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Eros
Marion Mussoi, engenheiro agronômo, doutor em Agroecologia
e Desenvolvimento Sustentável; professor, em tempo
parcial, do curso de Agronomia e do mestrado em Agrosistemas
(UFSC), diretor da Empresa de Pesquisa Agropecuária
e Extensão Rural do Estado de Santa Catarina (Epagri)
com gestão até setembro de 2001.
O
assunto principal é agricultura sustentável
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Em
linhas gerais, quais são as diferenças entre a agricultura
moderna e a agricultura sustentável?
A agricultura chamada de moderna teve duas revoluções.
Uma no século 19 e outra em meados do século passado.
A principal foi a segunda que determinou uma nova dinâmica
para a agricultura. Com a justificativa de acabar com a fome no
mundo, se criou o que convencionalmente se chama de revolução
verde. Essa revolução foi um procedimento de melhoria
genética, principalmente, de plantas, depois de animais,
pelo qual se buscou maior produtividade. Essa maior produtividade
foi buscada, no início, pela diminuição dos
entrenós das plantas. Por exemplo, um pé de milho
crioulo, tradicional, é alto. Então, prá melhorar
a produção, através da adição
de insumo… se somente se colocasse insumos, ele ia crescer
muito e ia acamar, que foi o que aconteceu. Então, na segunda
metade da década de 1940, algumas fundações,
não por acaso, como a Fundação Ford, Fundação
Rockfeller, começaram a investir na melhoria genética,
buscando maior produtividade. Primeiro para o trigo, milho e arroz.
Diminuindo os entrenós das plantas, deixando plantas menores,
elas suportavam maior carga de adubo. Diminuindo o tamanho das plantas
e produzindo mais com mais insumos é evidente que as ervas
daninhas também cresciam. As plantas ditas "más".
Na agricultura sustentável não tem "plantas más".
Então, a partir daí começa a se estabelecer
o que se chamou de pacote tecnológico. Uma planta geneticamente
melhorada como os milhos híbridos e o trigo de melhor qualidade
necessitavam obrigatoriamente de um pacote tecnológico ou
um conjunto de técnicas (adubos, aditivos, agrotóxicos,
irrigação, motomecanização). Isso é,
de uma forma muito simples, o processo de modernização
da agricultura, que teve uma influência muito grande nesses
últimos cinqüenta anos, no mundo inteiro. Evidente que
a ciência mostrou o seu potencial porque algumas plantas aumentaram
a sua produtividade, mas essas mesmas variedades, sem esse pacote,
produzem menos do que as convencionais. Essa é uma das conseqüências
da modernização. Mas as duas principais conseqüências
foram a enorme exclusão social e cultural, à medida
o mundo não precisa produzir mais alimentos. Alimentos tem,
a questão é de distribuição eqüitativa,
democrática desses alimentos e de distribuição
de renda. Ou seja, a agricultura moderna causou um enorme exclusão
social, à medida que a grande maioria dos agricultores familiares
não se encaixaram a esse novo modo de produção
porque esse era extremamente caro, dependente de crédito,
e trouxe uma enorme dependência porque tem que mudar as sementes,
todos os anos. Além da exclusão social, trouxe também
a exclusão cultural também porque se desmereceu o
conhecimento historicamente acumulado pelos agricultores, de geração
a geração.
A
agricultura acabou se tornando um processo muito particularizado
de técnicas desenvolvidas em laboratório?
Muito particularizado, muito localizado… Houve uma certa hierarquização
de saberes. O cientista tem determinado saber, o agrônomo
e o extensionista tem outro e o agricultor é um "pobre
coitado", que não tem conhecimento algum. Então,
se estabeleceu essa lógica hierarquizada e extremamente excludente
do ponto de vista cultural e social. Isso possui uma enorme conseqüência
também na erosão do conhecimento. A ciência
mostrou o seu potencial que, se jogado pro lado do desenvolvimento
sustentável, mostra a capacidade que nós temos de
gerar um outro modelo.
Esses
são os custos sociais e os custos ambientais dessa modernização?
