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Sérgio
Colle, engenheiro mecânico, professor doutor em Transferência
de Calor, coordenador do Labsolar e do Núcleo de Controle
Térmico de Satélites do Departamento de Engenharia
Mecânica (UFSC).
Os
assuntos são energia solar e eólica.
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O
Sr. é pioneiro na área de Energia Solar no País,
tendo, inclusive, já realizado o projeto de um Atlas brasileiro
de irradiação solar…
O Atlas é um dos produtos do Labsolar. O Núcleo é
especializado em transferência de calor de alta eficiência.
São sistemas mais para aplicações espaciais,
mas duas das aplicações são tecnicamente e
economicamente viáveis também para energia solar.
(…) Eu diria que não sou um pesquisador de energia solar
porque meu doutorado não foi feito em energia solar. Eu iniciei
com energia solar em 1980 quando da celebração de
um convênio entre o CNPq e o Ministério de Energia
da Alemanha, onde uma agência financiadora resolveu implementar
três laboratórios básicos de testes de coletores
solares no Brasil. Inicialmente, o prof. Maliska, aqui da Mecânica,
pegou a responsabilidade de coordenar a estação, depois
ele desistiu e eu fiquei com a responsabilidade do relatório
final. Ao longo do tempo, eu acompanhei essa tecnologia heterogeneamente.
Houve uma época em que diminuímos. Em 1989, eu voltei
à intensidade porque vi que o Brasil falava em energia solar,
mas não tinha dados. Então, eu resolvi um problema
que dificilmente é resolvido dentro de um paradigma porque
as pessoas que fazem pesquisa normalmente seguem modelos, vamos
dizer paradigmas de trabalho, produzem e publicam naquilo. Eu resolvi
desafiar o status quo de então, que era um país sem
nenhum dado solar de qualidade. Banquei então aquela pessoa
intermediária para articular engenheiros mecânicos,
alunos de talento com geofísicos e metereologistas. Daí
resultou o Atlas.
O
modelo que foi chamado de BrazilSR?
O modelo BrazilSR é uma variante do modelo IGMK, que é
um modelo clássico. Todavia, o modelo é original.
Como
não existiam dados de qualidade, houve necessidade de montar
estações para coletar dados…
Sim. O grande desafio era encontrar um país, cujo governo
havia abandonado a filosofia de planejamento de longo prazo. O regime
militar, quando amadureceu, implementou uma estratégia de
gestão governamental, onde ele fazia uma previsão
qüinqüenal do desenvolvimento nacional, em diferentes
áreas. Ele, então, definia o que era estratégico.
Hoje, não ocorre mais porque o presidente fala como se fosse
um porta-voz da presidência. O que eu quero dizer é
que se herdou do regime militar toda uma estrutura e uma capacitação
de gestores de ciência e tecnologia. Isso tudo foi abandonado
em nome de uma tal de "abertura democrática", que
eu não sei o que significa. Daí relegou-se a segundo
plano o planejamento científico e tecnológico nacional
e resultou na derrocada brasileira. Nós perdemos praticamente
em todas as áreas. Em que pese o volume de publicações
científicas, que aumenta, nós perdemos riqueza. O
que quero dizer é que quando fiz o inventário da situação
nacional, não havia sequer uma estação confiável
para validar qualquer modelo. No Instituto Nacional de Metereologia,
por exemplo, as últimas três estações
estavam abandonadas no campo há vários anos e não
se sabia o que elas mediam. Foi assim que eu encontrei o País.
Tive, então, que implementar uma estação de
qualidade aqui, com o apoio exclusivo do governo alemão.
Depois, implantamos uma grande estação na Amazônia,
na Hidrelétrica de Balbina, com apoio exclusivo da Organização
Mundial de Metereologia, mas também com precioso apoio logístico
da Eletronorte. Depois, com apoio da Celesc, implementamos mais
quatro estações no interior de Santa Catarina. Como
o INPE tinha mais quatro estações que ainda não
operavam continuamente, o meu colega Ênio Pereira, que é
uma das pessoas-chave nesse projeto, acionou o pessoal do CPTEC
para operacionalizá-las. No final, são nove estações
no total.
Com
isso o Sr. consegue cobrir todo o território nacional?
Na verdade, eu necessitava, segundo os nossos estudos prévios,
mais ou menos de umas quarenta e oito ou cinqüenta estações.
