Entrevista: A Energia do Sol e dos Ventos

Outubro 2001

Sérgio Colle, engenheiro mecânico, professor doutor em Transferência de Calor, coordenador do Labsolar e do Núcleo de Controle Térmico de Satélites do Departamento de Engenharia Mecânica (UFSC).

Os assuntos são energia solar e eólica.

O Sr. é pioneiro na área de Energia Solar no País, tendo, inclusive, já realizado o projeto de um Atlas brasileiro de irradiação solar…
O Atlas é um dos produtos do Labsolar. O Núcleo é especializado em transferência de calor de alta eficiência. São sistemas mais para aplicações espaciais, mas duas das aplicações são tecnicamente e economicamente viáveis também para energia solar. (…) Eu diria que não sou um pesquisador de energia solar porque meu doutorado não foi feito em energia solar. Eu iniciei com energia solar em 1980 quando da celebração de um convênio entre o CNPq e o Ministério de Energia da Alemanha, onde uma agência financiadora resolveu implementar três laboratórios básicos de testes de coletores solares no Brasil. Inicialmente, o prof. Maliska, aqui da Mecânica, pegou a responsabilidade de coordenar a estação, depois ele desistiu e eu fiquei com a responsabilidade do relatório final. Ao longo do tempo, eu acompanhei essa tecnologia heterogeneamente. Houve uma época em que diminuímos. Em 1989, eu voltei à intensidade porque vi que o Brasil falava em energia solar, mas não tinha dados. Então, eu resolvi um problema que dificilmente é resolvido dentro de um paradigma porque as pessoas que fazem pesquisa normalmente seguem modelos, vamos dizer paradigmas de trabalho, produzem e publicam naquilo. Eu resolvi desafiar o status quo de então, que era um país sem nenhum dado solar de qualidade. Banquei então aquela pessoa intermediária para articular engenheiros mecânicos, alunos de talento com geofísicos e metereologistas. Daí resultou o Atlas.

O modelo que foi chamado de BrazilSR?
O modelo BrazilSR é uma variante do modelo IGMK, que é um modelo clássico. Todavia, o modelo é original.

Como não existiam dados de qualidade, houve necessidade de montar estações para coletar dados…
Sim. O grande desafio era encontrar um país, cujo governo havia abandonado a filosofia de planejamento de longo prazo. O regime militar, quando amadureceu, implementou uma estratégia de gestão governamental, onde ele fazia uma previsão qüinqüenal do desenvolvimento nacional, em diferentes áreas. Ele, então, definia o que era estratégico. Hoje, não ocorre mais porque o presidente fala como se fosse um porta-voz da presidência. O que eu quero dizer é que se herdou do regime militar toda uma estrutura e uma capacitação de gestores de ciência e tecnologia. Isso tudo foi abandonado em nome de uma tal de "abertura democrática", que eu não sei o que significa. Daí relegou-se a segundo plano o planejamento científico e tecnológico nacional e resultou na derrocada brasileira. Nós perdemos praticamente em todas as áreas. Em que pese o volume de publicações científicas, que aumenta, nós perdemos riqueza. O que quero dizer é que quando fiz o inventário da situação nacional, não havia sequer uma estação confiável para validar qualquer modelo. No Instituto Nacional de Metereologia, por exemplo, as últimas três estações estavam abandonadas no campo há vários anos e não se sabia o que elas mediam. Foi assim que eu encontrei o País. Tive, então, que implementar uma estação de qualidade aqui, com o apoio exclusivo do governo alemão. Depois, implantamos uma grande estação na Amazônia, na Hidrelétrica de Balbina, com apoio exclusivo da Organização Mundial de Metereologia, mas também com precioso apoio logístico da Eletronorte. Depois, com apoio da Celesc, implementamos mais quatro estações no interior de Santa Catarina. Como o INPE tinha mais quatro estações que ainda não operavam continuamente, o meu colega Ênio Pereira, que é uma das pessoas-chave nesse projeto, acionou o pessoal do CPTEC para operacionalizá-las. No final, são nove estações no total.