Os custos ambientais são esses que, hoje, está-se
tentando reverter. Pro meu gosto, muito a nível de discurso
e pouquíssimo a nível de prática. Acho que
se faz medidas paliativas nesse ramo. Há algumas medidas
efetivas, mas muito discurso, basta olhar os resultados da Eco'92…
Uma
das críticas é justamente que os planos de desenvolvimento
sustentável são "muito bacanas", são
politicamente corretos, mas as boas intenções ficam
somente na retórica…
Eu não vou dizer que sempre é assumido como retórica,
acho que está avançando, mas o termo passou a ter
função obrigatória de estar no discurso do
que propriamente assumir esse discurso. Então, sobre a questão
ambiental… Eu fico impressionado ao passar todos os dias e
me deparar com a placa da Pedrita no morro do Rio Tavares: Pedrita,
a primeira pedreira do Brasil que ganhou a ISO 14.001 por consciência
agroecológica… Daí eu desvio um pouquinho o olhar
e vejo um morro de Mata Atlântica que eles estão destruindo.
Que consciência é essa? Não é nem discurso,
isso é compra de um selo. Essa é a lógica,
hoje. (…) Então, além da perda cultural e social,
esse modelo convencional de agricultura também trouxe uma
enorme conseqüência no sentido contrário à
biodiversidade. Se a gente vai fazendo os contrapontos, já
dá prá traçar o que seria o modelo sustentável…
Por exemplo, a revolução verde se concentrou em alguns
produtos especiais. Tem um livro muito interessante de uma jornalista
americana, Susan George, que fala sobre o mercado da fome, no qual
ela aborda as verdadeiras razões da fome e discute a revolução
verde. Ali tem um dado interessante: no mundo tem 80 mil espécies
alimentares e 90% da alimentação mundial está
centrada, hoje, em 50 dessas espécies. Eu trabalhei nas Nações
Unidas, pela FAO, cinco anos na África e lá eu aprendi
a comer coisas que, aqui, nós jogamos herbicida em cima.
Por
exemplo…
Picão… aquilo que você vai pro campo e prende
na pele. Isso é riquíssimo em ferro. Lá, eles
fazem prato riquíssimo…
Digamos
que, para os nossos olhos, não "pega bem" consumir
caules, folhas de cenoura, beterraba…
Eu discuto isso com nutricionistas, é uma questão
nutricional… como razão para resolver a questão
da fome no mundo efetivamente através de uma perspectiva
sustentável. Na África, eu aprendi a comer amarantus,
que dá no meio da soja e se joga herbicida em cima, mas tem
uma qualidade nutricional interessante. Então, eu estava
falando do livro da Susan George prá mostrar a questão
da biodiversidade… A partir dos anos 1950, 1960, começa
a entrar esse novo modelo de agricultura, as monoculturas, pelas
empresas agrícolas e é uma tremenda agressão
ambiental, destrói os ecossistemas, sem nenhuma perspectiva
de sustentabilidade. Esse modelo convencional nos jogou num beco
quase sem saída. Hoje, a gente tem que discutir modelo sustentável
em cima de uma natureza profundamente degradada, em cima de um processo
de erosão cultural…
Como
vai ser o processo de transição para esse modelo sustentável?
Eu costumo dizer que nós estamos iniciando o processo de
transição. O modelo hegemônico ainda é
o processo "moderno". Nós estamos conscientes que
isso não resolveu o problema e trouxe outros problemas, estamos
começando a transição. Essa transição
implica em considerar muitas coisas feitas. Por mais que o Rio Grande
do Sul tenha feito uma opção pela agroecologia, aqueles
três milhões de hectares de soja estão lá,
eles fazem parte de uma estrutura produtiva. Isso é uma coexistência
que tem que ser entendida, não é um decreto que vai
acabar com isso. É um processo de reconversão gradativa.
Agora, não tenho idéia de como fazer isso. Interessante
que os europeus pensam muito na gente, que a gente tem que fazer
isso. Eles deveriam pensar neles também, como é que
eles poderiam fazer isso.
As
indústrias de insumos agrícolas, sejam aditivos, adubos
ou mesmo máquinas, são muito grandes, em geral são
empresas transnacionais que tem um poder econômico muito forte…
Uma das coisas que explica a revolução verde é
que, com o final da Segunda Guerra Mundial, um imenso parque metal-mecânico
ficou obsoleto. Então, não é por acaso que
quem financia a revolução verde são as fundações
como a Ford e a Rockfeller, que tinham alto interesse no capital
internacional. Era uma forma de desafogar o seu parque industrial.