Chegamos a utilizar, no máximo, onze estações
para validação. Eu não consegui instalar as
outras estações porque cada órgão dizia
que isso não era da sua alçada. Observe: o Ministério
das Minas e Energia respondia com o absurdo de que instalação
de estações para levantamento do potencial energético
solar e eólico nacional não era uma das suas missões...
Essa negativa me fez crer que somente a politicagem, a sabotagem
poderia estar por trás de uma resposta dessas.
Como
o Sr. usa os dados dessas estações?
Essas estações tem duas grandes vertentes de aplicações.
As estações de Florianópolis e de Balbina coletam
radiação de onda curta, ao redor do intervalo visível.
Essa radiação é medida, totalizada em minutos,
qualificada aqui. A radiação direta, que vem do disco
solar, também é medida, e a radiação
difusa. Exclua o disco solar, você tem a radiação
difusa. Medimos também ondas longas de infravermelho. É
um espectro de interesse dos geofísicos. Enviamos esses dados
para Zurique, lá esses dados são qualificados, distribuídos
para diferentes laboratórios do mundo que atuam numa das
interfaces da temática do Global Warming; esse pessoal faz
o balanço energético da atmosfera. Às vezes,
recebemos e-mail de cientistas de grande peso, do Global Warming.
Eles questionam os dados: qualidade, como mediu, o que está
acontecendo quando há incompatibilidade… Muitas vezes,
descobrimos que temos problemas operacionais com instrumentos e
somos obrigados a revisar a série histórica. Esses
dados dessa vertente, então, são utilizados para a
ciência. A outra vertente são dados para validação
de modelos. Nós temos o modelo BrazilSR que continua em curso
e temos uma extensão desse modelo para medir a radiação
fotoquimicamente ativa. É a radiação responsável
pela conversão da energia solar em biomassa. Também
podemos realizar o cálculo da iluminância, o quanto
chega de luz na superfície.
Quais
são as áreas de maior aproveitamento do recurso solar
no Brasil?
O recurso solar é um recurso naturalmente democrático.
Não tendo sombra, você tem energia solar. O recurso
eólico não é tão democrático,
você precisa ter um sítio altamente energizado. O sítio
pode ser seu ou não. Mesmo que seja seu, a energia eólica
só é viável em larga escala. Digamos, você
tem que vender mais de 30 megawatt para ter lucro. A solar, não.
Através de microsistemas, você consegue benefícios
variados, um dos quais aquecimento doméstico, o próprio
aquecimento residencial… Uma outra aplicação
que está se tornando economicamente viável é
o ar condicionado por absorção. Quanto mais sol, mais
refrigeração. Você consegue climatizar um aviário,
uma maternidade suína… Essa energia é disponível,
sempre que não haja sombra. Há que se pensar no direito
à energia solar. Quando você morar num centro urbano,
vai ter que pensar em morar afastada de prédios que possam
sombrear a sua residência. Num futuro próximo, o poder
público deverá pensar no direito à energia
solar. Você não pode permitir que uma pessoa tenha
licença de construir um edifício e sombreie a energia
solar que é direito natural das pessoas. Ou deve ser. (…)
Eu poderia dizer que nós estamos no começo da coisa.
Hoje, nós temos um Atlas que dá, com relativa confiabilidade,
a média mensal da radiação incidente. Para
o Atlas ser completo, ele precisa fornecer a média mensal
da irradiação direta e fornecer a difusa. Em verdade,
nós já editamos esses dois Atlas, só falta
publicar. Até porque aguardamos o desdobramento de um projeto
de impacto muito maior. O melhor mesmo seria um Atlas que fornecesse
o ano típico médio horário para cada ponto
do território nacional. Como vou validar um modelo horário
se daqui a pouco, por azar, o satélite enxerga uma média…
Uma pequena nuvem passa e estaciona entre o sol e a terra, o meu
aparelho não irá detectar energia, mas em toda a vizinhança
tem energia. O satélite não vai ter condições
de localizar aquela pequena nuvem. Podem ocorrer grandes discrepâncias,
mas existem modelos que corrigem estatisticamente essas discrepâncias.
Por quê precisamos chegar a essa alta resolução?
Se não chegarmos a essa alta resolução, não
podemos fazer grandes projetos para otimizar, por exemplo, a iluminação.
Não poderemos fazer o Atlas Nacional de iluminância,
que é pré-requisito para bons projetos de iluminância
nas edificações, e não podemos determinar o
que chamamos de ano típico médio.