Com isso o Sr. consegue cobrir todo o território nacional?
Na verdade, eu necessitava, segundo os nossos estudos prévios, mais ou menos de umas quarenta e oito ou cinqüenta estações. Chegamos a utilizar, no máximo, onze estações para validação. Eu não consegui instalar as outras estações porque cada órgão dizia que isso não era da sua alçada. Observe: o Ministério das Minas e Energia respondia com o absurdo de que instalação de estações para levantamento do potencial energético solar e eólico nacional não era uma das suas missões... Essa negativa me fez crer que somente a politicagem, a sabotagem poderia estar por trás de uma resposta dessas.

Como o Sr. usa os dados dessas estações?
Essas estações tem duas grandes vertentes de aplicações. As estações de Florianópolis e de Balbina coletam radiação de onda curta, ao redor do intervalo visível. Essa radiação é medida, totalizada em minutos, qualificada aqui. A radiação direta, que vem do disco solar, também é medida, e a radiação difusa. Exclua o disco solar, você tem a radiação difusa. Medimos também ondas longas de infravermelho. É um espectro de interesse dos geofísicos. Enviamos esses dados para Zurique, lá esses dados são qualificados, distribuídos para diferentes laboratórios do mundo que atuam numa das interfaces da temática do Global Warming; esse pessoal faz o balanço energético da atmosfera. Às vezes, recebemos e-mail de cientistas de grande peso, do Global Warming. Eles questionam os dados: qualidade, como mediu, o que está acontecendo quando há incompatibilidade… Muitas vezes, descobrimos que temos problemas operacionais com instrumentos e somos obrigados a revisar a série histórica. Esses dados dessa vertente, então, são utilizados para a ciência. A outra vertente são dados para validação de modelos. Nós temos o modelo BrazilSR que continua em curso e temos uma extensão desse modelo para medir a radiação fotoquimicamente ativa. É a radiação responsável pela conversão da energia solar em biomassa. Também podemos realizar o cálculo da iluminância, o quanto chega de luz na superfície.

Quais são as áreas de maior aproveitamento do recurso solar no Brasil?
O recurso solar é um recurso naturalmente democrático. Não tendo sombra, você tem energia solar. O recurso eólico não é tão democrático, você precisa ter um sítio altamente energizado. O sítio pode ser seu ou não. Mesmo que seja seu, a energia eólica só é viável em larga escala. Digamos, você tem que vender mais de 30 megawatt para ter lucro. A solar, não. Através de microsistemas, você consegue benefícios variados, um dos quais aquecimento doméstico, o próprio aquecimento residencial… Uma outra aplicação que está se tornando economicamente viável é o ar condicionado por absorção. Quanto mais sol, mais refrigeração. Você consegue climatizar um aviário, uma maternidade suína… Essa energia é disponível, sempre que não haja sombra. Há que se pensar no direito à energia solar. Quando você morar num centro urbano, vai ter que pensar em morar afastada de prédios que possam sombrear a sua residência. Num futuro próximo, o poder público deverá pensar no direito à energia solar. Você não pode permitir que uma pessoa tenha licença de construir um edifício e sombreie a energia solar que é direito natural das pessoas. Ou deve ser. (…) Eu poderia dizer que nós estamos no começo da coisa. Hoje, nós temos um Atlas que dá, com relativa confiabilidade, a média mensal da radiação incidente. Para o Atlas ser completo, ele precisa fornecer a média mensal da irradiação direta e fornecer a difusa. Em verdade, nós já editamos esses dois Atlas, só falta publicar. Até porque aguardamos o desdobramento de um projeto de impacto muito maior. O melhor mesmo seria um Atlas que fornecesse o ano típico médio horário para cada ponto do território nacional. Como vou validar um modelo horário se daqui a pouco, por azar, o satélite enxerga uma média… Uma pequena nuvem passa e estaciona entre o sol e a terra, o meu aparelho não irá detectar energia, mas em toda a vizinhança tem energia. O satélite não vai ter condições de localizar aquela pequena nuvem. Podem ocorrer grandes discrepâncias, mas existem modelos que corrigem estatisticamente essas discrepâncias. Por quê precisamos chegar a essa alta resolução? Se não chegarmos a essa alta resolução, não podemos fazer grandes projetos para otimizar, por exemplo, a iluminação. Não poderemos fazer o Atlas Nacional de iluminância, que é pré-requisito para bons projetos de iluminância nas edificações, e não podemos determinar o que chamamos de ano típico médio.