Quer dizer, em vez de produzir material prá guerra, vamos
produzir tratores… Então, se estamos nessa transição
e vamos coexistir com esses dois paradigmas de desenvolvimento por
um tempo, vamos começar a olhar essa nova ciência,
vamos ter expectativa de alguma coisa diferente. Evidentemente,
pegando os contrapontos, a gente começa a desenhar o novo
modelo sustentável e ele é multidimensional, ele não
é só econômico produtivista como está
sendo esse. Quando eu falo multidimensional, no mínimo, tenho
de trabalhar com cinco dimensões. É evidente que a
sustentabilidade econômica é fundamental, mas a sustentabilidade
social, a sustentabilidade cultural são fundamentais. Primeiro
que essa concepção de desenvolvimento sustentável
não vem pronta, eu não tenho, você não
tem… e ainda bem porque daí não é massificada,
ela cresce endogenamente numa comunidade lá no Rio Vermelho
ou em Santa Terezinha, lá em São Miguel do Oeste.
Esse desenvolvimento tem dimensões, mas ele é construído
localmente, regionalmente… Dessa forma, você trabalha
com as potencialidades locais, com o conhecimento local, com maior
autonomia técnica, econômica, organizativa… As
dimensões estão ali, estão sendo dadas, mas
temos que ter atenção ao social, ao econômico,
ao cultural, nós temos que ter atenção ao ambiental…As
concepções de desenvolvimento, chamadas de "desenvolvimento",
as primeiras trataram muito do crescimento econômico, crescer
a produção e a produtividade… você vê
que há uma evolução nas concepções
de desenvolvimento, da questão puramente econômica
até a incorporação da questão ambiental,
passando pela incorporação do social como conceitos.
Se bem que os hippies já apontavam isso na década
de 1960…Mas, especialmente a partir da década de 1980,
a dimensão ambiental, às vezes muito mais no discurso
que na prática, passa a ser uma preocupação
dos movimentos sociais, dos políticos oportunistas, dos políticos
sérios. Agora, uma das principais dimensões que eu
acho ainda muito fraca é a política. Às vezes,
os políticos falam muito do desenvolvimento sustentável
e a questão ambiental como: "ah, vamos plantar mais
árvores". Não é isso, é a questão
do Homem, como ele vê a natureza, como constrói essa
relação e como o Homem é protagonista e ator
dessa concepção de desenvolvimento.
A
natureza não é muito "folclorizada"?
Acho que é um pouco isso, mas eu vejo que a questão
política do protagonismo, da cidadania, isso é que
está atrás dessa concepção. É
o grande pano de fundo do desenvolvimento sustentável. Então,
quando você fala de uma concepção sustentável
que está mais localizada e deve ser endógena, você
passa a ver que as populações devem se organizar.
Devem e estão se organizando. Então, também
deve se ter atenção para esse lado político,
pro meu gosto… Se o ambientalismo permanece só no discurso,
essa dimensão política é um puro descalabro,
é pura demagogia. Veja, a palavra "participação"…Hoje
está na boca de todos partidos, daquele mais à direita,
o mais conservador, como nos de esquerda, como aquele que, pelas
minhas convicções, é o que mais pratica isso
ou, pelo menos, mais defende. Mas a palavra "participação"
pode ter um espectro muito grande de o que as pessoas entendem como
participação. Tem desde receber informações
sendo entendido como participação, como outros que
com a presença se legitima com programas, políticas,
planos de ação, até participação
efetiva em que você divide com a população a
capacidade de formulação e gestão das políticas
públicas, por exemplo. (…) Então, é uma
outra concepção de desenvolvimento em que os índices
técnicos, econômicos e organizativos são construídos
junto com a população e que, certamente, se nesse
modelo convencional o Estado foi o grande indutor, esse Estado autoritário
e centralizador…No desenvolvimento sustentável, nós
temos que reinventar o Estado. Eu não nego o "Estado".
Acho que isso seria um absurdo negar o Estado em função
de uma perspectiva unicamente de mercado, mas tem que reconstruir
outras relações políticas.
A
agricultura sustentável sempre vai ter baixo insumo externo?
Como fica a idéia das grandes biofazendas, organizadas e
supervisionadas por gerentes, utilizando computadores, por exemplo?
Eu acho que a informática pode ajudar… ela é
um instrumento.
E
o uso de grandes máquinas? Elas não são responsáveis
pela desestruturação do solo?