Que
projeto de grande impacto é esse?
Nós temos um projeto com a ONU (Organização
das Nações Unidas). A ONU encetou um esforço
no sentido de criar um Atlas mundial de qualidade de energia solar
e eólica. Ela vai financiar seis laboratórios, um
na Dinamarca, um na Índia, no Brasil será uma parceria
entre o Labsolar, o Inpe e o Centro de Energia Solar do Recife,
um na Alemanha e dois nos Estados Unidos. O total de aporte de recursos
é da ordem de 10 milhões de dólares. Nós
recebemos, no Brasil, um total de 700 mil dólares, sendo
que 500 mil são para a parceria Labsolar/Inpe. O objetivo
é chegar a esses atlas de alta resolução, tanto
de energia solar quanto eólica. Esse projeto é um
marco na nossa atividade porque é o reconhecimento mundial
de que nós vimos atuando com competência e bom nível
e também porque o governo brasileiro resolveu dar a contrapartida,
muito embora não escrita, porque ele não assumiu um
compromisso internacional. Nesse particular, o MCT tomou uma iniciativa
muito saudável. Confiou na equipe, recomendou o projeto e,
pela primeira vez, depois de seis anos de luta, eu posso dizer que
estamos vendo a possibilidade que eles financiem toda aquela infra-estrutura
que nós queríamos de campo, de estações,
tanto para climatologia quanto para energia. Esse projeto é
importante porque vai nos possibilitar, dentro de três anos,
dar acesso à quase totalidade das informações
de energia solar e eólica num website. Em suma, o
ponto ideal seria o consumidor leigo fazer a otimização
econômica do seu projeto. Você não vai precisar
mais de nenhuma firma de engenharia intermediária e sequer
consulta técnica porque o sistema vai disponibilizar também
o plantel de tecnologia de qualidade.
Isso
quer dizer que eu, como consumidora, se quero instalar coletores
solares na minha casa, vou à base de dados e pego as informações
necessárias para isso? Só vou precisar de um técnico
para fazer a instalação…
Eu não sei se vamos alcançar essa meta em três
anos. Mas a meta é chegar a um ponto em que o consumidor
ao clicar no sistema, dizendo a cidade onde está, automaticamente
receba a disponibilidade de energia, com ou sem efeito da topografia.
Você vai ter todas as informações referentes
a outros potenciais energéticos, sítios eólicos,
rede elétrica, gás, todas as facilidades… A seguir,
você define as suas necessidades. Por exemplo, você
pede energia solar. O sistema vai solicitar o número de pessoas,
o seu costume, outras opções, e automaticamente ele
vai fornecer a melhor solução energética, o
custo e o melhor plantel de tecnologias disponíveis.
O
Sr. tocou num ponto importante: o custo dessas tecnologias. Um ponto
de resistência apresentado é a viabilidade econômica.
Vamos falar somente de energia solar. As vertentes do mercado para
energia solar são: o aquecimento doméstico, o aquecimento
industrial, a utilização na agroindústria e
pecuária, a refrigeração e ar condicionado.
São as chamadas aplicações termo-solares. Quanto
às aplicações fotovoltaicas, você pode
utilizar painéis fotovoltaicos tanto para racionalizar o
uso de energia em horário de pico quanto para a geração
distribuída de energia, sem pensar no horário de pico.
Sem sombra de dúvida, a opção termo-solar é
a opção economicamente mais atraente. Você consegue
facilmente 80% de economia do uso de energia convencional com tempo
de retorno de 2 anos. No caso industrial, para aquecer, por exemplo,
água a 45º C, o tempo de retorno seria maior. Diria
que você tem 4 a 5 anos, no mínimo, para pagar o investimento
para uma planta com 20 anos de vida útil. Mas é atraente
mesmo assim. Em relação a ar condicionado. é
difícil falar porque não há ainda um mercado
competitivo de preços e custos praticados no Brasil. Estamos
naquele limiar em que as pessoas ficam indecisas se vão instalar
ou não sistemas de agenciamento doméstico. Poucas
regiões, no Brasil, tem a prática de utilizar o aquecimento
central para toda a residência. Em relação à
geração fotovoltaica, o custo mínimo de geração
é da ordem de U$ 7/quilowatt-pico. O que é 1 kWatt
pico? É a potência gerada por um painel de uma central
solar quando incide sobre ela uma irradiação cuja
intensidade é um 1 kW por metro quadrado. Se o painel tivesse
100% de rendimento, se teria a geração de 1 kW pico,
mas como o painel tem um rendimento médio de 10%, quando
incide 1 kW no painel, você tem 100 Watts pico de efetiva
resposta. Quanto custa o Watt pico? Há dois tipos de ranking
de avaliação econômica de energia. Uma delas
é avaliar na ponta da rede. Iisto é, no consumidor,
seria dólar por kW/h (quilowatt hora). Veja que isso tem
um custo de geração e transmissão. Quando você
tem uma tecnologia de geração centralizada, você
vê o custo "busbar", ou seja, no barramento. Quando
custa 1 Watt pico de geração nuclear? U$ 2,00. E 1
watt pico hidráulico? U$ 1,00. Quanto custaria 1 Watt pico
de carvão em leito fluodizado, como querem instalar em Criciúma?