Que projeto de grande impacto é esse?
Nós temos um projeto com a ONU (Organização das Nações Unidas). A ONU encetou um esforço no sentido de criar um Atlas mundial de qualidade de energia solar e eólica. Ela vai financiar seis laboratórios, um na Dinamarca, um na Índia, no Brasil será uma parceria entre o Labsolar, o Inpe e o Centro de Energia Solar do Recife, um na Alemanha e dois nos Estados Unidos. O total de aporte de recursos é da ordem de 10 milhões de dólares. Nós recebemos, no Brasil, um total de 700 mil dólares, sendo que 500 mil são para a parceria Labsolar/Inpe. O objetivo é chegar a esses atlas de alta resolução, tanto de energia solar quanto eólica. Esse projeto é um marco na nossa atividade porque é o reconhecimento mundial de que nós vimos atuando com competência e bom nível e também porque o governo brasileiro resolveu dar a contrapartida, muito embora não escrita, porque ele não assumiu um compromisso internacional. Nesse particular, o MCT tomou uma iniciativa muito saudável. Confiou na equipe, recomendou o projeto e, pela primeira vez, depois de seis anos de luta, eu posso dizer que estamos vendo a possibilidade que eles financiem toda aquela infra-estrutura que nós queríamos de campo, de estações, tanto para climatologia quanto para energia. Esse projeto é importante porque vai nos possibilitar, dentro de três anos, dar acesso à quase totalidade das informações de energia solar e eólica num website. Em suma, o ponto ideal seria o consumidor leigo fazer a otimização econômica do seu projeto. Você não vai precisar mais de nenhuma firma de engenharia intermediária e sequer consulta técnica porque o sistema vai disponibilizar também o plantel de tecnologia de qualidade.

Isso quer dizer que eu, como consumidora, se quero instalar coletores solares na minha casa, vou à base de dados e pego as informações necessárias para isso? Só vou precisar de um técnico para fazer a instalação…
Eu não sei se vamos alcançar essa meta em três anos. Mas a meta é chegar a um ponto em que o consumidor ao clicar no sistema, dizendo a cidade onde está, automaticamente receba a disponibilidade de energia, com ou sem efeito da topografia. Você vai ter todas as informações referentes a outros potenciais energéticos, sítios eólicos, rede elétrica, gás, todas as facilidades… A seguir, você define as suas necessidades. Por exemplo, você pede energia solar. O sistema vai solicitar o número de pessoas, o seu costume, outras opções, e automaticamente ele vai fornecer a melhor solução energética, o custo e o melhor plantel de tecnologias disponíveis.