Sem dúvida. Eu defendo que essa agricultura deve ser de base
ecológica porque, hoje, tem a discussão de conceitos
entre "sustentável" e "sustentado". "Sustentado"
pode redundar numa equação, entrou tanto de insumo,
saiu tanto de produto (input e output), se equilibrou, "está
sustentado". A agricultura sustentável com base ecológica,
principalmente, é uma forma de se relacionar o mais harmonicamente
possível com a natureza. O Homem interferir no ambiente já
é uma agressão, é uma intervenção.
Que isso se faça em favor da humanidade para produzir alimentos,
para produzir material, tudo bem, só que essa relação
tem que ser a mais natural possível. Se essa relação
é o mais natural possível e implica em mexer no solo,
você tem que mexer o menos possível. Para que seja
possível que as pessoas se promovam social e economicamente,
mas que se considere as gerações presentes e futuras.
Na sustentabilidade, você tem que ter uma relação
harmônica com a natureza… de produção econômica,
mas que tenha menos externalidades e que respeite a lei da entropia.
Por exemplo, o que acontece no oeste do Estado. Nós tínhamos
cento e tantas mil pessoas que viviam da suinocultura. Então,
se implanta um modelo de exploração da suinocultura
a partir das grandes agroindústrias, Perdigão e Sadia,
que passam a aumentar a escala de produção com uma
tecnologia super refinada. Antes, eu era suinocultor, você
era, o vizinho… Agora, eu sozinho produzo o suíno que
a Sadia precisa. Então, as pessoas tinham dez ou doze porcas,
passaram a ter cem ou cento e vinte. Isso gerou, primeiro, um processo
de exclusão. Hoje, tem 18 mil integrados em Santa Catarina
na Cooperativa Aurora, Sadia, Perdigão… A exclusão
social foi uma conseqüência disso. A outra é o
dano ambiental. Ninguém pensou no que fazer com os dejetos
suínos.
Um
suíno polui o equivalente a quatro ou cinco pessoas, é
isso?
Eu acho que até mais, mas não tenho esse dado. No
entanto, é uma coisa brutal. É uma externalidade que
essa atividade produz. Mas nós estávamos falando de
tecnologia…
Tem
tecnologia de ponta na agricultura sustentável?
Aí tem que caracterizar o que é tecnologia de ponta.
Eu, por exemplo, acho que a agroecologia é um estilo de agricultura
de ponta, que trabalha com processos naturais com alto conhecimento
científico. Eu faço uma diferenciação
entre esse tipo de conhecimento e o conhecimento empacotado da revolução
verde que diz assim: essa sementinha de milho precisa de tantos
sacos de adubo, tanto agrotóxico… qualquer criança
passa essa mensagem adiante. Eu costumo dizer que o modelo sustentável
implica em outras dimensões de integração político-pedagógica,
uma delas é a pesquisa. Você não tem um pesquisador
dono do saber que vai fazer doutorado na Inglaterra, nos Estados
Unidos, vem de lá, adaptando pesquisas de lá prá
cá. Você tem uma outra perspectiva de pesquisa, a pesquisa
é feita junto com os atores sociais e não tira a sua
cientificidade. Você tem uma extensão rural, como nós
trabalhamos aqui, diferente daquela extensão autoritária
em que o agrônomo pegava um pacote e induzia os agricultores
a usar, através do crédito agrícola. É
uma extensão baseada no método Paulo Freire, na educação
dialógica, onde você vai construindo alternativas com
as pessoas, o agricultor, o extensionista e o pesquisador trabalhando
juntos. Tem uma outra dinâmica nessa relação
que busca o desenvolvimento sustentável. Claro que a dimensão
solidariedade é outra perspectiva, que parece utopia…
mas se perder a utopia… aliás, tem algumas coisas que
se perder, a utopia, o amor, a gente tende a definhar…Eventualmente,
se pode até dar uma moratória prá utopia, mas
a gente tem que ter essa perspectiva de forma permanente.
