde
a posse deste conhecimento seria interessante…No entanto, com
tanto sol e tantos rios e tantas usinas hidrelétricas, a
dependência do Brasil com relação à energia
nuclear seria muito pequena e, talvez, desnecessária. Eu
vejo, porém, que esse governo está destruindo a matriz
energética do País. Eu acho que o Brasil tinha uma
matriz energética bastante boa que poderia ter evoluído,
também poderia se usar mais o sol... Isto é, podia
ter se investido bastante na pesquisa de energia solar, álcool,
biomassa, etc. Em resumo, eu não acho muito interessante
a energia nuclear, mas acho importante que o Brasil tenha conhecimento
e grupos de pesquisas em energia nuclear. Acho que esta tecnologia
até pode ser útil, em caso extremo de altíssima
necessidade. Ter algo assim disponível… Não podemos
esquecer que, em algumas regiões do planeta, alguns países
precisam desta energia nuclear. O Japão, por exemplo.
Questionaram
até a estrutura do solo ser adequada porque diziam que Angra
significa…
"Pedra podre". Eu não sei se é exatamente
isso… O Brasil tem a mania de subestimar a sua própria
capacidade. Eu acredito que tenham feito estudos geológicos
sérios, mas não posso deixar de pensar que a especulação,
o dinheiro e as empreiteiras podem estar por trás disto tudo.
Quando há lucro, há perigo… Por isto, eu digo
que é muito delicado ter lucro com uma coisa desse tipo.
Esse tipo de tecnologia não pode estar na mão privada.
Digamos assim, se o lucro dita mais alto pode-se esquecer os estudos
e relatórios ou pode-se pagar por outros relatórios,
etc… Isso pode ter acontecido. Eu já vi muito na imprensa
sobre isto, muita gente séria já fez essa análise
e apontou para essa direção. Então, eu tenho
razões para acreditar que existem problemas no terreno.
Agora,
em setembro, somente quatro meses depois de ocorrido, se noticiou
que vazaram 22 mil litros de água radioativa do Complexo
de Angra. O acidente teria ocorrido por falha humana porque os operadores
não cumpriram os procedimentos normais de controle da temperatura
e da pressão da água do reator e a água radioativa
vazou para um tanque de contenção interno.
Essa é uma discussão muito importante porque eu acho
que isso faz parte de uma tradição elitista e autoritária
… Quer dizer, para muitos no país existem os que sabem
e o resto que não sabe e nem precisa saber… Essa é
uma das coisas mais delicadas da relação entre ciência,
tecnologia e sociedade. Esse autoritarismo meio latente de quem
detém o conhecimento... Este assunto de fundo mais geral
tem sido motivo constante de debate na cidade de Angra exatamente
por causa da existência da usina… As pessoas têm
que ser esclarecidas. Os chamados "técnicos" não
têm o menor direito de dizer que não deveriam ter esclarecido
a população porque o vazamento foi na área
de contenção interna. Independente do local do vazamento,
as pessoas têm que saber. A desculpa que não queriam
alarmar a população é arrogante e mentirosa.
Se eles tivessem feito um bom trabalho de explicação
sobre os reais perigos de uma usina, as pessoas poderiam entender
o significado de área de contenção interna.
A população tem o direito de acompanhar todo o processo,
pois lhes diz respeito. Existem ainda outras questões de
acompanhamento. Por exemplo: estão fazendo o acompanhamento
de toda a população de Angra para monitorar os níveis
de radiação? Existe um programa desse tipo? Quais
são os outros programas de segurança? Eu não
sei, mas eu temo que, inclusive a deterioração de
outros programas de medicina preventiva no Brasil e de fiscalização,
fruto deste descaso com o serviço público, tenham
também seus efeitos e conseqüências na fiscalização
e acompanhamento de algo tão delicado. Por exemplo, eu soube
recentemente, através de um físico da Universidade
Federal Fluminense, que, em Goiânia, o lixo radioativo não
está sendo bem tratado. Ele esteve recentemente lá,
coletando amostras do local e analisando o lixo radioativo. Ele
aponta alguns problemas nesses dejetos. Eu não sei se eles
estão monitorando e tomando todos os cuidados necessários.
Não sei se tem gente suficiente para fazer esta monitoração
e nem se estão preparando gente para isto. Este é
mais um caso que deve ser investigado e tratado com seriedade pela
imprensa e deve ser divulgado de forma adequada para a população.
Uma boa divulgação não causa pânico,
mas sim esclarece e instrumentaliza as pessoas a exigirem providências
do poder público. Não tem justificativa reter essa
informação. As pessoas têm o direito legal e
constitucional de saber isso. Quando se fala sobre estes assuntos
é comum tratar essas questões como assuntos apenas
para especialistas. Obviamente os especialistas são importantes,
mas a população pode, deve e tem o direito de ser
informada e, em alguns casos mais específicos, mais do que
apenas informação é necessário uma formação
mais específica, vide o caso da população de
Angra e Goiânia.
Em
princípio, segundo as informações oficiais,
a água radioativa ficou apenas no tanque de contenção
interna. Quais são os riscos se essa água vazou para
o ambiente externo?
Aí é que está… A total falta de informação
dá nisso. Por exemplo: o que vazou? Esse tanque de contenção
interna era o que: era onde filtrava os elementos mais radioativos
ou menos radioativos? Ou será que vazou para o tanque interno
mas depois dessa filtragem? Eu não sei.
São
riscos absolutamente distintos?
Absolutamente distintos. Se houve vazamento para uma região
antes da filtragem, então o material pode ser deslocado para
um local teoricamente adequado e depois ser tratado como dejeto.