O Sr. tocou num ponto importante: o custo dessas tecnologias. Um ponto de resistência apresentado é a viabilidade econômica.
Vamos falar somente de energia solar. As vertentes do mercado para energia solar são: o aquecimento doméstico, o aquecimento industrial, a utilização na agroindústria e pecuária, a refrigeração e ar condicionado. São as chamadas aplicações termo-solares. Quanto às aplicações fotovoltaicas, você pode utilizar painéis fotovoltaicos tanto para racionalizar o uso de energia em horário de pico quanto para a geração distribuída de energia, sem pensar no horário de pico. Sem sombra de dúvida, a opção termo-solar é a opção economicamente mais atraente. Você consegue facilmente 80% de economia do uso de energia convencional com tempo de retorno de 2 anos. No caso industrial, para aquecer, por exemplo, água a 45º C, o tempo de retorno seria maior. Diria que você tem 4 a 5 anos, no mínimo, para pagar o investimento para uma planta com 20 anos de vida útil. Mas é atraente mesmo assim. Em relação a ar condicionado. é difícil falar porque não há ainda um mercado competitivo de preços e custos praticados no Brasil. Estamos naquele limiar em que as pessoas ficam indecisas se vão instalar ou não sistemas de agenciamento doméstico. Poucas regiões, no Brasil, tem a prática de utilizar o aquecimento central para toda a residência. Em relação à geração fotovoltaica, o custo mínimo de geração é da ordem de U$ 7/quilowatt-pico. O que é 1 kWatt pico? É a potência gerada por um painel de uma central solar quando incide sobre ela uma irradiação cuja intensidade é um 1 kW por metro quadrado. Se o painel tivesse 100% de rendimento, se teria a geração de 1 kW pico, mas como o painel tem um rendimento médio de 10%, quando incide 1 kW no painel, você tem 100 Watts pico de efetiva resposta. Quanto custa o Watt pico? Há dois tipos de ranking de avaliação econômica de energia. Uma delas é avaliar na ponta da rede. Iisto é, no consumidor, seria dólar por kW/h (quilowatt hora). Veja que isso tem um custo de geração e transmissão. Quando você tem uma tecnologia de geração centralizada, você vê o custo "busbar", ou seja, no barramento. Quando custa 1 Watt pico de geração nuclear? U$ 2,00. E 1 watt pico hidráulico? U$ 1,00. Quanto custaria 1 Watt pico de carvão em leito fluodizado, como querem instalar em Criciúma? U$ 1,2 a 1,5. Um Watt pico eólico custa 70, 80 centavos de dólar… Pode custar até U$ 2, 00, dependendo da escala de geração. Agora, no mercado internacional de geração fotovoltaica o custo mínimo é U$ 3 ou U$ 4… Três dólares é excepcional, o normal é 4 dólares. Se você converte isso direto na corrente alternada, isso vai custar U$ 7,00. Você poderia dizer, então, que não há mercado para a fotovoltaica. Na verdade, compra-se aquilo que é mais atraente nas diferentes alternativas. Portanto, se você está pagando U$ 10 por Watt pico, U$ 7 da fotovoltaica é atraente. Então, como toda tecnologia, nós temos uma fase de implementação no mercado que é a ancoragem dela. Quando se fez os trens, por exemplo, quem ancorou as ferrovias foi o Estado. Os lucros vieram depois através da iniciativa privada. Vamos voltar a Keynes… Ele dizia que o Estado tem que dar aquele impulso quando a economia está em crise. Então, a fotovoltaica precisa dessa ancoragem. O cenário, hoje, é que a produção anual da fotovoltaica equivale à insignificante potência de 280 MW. Veja que ela é insignificante porque, por exemplo, a central termoelétrica a gás que querem instalar em Joinville terá a capacidade de gerar 250 MW. Uma central equivale a toda a produção anual de painéis fotovoltaicos. A tecnologia desses painéis está entrando no mercado agora… O que fez a Alemanha para ancorar o mercado? Promoveu o programa dos 100.000 tetos. Primeiro, ela fez 1.000 tetos. Eles foram monitorados e 80% dos painéis funcionaram bem.

Quais são as vantagens da tecnologia de aquecedores com energia solar em relação aos sistemas a gás?
Note bem que a energia solar é um complemento para as energias convencionais. Esse complemento geralmente é significativo, na ordem de 70 a 80% numa região de boa insolação. Não importa qual seja a energia auxiliar, gás ou eletricidade, ela é um complemento. Ela é vantajosa quando o custo da eletricidade é relativamente elevado. Com os atuais custos da eletricidade, um coletor solar doméstico se paga em dois anos. Com os custos praticados do gás, em dois anos e meio ou três anos. O custo da energia do gás significa dizer unidade monetária por gigajoule, que é unidade de calor.

Como os sistemas de energia eólica podem ser aplicados?
As tecnologias de geração eólica já são completamente dominadas. Turbinas eólicas de 2 megawatts são comuns na Europa. Eles estão projetando agora turbinas eólicas de 5 megawatts. Normalmente, você compra o equipamento depois de localizar o sítio, gasta alguns metros quadrados de terreno para instalar o equipamento. A instalação normalmente é rápida, pode levar quinze a vinte dias e, portanto, você pode estender essa unidade para um conjunto de unidades até chegar ao que se chama de geração econômica. Como havia mencionado antes, da ordem de 30 megawatts ou cima. A média de potência gerada é ilimitada, depende do sítio. Por exemplo, na Alemanha tem uma potência gerada que é, aproximadamente, quatro vezes maior do que o consumo do estado de Santa Catarina. Se bem que a energia eólica não é despachável, ou seja, você não garante que possa gerar. Tendo um motor diesel, você liga o motor e vende aquilo que contratou de energia. Com a energia eólica, você tem que esperar que a atmosfera responda favoravelmente com a velocidade economicamente interessante. Mais que importante que ter uma turbina eólica é ter uma previsão da geração eólica. Nesse particular estamos bastante avançados porque, a partir do ano que vem, vamos constituir um grupo de trabalho para implementar em Santa Catarina, de forma pioneira, um modelo que fará previsão de geração eólica. Este modelo será integrado ao sistema de previsão metereológica do INPE. Ele vai ser validado com as torres anemométricas, que medem velocidade e direção do vento, instaladas aqui em Santa Catarina pela Celesc com apoio da nossa Fundação, através do Labsolar.