Outra
discussão é se o desenvolvimento sustentável
é adequado para tratar de um crescimento contínuo
porque os recursos existentes não comportam isso…
Eu diria que o desenvolvimento no sentido de promover as pessoas
implica numa série de condições. Primeiro no
equilíbrio de consumo. É inadmissível tentar
repassar um modelo de 10 ou 15% da população mundial
para o resto da humanidade. Isso é impossível. Vamos
pegar o exemplo dos países nórdicos. Se os caras de
lá comem 4.000 calorias e não precisam disso, eles
tem que rever os padrões de consumo. Quando eu falo dos nórdicos,
eu falo também que 1% da população brasileira
tem que rever os seus padrões em função de
um coletivo muito maior. Então, no momento em fizer essa
revisão, e isso faz parte de uma concepção
de sustentabilidade, essa necessidade de crescimento econômico,
do produto interno bruto por exemplo, pode ser feita de uma forma
mais harmônica com a natureza. É isso que o desenvolvimento
sustentável e a agroecologia defendem. Você pode buscar
uma forma de produção mais próxima aos processos
naturais e que possibilite crescer. Seria absurdo dizer: a África
não precisa aumentar a produção de alimentos,
ela vai viver eternamente de doações. Não é
isso. E a África tem um potencial enorme de crescimento dos
produtos alimentares. Longe de pensar no crescimento zero. Acho
que essa é uma visão ambientalista extrema.
Quais
são os projetos de desenvolvimento rural sustentável
que estão em desenvolvimento?
Por exemplo, São Joaquim. Em pleno berço da maçã
convencional que recebia vinte e cinco tratamentos de agrotóxicos,
tem um grupo de pessoas produzindo a mesma maçã sem
agrotóxicos numa concepção agroecológica.
Aqui, em Santa Catarina, tem uma imensa quantidade de experiências,
mas que, pela sua natureza micro, não são enaltecidas
ou são pouco conhecidas, assim como no Rio Grande do Sul
ou Paraná, e que estão demonstrando a capacidade de
apresentar um produto agroecológico. Aí a agricultura
familiar passa a ter uma importância muito grande frente ao
empresarial. É um outro desenho produtivo, seja a nível
nacional, seja prá unidade de produção. É
como diz o Santiago Sarandon: Dêem, pro desenvolvimento sustentável
e prá agroecologia, 10% do que foi aplicado em pesquisa no
modelo convencional e vocês vão ver o que é
possível fazer. Essas experiências não tem apoio
institucional. Nós aqui, na Epagri, estamos trabalhando há
40, 50 anos com pesquisa agropecuária, mas dentro da perspectiva
convencional. Quer dizer, essa é a empresa que eu dirijo…
muitos de nossos pesquisadores estão fazendo testes prá
empresa multinacional prá poder fazer pesquisa. Particularmente,
sou contra, mas eu sou um voto, tem outros também que são
contra, mas… nós temos que estar lutando prá
ter recursos. O Pronaf - Programa Nacional de Fortalecimento da
Agricultura Familiar - que deveria estar financiando um tipo de
agricultura mais coerente com a agricultura familiar, não
tem nada específico prá trabalhar com a sustentabilidade
ou agroecologia. É uma deficiência muito grande, é
uma negação por parte do Estado. Quando falo Estado,
é o ente político, não falo do estado de Santa
Catarina. Muito discurso e quase nada na prática. Não
é que não tenham projetos. Por exemplo, agora vai
ter, em Chapecó, o Seminário Estadual de Agroecologia.
Nesse seminário vão ser apresentadas uma série
de experiências… da Epagri de Ituporanga que trabalha
com o setor agroecológico, da Econeve de São Joaquim
que trabalha com essa maçã agroecológica, cooperativas
de crédito, a rede Ecovida… Tem uma série de
agricultores que está buscando essa alternativa. Um colega
meu, que fez doutorado na Espanha, estudou os grupos que estão
fazendo agroecologia no Rio Grande do Sul… Disseram prá
ele: "Se eu não buscar alternativa, isso que tá
aí não me resolve, então eu vou prá
cidade". Então, tem a questão da consciência
ecológica e tem a questão do último cartucho.
As pessoas não agüentam mais esse modelo que tá
matando, intoxicando…
Mas
o que foi traçado na Agenda 21 durante a Eco'92…
Participei da discussão da Agenda 21. Aliás, desde
o ano passado, está se falando em construir uma Agenda 21,
aqui em Santa Catarina, só que as pessoas querem construir
uma Agenda 21 sem olhar o que está sendo feito na prática.
Esse é o problema, a necessidade de reinventar o Estado.