Outra coisa que eu também não sei é onde estão
sendo jogados os dejetos…
Existe
algum tipo de reutilização desses dejetos?
Não… Onde poderia se aproveitar esse lixo nuclear? Tem
alguns subprodutos dos reatores, como césio e outras coisas,
que podem ser utilizados para terapia na medicina nuclear. Mas não
necessariamente como subproduto dos reatores nucleares. O que é
a radioatividade? Um elemento vai se transformando em outro…
Existe a radiação gama, onde ele perde somente energia,
mas existem as outras radiações… Então,
um elemento se transforma em outro que pode não ser radioativo,
mas ele já não tem as mesmas propriedades. Não
tem sentido reaproveitar porque ele já é outra coisa…
E o problema é que essas coisas, algumas vezes, emitem radiação
por milhões de anos…
O
Sr. falou do processo de fissão, que é a divisão
do núcleo, e o processo de fusão nuclear?
O processo de fusão ocorre quando dois núcleos se
unem, se fundem, formando um núcleo mais pesado. A idéia
básica é a mesma, isto é, obter energia a partir
de uma reação nuclear. Quando o átomo do elemento
é muito massivo (por exemplo: o urânio é constituído
por 235 partículas nêutrons e prótons), ele
tende a gerar energia quando se rompe, ou seja, se fissionam e liberam
energia. Por isso são denominados núcleos físseis.
Quando os átomos são menores, a tendência é
oposta: quando eles se fundem formando um elemento mais pesado,
eles o fazem liberando energia. Para fazer com que os núcleos
se fundam é necessário criar um ambiente onde um conjunto
de núcleos colida, batam uns nos outros possibilitando a
fusão. É algo semelhante a você chacoalhar uma
caixa cheia de bolinhas de massa. Várias delas grudariam
formando uma bolinha maior. Isto é feito em reatores a plasma.
Alguns destes reatores, chamados Tokamaki, tem o formato de um toro
(pneu). No interior deste toro, elementos como deutério e
trítio, parentes do Hidrogênio, são guiados
pelos campos magnéticos elétricos para regiões
que maximizam as colisões e as reações de fusão
e eles se transformam em Hélio. Quando isto ocorre há
liberação de energia. Mas é um processo difícil
de controlar porque quando há liberação de
energia os átomos tendem a ceder energia para os vizinhos
que podem escapar da região que maximiza as reações.
Isto implica que há uma briga constante para estabilizar
este processo … Até hoje não se conseguiu estabelecer
um regime estável para gerar energia desta forma. Eu digo
que é como se você tivesse um cobertor curto demais.
Se você cobre o pé, descobre a cabeça; se cobre
a cabeça, descobre o pé… Fica essa briga. (risos)
É um sistema chamado de não-linear, cujo equilíbrio
é muito difícil. Vários países pesquisam,
mas não se conseguiu até hoje… Essa seria uma
energia mais limpa, embora ainda tenha liberação de
nêutrons.
O
resultado seria uma radioatividade mais baixa?
Nesse caso não temos dejetos. A radioatividade vai se restringir
à produção de nêutrons. Seria um processo
muito mais limpo, infinitamente melhor do que a fissão. Só
que é muito difícil conseguir isso. Estão tentando
desenvolver esse reator a plasma e estão pesquisando outro
reator a laser. Neste se trabalha com pastilhas de elementos que
podem se fundir. Com o laser se desenvolve um processo que causa
uma explosão nesta pastilha, havendo uma compressão
da parte mais interna enquanto a camada mais externa é lançada
para fora. A compressão pode gerar condições
para os elementos se fundirem gerando energia… Mas, até
hoje, eles não conseguiram causar a ignição.
O processo se inicia, mas apaga em seguida . A pesquisa continua…
E
a radioatividade natural, ela é perigosa?
O que existe é uma diferença de concentração.
Na natureza, os elementos químicos aparecem nas mais diversas
formas. Você pode ter um núcleo do elemento Potássio
que, normalmente, é encontrado na natureza com um núcleo
de 20 nêutrons e 19 prótons. Este tipo de Potássio
é estável e não radioativo. No entanto, você
pode ter outros tipos de potássio adicionando nêutrons.
Estes nêutrons a mais não transformam o Potássio
em outro elemento, mas apenas em um potássio mais pesado.
Esses elementos com diferentes números de nêutrons
são denominados isótopos. Alguns desses isótopos
podem ser radioativos, isto é, podem ser instáveis.
Digamos que a radioatividade é uma situação
de equilíbrio instável. Como se tivesse uma pirâmide
de bolinhas. Se, de repente, você coloca uma outra bolinha
lá no topo, essa pirâmide desmancha. Na natureza, existem
vários elementos desse tipo. Existe uma certa probabilidade
de encontrá-los, mas a abundância deles não
é muito grande. Eles estão distribuídos na
natureza, não estão concentrados. Por exemplo o Potássio
não radioativo é encontrado em mais do 99% dos casos.
Então qual a diferença entre a radioatividade natural
e a artificial ? Se você tiver dez, vinte, trinta átomos
radioativos, é claro que isso é muito pouco. A radiação
de um único átomo é muito pequena. O problema
é a concentração… Você sabe o que
é 10²³ ?
É
um dez com milhões de zeros…
É um número imenso que pode ser encontrado numa grama
de material radioativo… Então, quando você concentra
este material em um local, aparecem os problemas. É análogo
ao caso da radiação solar. Todo mundo toma radiação
solar... Ela pode fazer mal, mas em quantidades não muito
grandes o organismo pode se defender. Além disto, se você
não toma sol, você pode ficar doente. Mas se tomar
muito sol, também. A diferença é o nível
de concentração...
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