Como é feito o levantamento do potencial eólico de uma região?
O levantamento padrão é feito através de uma torre de cinqüenta metros. Você instala um anemômetro na ponta, outro a trinta metros e um terceiro a dez metros. Dez metros é a altura padrão da metereologia internacional. Depois você pega uma série de dados com um ano de duração e faz uma correção do potencial eólico em função da rugosidade do solo, através de modelos conhecidos. Isso será feito para cada ponto considerado estratégico. Depois é feita uma interpolação pelo chamado método Kriging, ou seja, você fornece um ponto, a série de dados nesse ponto e as estatísticas representativas de cada ponto. Com isso, você interpola a série das regiões intermediárias e as estatísticas associadas. Esse método é utilizado largamente em energia solar e eólica para realizar os Atlas com os mapas de potencial de geração.

Existe impacto ambiental nessa tecnologia? O uso das turbinas incapacita a área para outros usos?
São dois os fatores de desconforto de uma turbina eólica. Primeiro é o ruído das pás, que em baixa rotação, que produz um silvo. Esse ruído foi grandemente reduzido com o projeto de novas turbinas com interação de camada limite ao longo da macropalheta. O outro desconforto é a sombra periódica. O sol, ao passar pelas pás ou se colinear com a turbina e a residência durante algum tempo, vai projetar a sombra da turbina girando. Se uma pessoa estiver numa sala de aula, por exemplo, ela vai se sentir desconfortável pela sombra que vai passar periodicamente pelo ambiente. Mas são problemas contornáveis.

E com relação ao vôo dos pássaros?
Não há nenhum problema. A rotação é baixa e os pássaros tem capacidade de se desviarem.

Esse sítio eólico pode ser usado simultaneamente para pecuária, por exemplo?
Sem problema algum. A energia eólica é a forma de geração de maior densidade de geração por metro quadrado. Ou inversamente, de menor ocupação de área por potência gerada, de todas as formas de geração de energia existentes.

Fazendo uma suposição de uso: haveria possibilidade de utilizar postes de iluminação com captação do vento e geração auto-suficiente em áreas abertas como a avenida Beira Mar em Florianópolis?
O problema é o seguinte: se você capta a energia, você vai ter que armazenar porque vai usar à noite na iluminação. O custo seria elevado.

Essa energia não poderia ser armazenada em baterias?
Mas isso encarece. Aí vai ter o custo proibitivo do poste. Além disso, a bateria será um grande fator de poluição futura. A geração eólica é para uso rural ou industrial complementando a geração da rede firme, sempre que possível. Se instalar uma bancada de baterias dentro da escala de geração eólica de grandes turbinas, você não vai pagar nunca o investimento realizado. Além do problema futuro com as baterias: como se descartar delas?

Existem cálculos de custos e benefícios dessas tecnologias?
Muito embora certas tecnologias, que se mostram inicialmente pouco competitivas, sejam financiadas por projetos de natureza estatal ou privada para promover a ancoragem no mercado, nenhuma tecnologia, qualquer que seja, se sustenta se não tiver atratividade em relação ao custo. Portanto, existem estudos de custos e benefícios de todas essas modalidades de geração. Em particular, posso dizer que somos pioneiros na análise de custos e otimização de plantas de geração fotovoltaica integradas a unidades de geração diesel, com o objetivo de deslocar o óleo diesel no Norte e Nordeste do Brasil. Quer dizer, dispomos das ferramentas digitais que permitem ao investidor analisar todos os fatores econômicos e, inclusive, a performance operacional de uma determinada planta híbrida de geração diesel-fotovoltaica. Com isso, é possível determinar as incertezas associadas ao retorno do investimento.