(…) Na primeira reunião sobre a parte de agricultura,
que foi feita aqui no auditório da Epagri, se queria que,
em duas semanas, se fizesse um documento. É um absurdo, não
é uma coisa séria. O que parece é que o Estado
tenta se justificar com a sociedade que está fazendo alguma
coisa, então tá empurrando essa discussão e
nada de prática. Eu não sou dos pragmatas, acho que
a coisa tem que ser pensada, tem que ser levada adiante, mas com
o envolvimento da população efetivamente. Mas muita
coisa tá acontecendo e é bom que aconteça assim
porque à medida que acontece a partir dos movimentos sociais,
das comunidades, essas são experiências que ficam.
Não é que esses setores não tenham que ter
apoio público, apoio externo, mas, pelo menos, isso está
nascendo endogenamente, nascendo de dentro prá fora. Em momento
algum, por ter uma perspectiva endógena, ela é exclusiva,
sem apoio de fora. Falando das máquinas… É claro
que a mecanização agride mesmo o meio ambiente, mas
não quer dizer que não se possa desenvolver uma máquina
que mexa no solo um pouco, que diminua o esforço das pessoas
e que se tenha mais tempo prá lazer. Ninguém é
contra isso. Agora, vê o que aconteceu com a moto-mecanização?
Ela expulsou gente da terra. Isso eu tenho certeza que não
é sustentável. Agora, ninguém em sã
consciência, pode dizer que não assume nenhum insumo
externo, principalmente, nesse processo de coexistência, de
transição na busca de alternativa. Tem alguns exemplos,
aqui, em Santa Catarina, no Paraná, no Rio Grande do Sul,
que é o trabalho com conservação de solo e
plantio direto, que visa mexer o menos possível com o solo.
Está se fazendo isso em grandes áreas de monocultura.
É um passo prá mexer menos no solo, embora ainda esteja
usando herbicida. Então, é uma dinâmica. Isso
está crescendo. O que a gente tem que cuidar é que
não mude o discurso, a partir de algumas práticas,
só em favor das multinacionais.
O
Sr. falou do problema da suinocultura no oeste catarinense, quais
são os outros problemas?
Eu acho que nós temos naturezas diferentes de problemas.
Um é a suinocultura, que é um problema grave e premente,
de difícil resolução, localizado no oeste e
um pouco no sul do Estado. Eu acho que esse problema deveria ser
passado para as agroindústrias que o criaram. Agora, a questão
do modelo baseado no adubo, agrotóxico, mecanização,
é pouca, mas tem, ele gerou uma agricultura dependente e
poluidora, isso é sério. Em termos de agressão
ambiental, o problema está distribuído praticamente
no Estado inteiro.
Tem
muitas regiões com solos comprometidos? Onde estão
localizados?
Nós temos até quase desertos, no oeste. Solos que
foram muito revolvidos, se tirou a mata primária, tirou a
mata secundária, a mata terciária…É muito
difícil a recuperação desses agrossistemas.
Isso é um trabalho imenso, por isso eu valorizo e reclamo
a ação de Estado. Tem áreas bastante degradadas
no planalto norte, no oeste mesmo. Estranhamente, Santa Catarina
é um dos poucos estados que, apesar de pouco, ainda têm
cobertura vegetal. Hoje, ainda temos 15% da cobertura original.
Hoje,
em lojas alternativas, se encontra uma variedade de selos: produto
orgânico, produto natural, produto sem agrotóxico…
Como consumidor, como posso ter segurança sobre esses selos?
Não, não tenha certeza.
Mas
dá prá consumir?
Primeiro, uma diferenciação. Uma coisa é ter
uma produção orgânica, teoricamente não
usando química. Outra é ter um produto agroecológico.
A agroecologia é muito mais do que uma produção
orgânica. Você ter, por exemplo, na região de
Ituporanga, cem hectares de cebola ou alface que não são
agroecológicos. Por quê? Porque a agroecologia defende
a biodiversidade. A monocultura não se aplica na agroecologia.
Voltando à questão do selo… Eu procuro consumir
alguns produtos agroecológicos. Não vou fazer propaganda,
mas alguns selos, eu conheço. Agora, tem muita enganação
atrás disso. Como a Pedrita tem uma ISO 14.001 e está
destruindo uma parte de Mata Atlântica, nessa questão
de certificação também tem problema. Isso tem
sido muito discutido, a forma de fazer uma certificação
autêntica, garantida porque isso virou um comércio.
Por um lado, a certificação virou um comércio…
A visão é unicamente de mercado. Até se criou
um dizer do "ecológico em transição".