U$ 1,2 a 1,5. Um Watt pico eólico custa 70, 80 centavos de
dólar… Pode custar até U$ 2, 00, dependendo da
escala de geração. Agora, no mercado internacional
de geração fotovoltaica o custo mínimo é
U$ 3 ou U$ 4… Três dólares é excepcional,
o normal é 4 dólares. Se você converte isso
direto na corrente alternada, isso vai custar U$ 7,00. Você
poderia dizer, então, que não há mercado para
a fotovoltaica. Na verdade, compra-se aquilo que é mais atraente
nas diferentes alternativas. Portanto, se você está
pagando U$ 10 por Watt pico, U$ 7 da fotovoltaica é atraente.
Então, como toda tecnologia, nós temos uma fase de
implementação no mercado que é a ancoragem
dela. Quando se fez os trens, por exemplo, quem ancorou as ferrovias
foi o Estado. Os lucros vieram depois através da iniciativa
privada. Vamos voltar a Keynes… Ele dizia que o Estado tem
que dar aquele impulso quando a economia está em crise. Então,
a fotovoltaica precisa dessa ancoragem. O cenário, hoje,
é que a produção anual da fotovoltaica equivale
à insignificante potência de 280 MW. Veja que ela é
insignificante porque, por exemplo, a central termoelétrica
a gás que querem instalar em Joinville terá a capacidade
de gerar 250 MW. Uma central equivale a toda a produção
anual de painéis fotovoltaicos. A tecnologia desses painéis
está entrando no mercado agora… O que fez a Alemanha
para ancorar o mercado? Promoveu o programa dos 100.000 tetos. Primeiro,
ela fez 1.000 tetos. Eles foram monitorados e 80% dos painéis
funcionaram bem.
Quais
são as vantagens da tecnologia de aquecedores com energia
solar em relação aos sistemas a gás?
Note bem que a energia solar é um complemento para as energias
convencionais. Esse complemento geralmente é significativo,
na ordem de 70 a 80% numa região de boa insolação.
Não importa qual seja a energia auxiliar, gás ou eletricidade,
ela é um complemento. Ela é vantajosa quando o custo
da eletricidade é relativamente elevado. Com os atuais custos
da eletricidade, um coletor solar doméstico se paga em dois
anos. Com os custos praticados do gás, em dois anos e meio
ou três anos. O custo da energia do gás significa dizer
unidade monetária por gigajoule, que é unidade de
calor.
Como
os sistemas de energia eólica podem ser aplicados?
As tecnologias de geração eólica já
são completamente dominadas. Turbinas eólicas de 2
megawatts são comuns na Europa. Eles estão projetando
agora turbinas eólicas de 5 megawatts. Normalmente, você
compra o equipamento depois de localizar o sítio, gasta alguns
metros quadrados de terreno para instalar o equipamento. A instalação
normalmente é rápida, pode levar quinze a vinte dias
e, portanto, você pode estender essa unidade para um conjunto
de unidades até chegar ao que se chama de geração
econômica. Como havia mencionado antes, da ordem de 30 megawatts
ou cima. A média de potência gerada é ilimitada,
depende do sítio. Por exemplo, na Alemanha tem uma potência
gerada que é, aproximadamente, quatro vezes maior do que
o consumo do estado de Santa Catarina. Se bem que a energia eólica
não é despachável, ou seja, você não
garante que possa gerar. Tendo um motor diesel, você liga
o motor e vende aquilo que contratou de energia. Com a energia eólica,
você tem que esperar que a atmosfera responda favoravelmente
com a velocidade economicamente interessante. Mais que importante
que ter uma turbina eólica é ter uma previsão
da geração eólica. Nesse particular estamos
bastante avançados porque, a partir do ano que vem, vamos
constituir um grupo de trabalho para implementar em Santa Catarina,
de forma pioneira, um modelo que fará previsão de
geração eólica. Este modelo será integrado
ao sistema de previsão metereológica do INPE. Ele
vai ser validado com as torres anemométricas, que medem velocidade
e direção do vento, instaladas aqui em Santa Catarina
pela Celesc com apoio da nossa Fundação, através
do Labsolar.