Quais são os países que mais utilizam essas fontes renováveis?
Na energia eólica, a Alemanha é campeã. Temos, além da Alemanha, a Holanda, a Dinamarca. Em pouca escala, Austrália… Portugal está instalando. A Europa é a vitrine. E os Estados Unidos, sobretudo a Califórnia. (…) O país que mais utiliza fonte renovável por habitante é Israel. (…) Se colocar o plantel de todas tecnologias de energia renovável, nós temos o aquecimento doméstico de água, a geração fotovoltaica e a energia eólica. Então, vamos separar por setor. No setor de aquecimento, o país com maior uso dessa tecnologia é Israel. Inclusive, em Israel existe o direito à energia renovável, ao sol. O planejamento urbano, em Israel, é feito segundo leis específicas de otimização do aproveitamento da energia. Tem um código de direito do consumidor. Já quando se fala em energia eólica, é a Alemanha. Na geração fotovoltaica, é a Alemanha com o projeto de 100.000 tetos, os Estados Unidos com o programa de 1 milhão de tetos e o Japão com 80.000 tetos e a Europa com um programa que está sendo implementado de forma muito lenta, que é um 1 milhão de tetos fotovoltaicos. Na parte de biomassa, é o Brasil com o bagaço de cana, mas se você comparar a energia gerada com bagaço de cana com a energia convencional, você verá que ela é insignificante. Poderá ser significante. Existem números impressionantes da ordem de 10 mil megawatts. Se comparar isso com 63 mil megawatts ou 70 mil megawatts, com a entrada em operação das hidrelétricas e termoelétricas nos próximos três anos, esse é um número impressionante para o setor de energia. Muito embora seja insignificante no cômputo total do mundo.

Qual seria o período para ancoragem dessas tecnologias no Brasil?
Não posso definir. A economia não é bem uma ciência… Embora utilize ferramentas científicas e modelos para fazer previsões ou para descrever comportamentos de sistemas, ela não é uma ciência exata. A vaidade humana e os instintos de sobrevivência pensam no que se chama de economia. É uma maldição que Deus jogou sobre Adão e Eva: "Vivereis com a Economia". Nesse particular, existe uma questão que é muito importante: fatores inesperados e também fatores esperados alteram a economia. Um fator inesperado seria, por exemplo, os produtores de petróleo tentarem valorizar o produto diminuindo a oferta. Um fator esperado será o efeito estufa. Existem cada vez mais sinais de evidência do efeito estufa. Se nos anos vindouros tivermos alguns fenômenos meteorológicos de grande escala que produzirem devastações de grandes conseqüências econômicas… Por exemplo, um super furacão nos Estados Unidos que tenha impacto muito maior do que a média dos furacões passados ou uma grande seca provocada por oscilação no El Niño que produza uma derrocada numa série de economias… Esses fatores podem alterar a economia do setor energético. Portanto, algumas tecnologias que inicialmente eram vistas com certa restrição passam a receber atenção dos governos ou dos órgãos mundiais que fazem o planejamento ou acompanham os chamados fenômenos mundiais de grande escala, como o Banco Mundial, entre outros. Pode prevalecer, por exemplo, uma política de remuneração de CO2. Você pode negociar cotas de CO2 , ou seja, deixe de gerar numa planta térmica a óleo e passe a gerar numa planta com painéis fotovoltaicos ou de energia eólica e ganhe um bônus. Um outro bônus que se pode ganhar é da própria sociedade que diminui os impostos e é capaz de pagar o megawatt hora com valor normativo maior no sentido de incentivar essa tecnologia. São esses fatores que ancoram a tecnologia, que inicialmente, se apresentava pouco competitiva.