Isso não existe. Ou é ou não é. É
uma certa mecânica mercadológica. Por outro lado, eu
trouxe, prá diretoria da Epagri, uma série de rótulos
que coletei em supermercados citando o nome da empresa: "produto
ecológico, assistência da Epagri". (…) Produtos
de agricultores que não eram assistidos por nós, que
simplesmente estavam colocando isso no rótulo, e o mercado
que aceita isso, tipo supermercado do porte do Angeloni, teria obrigação
de conferir. Eu tenho muito medo de recomendar alguém, como
consumidor, de recomendar selo tal … O que a sociedade tem
que discutir é a forma de certificação. Existe
um projeto de lei aqui para criar uma associação de
agricultores que certifique. Então, eu sou teu vizinho e
participo do grupo, eu sei o que você colocou ou se colocou
veneno ou outras coisas. Claro que tem uma supervisão técnica.
O que está existindo hoje é uma visão unicamente
mercadológica. Prá mim, é muito perigoso porque
você pode até queimar uma proposta séria na
medida em que você passa a vender uma coisa que não
é… Embora pareça que eu esteja passando uma visão
extremamente pessimista, eu sou otimista, eu acho que nós
estamos avançando e luto prá isso, como cidadão,
como militante, como técnico, como político…
É uma situação que existe em todas as áreas,
por parte do Estado, por parte do político, do comércio,
até por parte da academia, um enorme oportunismo. Agora,
tem muita gente séria também…
Qual
é o conceito de energia na agricultura?
Quando se diz que a agricultura está baseada na energia do
ambiente, está se dizendo uma coisa muito profunda porque
não é só o solo. O solo é um produtor
de energia porque é uma coisa viva. Isso o modelo convencional
de agricultura negou porque entendia o solo como um substrato mineral.
Hoje, está provado que o solo tem uma enorme potencialidade
de produzir energia pelas suas relações biofísicas
e bioquímicas. Quando se fala de ambiente, então o
sol, claro, é um enorme fornecedor de energia, mas o solo
também é. E as relações que se formam
na natureza são de um complexo energético muito grande.
Já
existem vários experimentos na criação de gados
com áreas de manejo, onde existem os corredores de árvores,
para trabalhar com essa questão do aproveitamento da radiação
solar e a reflexão produzida pelo solo e pela mata…
É, você usa uma relação do animal
com o ambiente, que potencializa o próprio animal para produzir
energia. O esterco dele é um processo incorporado naturalmente.
Aqui, na Universidade, o prof. Pinheiro Machado Filho trabalha com
o método pastoreio racional, que é um método
francês. Isso era proposto já na década de 1960
e, hoje, tem assentamentos de reforma agrária que utilizam
esse manejo que procura fechar um ciclo energético-biológico.
(…) Pensando aí nessa questão da energia, por
causa da ameaças dos tais apagões… A potencialidade
que esse País, que o Estado tem de fazer microrepresas para
usar a água efetivamente de outra forma… A energia eólica
é outra coisa que está sendo muito pouca desenvolvida
aqui, está lá atrás ainda.
E
a energia da biomassa?
Já se fez experiência com biodigestores.
É
viável para comunidades pequenas?
Eu acho que é porque o mundo inteiro tem. Aqui tentou se
importar uma tecnologia que não deu resultados… Acho
que tem que pesquisar. Eu conheço alguns pesquisadores. Mas
acho que não dá Ibope, são pesquisas difíceis,
de longo prazo… Essa é a característica da produção
de ciência que tem que reverter em outra concepção
de desenvolvimento, que você não se paute pela pesquisa
que vai apresentar um paper no congresso tal, vai publicar na revista
tal…Uma pesquisa com cunho social no sentido de que retorne
para a sociedade, independente do tempo. A gente é muito
imediatista… Mas falando da energia eólica… Hoje
já tem algumas experiências com enormes cataventos
produzindo energia super barata. A energia solar, além da
fotossíntese, está sendo usada mais nas cidades. Eu
vi, no final da década de 1970, uma experiência na
Universidade de Viçosa (MG) prá secagem dos grãos,
usando energia solar. Mas são coisas que não se desenvolveram…
Alguém mais crítico do que eu, diria assim: "não
se desenvolveram por causa de interesses, porque tinha todo o interesse
de fabricantes multinacionais de secadores". Se mexer vai se
encontrar explicações que devem caracterizar o porquê
de as coisas não andarem nesse País…
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