Como
é feito o levantamento do potencial eólico de uma
região?
O levantamento padrão é feito através de uma
torre de cinqüenta metros. Você instala um anemômetro
na ponta, outro a trinta metros e um terceiro a dez metros. Dez
metros é a altura padrão da metereologia internacional.
Depois você pega uma série de dados com um ano de duração
e faz uma correção do potencial eólico em função
da rugosidade do solo, através de modelos conhecidos. Isso
será feito para cada ponto considerado estratégico.
Depois é feita uma interpolação pelo chamado
método Kriging, ou seja, você fornece um ponto, a série
de dados nesse ponto e as estatísticas representativas de
cada ponto. Com isso, você interpola a série das regiões
intermediárias e as estatísticas associadas. Esse
método é utilizado largamente em energia solar e eólica
para realizar os Atlas com os mapas de potencial de geração.
Existe
impacto ambiental nessa tecnologia? O uso das turbinas incapacita
a área para outros usos?
São dois os fatores de desconforto de uma turbina eólica.
Primeiro é o ruído das pás, que em baixa rotação,
que produz um silvo. Esse ruído foi grandemente reduzido
com o projeto de novas turbinas com interação de camada
limite ao longo da macropalheta. O outro desconforto é a
sombra periódica. O sol, ao passar pelas pás ou se
colinear com a turbina e a residência durante algum tempo,
vai projetar a sombra da turbina girando. Se uma pessoa estiver
numa sala de aula, por exemplo, ela vai se sentir desconfortável
pela sombra que vai passar periodicamente pelo ambiente. Mas são
problemas contornáveis.
E
com relação ao vôo dos pássaros?
Não há nenhum problema. A rotação é
baixa e os pássaros tem capacidade de se desviarem.
Esse
sítio eólico pode ser usado simultaneamente para pecuária,
por exemplo?
Sem problema algum. A energia eólica é a forma de
geração de maior densidade de geração
por metro quadrado. Ou inversamente, de menor ocupação
de área por potência gerada, de todas as formas de
geração de energia existentes.
Fazendo
uma suposição de uso: haveria possibilidade de utilizar
postes de iluminação com captação do
vento e geração auto-suficiente em áreas abertas
como a avenida Beira Mar em Florianópolis?
O problema é o seguinte: se você capta a energia, você
vai ter que armazenar porque vai usar à noite na iluminação.
O custo seria elevado.
Essa
energia não poderia ser armazenada em baterias?
Mas isso encarece. Aí vai ter o custo proibitivo do poste.
Além disso, a bateria será um grande fator de poluição
futura. A geração eólica é para uso
rural ou industrial complementando a geração da rede
firme, sempre que possível. Se instalar uma bancada de baterias
dentro da escala de geração eólica de grandes
turbinas, você não vai pagar nunca o investimento realizado.
Além do problema futuro com as baterias: como se descartar
delas?
Existem
cálculos de custos e benefícios dessas tecnologias?
Muito embora certas tecnologias, que se mostram inicialmente pouco
competitivas, sejam financiadas por projetos de natureza estatal
ou privada para promover a ancoragem no mercado, nenhuma tecnologia,
qualquer que seja, se sustenta se não tiver atratividade
em relação ao custo. Portanto, existem estudos de
custos e benefícios de todas essas modalidades de geração.
Em particular, posso dizer que somos pioneiros na análise
de custos e otimização de plantas de geração
fotovoltaica integradas a unidades de geração diesel,
com o objetivo de deslocar o óleo diesel no Norte e Nordeste
do Brasil. Quer dizer, dispomos das ferramentas digitais que permitem
ao investidor analisar todos os fatores econômicos e, inclusive,
a performance operacional de uma determinada planta híbrida
de geração diesel-fotovoltaica. Com isso, é
possível determinar as incertezas associadas ao retorno do
investimento.