Esse susto com a crise de energia pode ajudar essa ancoragem?
Eu não sou especialista em previsões. Ninguém é. Um exemplo ilustrativo é que, a partir de 2003, teremos um mercado livre de energia. Portanto, aquela máxima de que o estado de Santa Catarina, com a instalação das novas plantas, vai se tornar um estado auto-suficiente é falsa. O setor privado que produz energia vai despachar para o mercado que pagar mais. Se pudermos pagar mais, seremos auto-suficientes. Nesse sentido, como vai haver uma grande variação horária do custo do quilowatt/hora da tarifa e, ao mesmo tempo, flutuações devido a carências ou baixa oferta, você poderá viver uma situação na qual, em determinados horários do dia, gerar energia fotovoltaica para o seu ar condicionado poderá ser mais interessante do que simplesmente se submeter aos preços praticados. Outra tecnologia que poderá surgir com força será a tecnologia de refrigeração por absorção. Você instala coletores planos com vidros duplos e viabiliza economicamente o uso. Quanto mais sol, mais refrigera. Portanto, o sistema mais natural e harmônico é aquele que aproveita a energia no momento em que ela é oferecida e destina essa energia para o consumo também demandado no horário de máximo recurso solar. É o caso da refrigeração termo-movida. Uma outra tecnologia que virá, no mercado futuro, é a tecnologia da biomassa, a conversão dos biocombustíveis. Existe um absoluto equívoco, tanto do pessoal da Aneel quanto dos especialistas do CENBIO - Centro Brasileiro de Energia de Biomassa… O pessoal da Biomassa, primeiro pensa no bagaço de cana. Ótimo, ele existe em excesso e terá ainda mais se resolvermos planejar o Brasil para ser um país bem sucedido em combustíveis. Vamos duplicar, triplicar ou simplesmente converter a nossa frota a álcool e vamos exportar esse álcool. Então, teremos muito bagaço de cana e isso será queimado. Teremos biomassa. Um ciclo absolutamente renovável. Esse é um grande fator de desenvolvimento. O grande equívoco é pensar que possamos queimar madeira. Cada vez que vem um cidadão da biomassa a Santa Catarina, ele olha Santa Catarina como um estado da biomassa. Não só Santa Catarina, mas Paraná e Rio Grande do Sul. Eles desconhecem completamente a sócio-economia catarinense. Qualquer resíduo de madeira deste Estado será exportado. Nós não vamos queimar madeira. Por conseguinte, com a falta de madeira nos países desenvolvidos e até porque, ao importar e queimar madeira, eles vão ganhar créditos de CO2, porque a madeira é um insumo renovável, eles vão gerar um gigantesco mercado. Na circunstância de a Rússia não viabilizar a sua floresta de pinus da Sibéria, que tem um ecossistema muito mais delicado que o nosso, então nós seremos os campeões da biomassa. Vamos vender madeira. E não venderemos apenas as pranchas e os móveis, venderemos também todos os resíduos. Não é por outra razão que a Batistella está construindo uma unidade de processamento de resíduos de pinus aqui. Ela vai absorver toda a produção de aparas de pinus e vai processar para exportação para Europa e Estados Unidos. Portanto, nós não vamos queimar madeira. A nossa vocação é combustíveis líqüidos, é transformar essa enorme diversidade da flora em produtores de óleos vegetais e combustíveis líqüidos. Por exemplo, álcool para a aviação. A futura aviação será movida a álcool.

Isso já é viável?
Os russos usavam álcool nos jatos supersônicos de guerra. Há uma grande piada que diz que a grande crise da Rússia no Afeganistão se deu porque, na falta de vodka, os pilotos tomavam o álcool do tanque dos aviões. As turbinas de metanol já estão em desenvolvimento no mercado americano. Portanto, a grande vocação do Brasil é a biomassa. Está aí um mercado que vai ser formidável. Mas o que temos que fazer? Temos que fazer um Brasil ser governado por estadistas, por homens de visão. (…) O homem de visão é aristotélico, ele tem metas. Tendo metas, ele busca as pessoas. Em segundo lugar, ele deve ser realista. Ele não pode sonhar contra o mercado. Se no meio do caminho, surge a tecnologia da fusão nuclear, o que nós vamos fazer é apenas contemplar a natureza. Fatores inesperados de desenvolvimento tecnológico não podem ser descartados, como esse problema do controle da fusão nuclear e da viabilização econômica dela. Todos os que falam dela acham que o domínio da fusão ainda será realizado numa data muito remota. Há vinte anos diziam que a meta era cinqüenta anos. Hoje continuam falando em cinqüenta anos para a fusão chegar a um resultado tecnologicamente viável.


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