Quais
são os países que mais utilizam essas fontes renováveis?
Na energia eólica, a Alemanha é campeã. Temos,
além da Alemanha, a Holanda, a Dinamarca. Em pouca escala,
Austrália… Portugal está instalando. A Europa
é a vitrine. E os Estados Unidos, sobretudo a Califórnia.
(…) O país que mais utiliza fonte renovável por
habitante é Israel. (…) Se colocar o plantel de todas
tecnologias de energia renovável, nós temos o aquecimento
doméstico de água, a geração fotovoltaica
e a energia eólica. Então, vamos separar por setor.
No setor de aquecimento, o país com maior uso dessa tecnologia
é Israel. Inclusive, em Israel existe o direito à
energia renovável, ao sol. O planejamento urbano, em Israel,
é feito segundo leis específicas de otimização
do aproveitamento da energia. Tem um código de direito do
consumidor. Já quando se fala em energia eólica, é
a Alemanha. Na geração fotovoltaica, é a Alemanha
com o projeto de 100.000 tetos, os Estados Unidos com o programa
de 1 milhão de tetos e o Japão com 80.000 tetos e
a Europa com um programa que está sendo implementado de forma
muito lenta, que é um 1 milhão de tetos fotovoltaicos.
Na parte de biomassa, é o Brasil com o bagaço de cana,
mas se você comparar a energia gerada com bagaço de
cana com a energia convencional, você verá que ela
é insignificante. Poderá ser significante. Existem
números impressionantes da ordem de 10 mil megawatts. Se
comparar isso com 63 mil megawatts ou 70 mil megawatts, com a entrada
em operação das hidrelétricas e termoelétricas
nos próximos três anos, esse é um número
impressionante para o setor de energia. Muito embora seja insignificante
no cômputo total do mundo.
Qual
seria o período para ancoragem dessas tecnologias no Brasil?
Não posso definir. A economia não é bem uma
ciência… Embora utilize ferramentas científicas
e modelos para fazer previsões ou para descrever comportamentos
de sistemas, ela não é uma ciência exata. A
vaidade humana e os instintos de sobrevivência pensam no que
se chama de economia. É uma maldição que Deus
jogou sobre Adão e Eva: "Vivereis com a Economia".
Nesse particular, existe uma questão que é muito importante:
fatores inesperados e também fatores esperados alteram a
economia. Um fator inesperado seria, por exemplo, os produtores
de petróleo tentarem valorizar o produto diminuindo a oferta.
Um fator esperado será o efeito estufa. Existem cada vez
mais sinais de evidência do efeito estufa. Se nos anos vindouros
tivermos alguns fenômenos meteorológicos de grande
escala que produzirem devastações de grandes conseqüências
econômicas… Por exemplo, um super furacão nos
Estados Unidos que tenha impacto muito maior do que a média
dos furacões passados ou uma grande seca provocada por oscilação
no El Niño que produza uma derrocada numa série de
economias… Esses fatores podem alterar a economia do setor
energético. Portanto, algumas tecnologias que inicialmente
eram vistas com certa restrição passam a receber atenção
dos governos ou dos órgãos mundiais que fazem o planejamento
ou acompanham os chamados fenômenos mundiais de grande escala,
como o Banco Mundial, entre outros. Pode prevalecer, por exemplo,
uma política de remuneração de CO2.
Você pode negociar cotas de CO2 , ou seja, deixe
de gerar numa planta térmica a óleo e passe a gerar
numa planta com painéis fotovoltaicos ou de energia eólica
e ganhe um bônus. Um outro bônus que se pode ganhar
é da própria sociedade que diminui os impostos e é
capaz de pagar o megawatt hora com valor normativo maior no sentido
de incentivar essa tecnologia. São esses fatores que ancoram
a tecnologia, que inicialmente, se apresentava pouco competitiva.
Esse
susto com a crise de energia pode ajudar essa ancoragem?
Eu não sou especialista em previsões. Ninguém
é. Um exemplo ilustrativo é que, a partir de 2003,
teremos um mercado livre de energia. Portanto, aquela máxima
de que o estado de Santa Catarina, com a instalação
das novas plantas, vai se tornar um estado auto-suficiente é
falsa. O setor privado que produz energia vai despachar para o mercado
que pagar mais. Se pudermos pagar mais, seremos auto-suficientes.
Nesse sentido, como vai haver uma grande variação
horária do custo do quilowatt/hora da tarifa e, ao mesmo
tempo, flutuações devido a carências ou baixa
oferta, você poderá viver uma situação
na qual, em determinados horários do dia, gerar energia fotovoltaica
para o seu ar condicionado poderá ser mais interessante do
que simplesmente se submeter aos preços praticados. Outra
tecnologia que poderá surgir com força será
a tecnologia de refrigeração por absorção.
Você instala coletores planos com vidros duplos e viabiliza
economicamente o uso. Quanto mais sol, mais refrigera. Portanto,
o sistema mais natural e harmônico é aquele que aproveita
a energia no momento em que ela é oferecida e destina essa
energia para o consumo também demandado no horário
de máximo recurso solar. É o caso da refrigeração
termo-movida. Uma outra tecnologia que virá, no mercado futuro,
é a tecnologia da biomassa, a conversão dos biocombustíveis.
Existe um absoluto equívoco, tanto do pessoal da Aneel quanto
dos especialistas do CENBIO - Centro Brasileiro de Energia de Biomassa…
O pessoal da Biomassa, primeiro pensa no bagaço de cana.
Ótimo, ele existe em excesso e terá ainda mais se
resolvermos planejar o Brasil para ser um país bem sucedido
em combustíveis. Vamos duplicar, triplicar ou simplesmente
converter a nossa frota a álcool e vamos exportar esse álcool.
Então, teremos muito bagaço de cana e isso será
queimado. Teremos biomassa. Um ciclo absolutamente renovável.
Esse é um grande fator de desenvolvimento. O grande equívoco
é pensar que possamos queimar madeira. Cada vez que vem um
cidadão da biomassa a Santa Catarina, ele olha Santa Catarina
como um estado da biomassa. Não só Santa Catarina,
mas Paraná e Rio Grande do Sul. Eles desconhecem completamente
a sócio-economia catarinense. Qualquer resíduo de
madeira deste Estado será exportado. Nós não
vamos queimar madeira. Por conseguinte, com a falta de madeira nos
países desenvolvidos e até porque, ao importar e queimar
madeira, eles vão ganhar créditos de CO2,
porque a madeira é um insumo renovável, eles vão
gerar um gigantesco mercado. Na circunstância de a Rússia
não viabilizar a sua floresta de pinus da Sibéria,
que tem um ecossistema muito mais delicado que o nosso, então
nós seremos os campeões da biomassa. Vamos vender
madeira. E não venderemos apenas as pranchas e os móveis,
venderemos também todos os resíduos. Não é
por outra razão que a Batistella está construindo
uma unidade de processamento de resíduos de pinus
aqui. Ela vai absorver toda a produção de aparas de
pinus e vai processar para exportação para
Europa e Estados Unidos. Portanto, nós não vamos queimar
madeira. A nossa vocação é combustíveis
líqüidos, é transformar essa enorme diversidade
da flora em produtores de óleos vegetais e combustíveis
líqüidos. Por exemplo, álcool para a aviação.
A futura aviação será movida a álcool.
Isso
já é viável?
Os russos usavam álcool nos jatos supersônicos de guerra.
Há uma grande piada que diz que a grande crise da Rússia
no Afeganistão se deu porque, na falta de vodka, os pilotos
tomavam o álcool do tanque dos aviões. As turbinas
de metanol já estão em desenvolvimento no mercado
americano. Portanto, a grande vocação do Brasil é
a biomassa. Está aí um mercado que vai ser formidável.
Mas o que temos que fazer? Temos que fazer um Brasil ser governado
por estadistas, por homens de visão. (…) O homem de
visão é aristotélico, ele tem metas. Tendo
metas, ele busca as pessoas. Em segundo lugar, ele deve ser realista.
Ele não pode sonhar contra o mercado. Se no meio do caminho,
surge a tecnologia da fusão nuclear, o que nós vamos
fazer é apenas contemplar a natureza. Fatores inesperados
de desenvolvimento tecnológico não podem ser descartados,
como esse problema do controle da fusão nuclear e da viabilização
econômica dela. Todos os que falam dela acham que o domínio
da fusão ainda será realizado numa data muito remota.
Há vinte anos diziam que a meta era cinqüenta anos.
Hoje continuam falando em cinqüenta anos para a fusão
chegar a um resultado tecnologicamente viável.
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